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Comunidades quilombolas e indígenas do Vale do Ribeira, no sul de São Paulo, querem que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) seja adaptado às características de seus territórios. Elas cobram a inclusão no sistema de um campo específico para áreas protegidas de uso coletivo, a invalidação de registros de ocupantes irregulares de suas terras e o reconhecimento das práticas agrícolas tradicionais, como a roça de coivara, na regulamentação da nova lei florestal (Lei Federal 12.651/12), entre outros pontos.
As reivindicações estão em um documento encaminhado ao grupo interinstitucional criado pelo governo federal para discutir a nova lei em territórios quilombolas (leia o documento). Ministério de Meio Ambiente (MMA), Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo (SMA) e Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), entre outros, irão recebê-lo.
O texto foi elaborado num seminário realizado pelo ISA, nos dias 7 e 8/10, em Eldorado (SP), para discutir a aplicação da nova lei em territórios de comunidades tradicionais. Quilombolas e indígenas também solicitaram reuniões com os órgãos estaduais envolvidos para discutir o assunto.
O CAR é um dos principais instrumentos para a aplicação da nova lei florestal. Ela determina que os Sistemas de Cadastro Ambiental Rural (Sicars) dos governos federal e estaduais comecem a funcionar até maio do ano que vem, mas sua implantação caminha a passos lentos (saiba mais).
Dúvidas e questões
A ideia de produzir o documento surgiu com os questionamentos e dúvidas levantados pela simulação do cadastramento de um território quilombola da região realizada no seminário.
A primeira questão levantada foi a da classificação de domínio das áreas no CAR, que, hoje, só pode registrar “propriedades” e “posses”. Como muitos quilombos da região já foram reconhecidos pelo governo estadual, mas ainda não têm título registrado em cartório, o cadastramento é impossível. Por isso, os participantes sugeriram a criação de um campo específico no sistema para quilombos, terras indígenas e unidades de conservação (UCs) de uso coletivo.
“Terra de quilombo não é doação, é fruto de muita luta. Nossos ancestrais já viviam aqui. Não somos posseiros”, lembrou Benedito Alves dos Santos, o Ditão, do Quilombo de Ivaporunduva.
O cadastramento de ocupações de terceiros dentro dos territórios quilombolas reconhecidos, possível hoje, também foi questionado. Os participantes levantaram dúvidas sobre como essa informação irá aparecer no sistema e se essas áreas poderão ser incluídas na Reserva Legal (RL) do território.
Segundo a SMA, responsável pelo CAR em São Paulo, depois do cadastramento das propriedades o órgão fará a validação do registro, quando casos de sobreposição serão avaliados e encaminhados.
Outra dúvida apontada é sobre a possibilidade de plantio das roças de coivara em RLs, consideradas como de baixo impacto ambiental. Os participantes defenderam que, em territórios tradicionais, a localização das reservas seja flexível, considerando o uso rotativo das áreas produtivas e de sua consequente regeneração, sem prejuízo ambiental.
A unanimidade no seminário foi de que quanto mais informações estiverem disponíveis no ato do cadastro mais fácil será efetuá-lo. Isto ficou claro durante a simulação de cadastro, onde o exemplo escolhido foi o Quilombo de São Pedro, comunidade que elaborou em conjunto com o ISA seu planejamento territorial (saiba mais), prevendo usos e ocupação territoriais até 2020.
Os participantes cobraram da SMA mais informações sobre o cronograma do cadastramento e quais órgãos serão responsáveis pela assistência técnica às comunidades. A lei prevê que o estado dê auxílio técnico para o cadastro de quilombolas e agricultores familiares. Segundo a SMA, o arranjo possível entre os órgãos de extensão rural em São Paulo para prestar o serviço ainda está sendo discutido.
Compensação de RL
Algumas lideranças também criticaram a forma de compensação de RL prevista na nova lei. Grandes produtores rurais estão tentando adquirir áreas no Vale do Ribeira, por causa de sua grande cobertura florestal, para compensar RLs com a criação de parques municipais.
“Além de não recuperarem o passivo ambiental, ainda querem comprar terra a um preço baixo, desvalorizando as comunidades do Vale do Ribeira, que fizeram sua parte para a conservação da Mata Atlântica”, criticou Osvaldo dos Santos, do Quilombo de Porto Velho.
Segundo a nova lei, proprietários que não tenham mais RL podem compensá-la pagando por outras áreas de três formas: por servidão ambiental, onde o contrato é feito entre particulares; aquisição de cota de reserva ambiental, ação que deverá ser mediada pelo órgão estadual ambiental e que ainda não tem regulamentação; e compra de imóvel localizado em UC, onde uma área ainda não desapropriada pelo órgão público pode ser adquirida. Em todos os casos, o imóvel continua sendo do proprietário original, que fica responsável por sua manutenção.
O seminário teve a participação de lideranças de 14 comunidades quilombolas e duas aldeias indígenas, além de representantes de órgãos públicos, organizações da sociedade civil e de instituições de pesquisa. Ele é parte do projeto de implementação do planejamento territorial apoiado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e Tropical Forest Conservation Act (TFCA). O evento também contou com o apoio do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO), em projeto que visa discutir estratégias para pagamento por serviços ambientais no Vale do Ribeira.
Serviço
Acesse as apresentações feitas durante o seminário e o material de apoio fornecido aos participantes.
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