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29 de setembro, décimo-primeiro dia da expedição
Moreno: "Hoje foi um dia especialmente movimentado. Levantamos antes ainda do sol nascer. Logo que começou a clarear os Yanomami acordaram e começaram a cozinhar o poraquê, peixe de carne extremamente gordurosa e pouco consistente. Bem pouco aceita pelo paladar não indígena e também pelo paladar yanomami. Poucos pedaços foram comidos.
Estevão: "Entre os rios Apiaú e Mucajaí a Terra Indígena é limítrofe à Floresta Nacional de Roraima, uma Unidade de Conservação Federal de Uso Sustentável. Supostamente ter uma UC vizinha é algo desejável, pois esta poderia servir como uma zona tampão das pressões externas, porém foi justamente neste trecho que encontramos os maiores vestígios de invasão".
Moreno: "Iniciamos a caminhada do dia por uma mata relativamente fechada, mas que nos permitiu avançar com certa regularidade nos primeiros quilômetros. A nossa intenção hoje é andar 6 km, nessa área em que a TI Yanomami faz divisa com a Floresta Nacional de Roraima. Ainda pela manhã subimos um leve morro e entramos em uma área repleta de pés de castanha. Colhemos algumas para comer e ao procurar um local para sentar e abrir os ouriços de castanha encontramos uma trilha perpendicular ao nosso caminho, ou seja, que entrava na TI vinda de fora de seus limites. Depois de percorrer algumas centenas de metros a trilha para os dois lados chegamos a conclusão de que ela pode ser usada por caçadores e que existe há muito tempo. Cortes em arbustos indicavam que ela teria sido usada há poucos dias. A largura da trilha, o estado do chão levou os yanomami a concluírem que ela não é usada para carregar materiais pesados, como equipamentos de garimpo.
Seguindo o caminho, que tinha se tornado mais fácil de ser transposto dadas as características da floresta, logo descemos da parte mais alta onde estávamos e alcançamos uma área alagada, que o mapa que estamos seguindo já havia nos indicado. O que não estávamos esperando é que essa área alagada, que foi transposta em menos de 30 minutos, seria apenas a primeira que encontraríamos no dia.
Terminada essa primeira área alagada, caminhamos um pouco e logo encontramos uma vasta área alagada, muito maior que a primeira. A vegetação dessa área era composta por um capim altamente cortante, alternado por helicônias que eram ligadas umas às outras por uma densa malha de cipós e espinhos, muito resistentes ao corte do facão. Demoramos quase duas horas para vencer as poucas centenas de metros que nos separavam da margem oposta desse alagado.
Depois de comermos um pouco, continuamos a caminhada, que logo que começamos dava a impressão de que seria muito mais tranquila. No entanto, algumas poucas centenas de metros nos provou o contrário. Entramos em uma área em que a vegetação era formada por um capim grosso e alto, também muito resistente ao corte do facão.
Quando conseguimos passar por essa vegetação qual não foi nossa surpresa ao nos deparamos com um grande pasto plantado em uma grande área desmatada, dentro da TI Yanomami. Entramos no pasto até encontrarmos uma pequena cabana de palha. Essa cabana estava em uma colina, bem no meio de uma plantação de mandioca e milho. Um pouco mais embaixo havia um pomar, com árvores frutíferas que não tinham menos de três anos. Abacate, limão, manga, bananeiras, cana.
Na cabana encontramos panelas, roupas, munição de espingarda calibre 20, arroz, sal, ferramentas e uma bateia, usada para garimpo. No entanto, apesar de termos encontrado essa bateia, o tamanho do pasto e a ausência de equipamentos maiores de garimpo, indicam que a extração ilegal de ouro é uma atividade secundária na região. É provável que ela esteja sendo preparada para receber gado, visto a extensão do pasto plantado. Infelizmente atrasaria muito a nossa viagem se fôssemos medir o tamanho da pasto, mas isso é possível de ser feito, com menor precisão, analisando imagens de satélite.
Depois de revistarem toda a cabana procurando vestígios que indicassem quem seria o dono, os Yanomami furaram todas as panelas e incendiaram o telhado de palha. As chamas rapidamente consumiram tudo o que estava dentro dela. Em seguida, os Yanomami foram até o pomar e cortaram quantas árvores conseguiram.Já estava na hora de procurarmos acampamento. Andamos mais 30minutos, em meio a um capinzal bem denso até encontrarmos um bom local para acampar. Armamos as lonas e depois do banho começamos a cozinhar o jabuti que encontramos pelo caminho".
A série de expedições ao limite leste da TI Yanomami, iniciada em outubro do ano passado, e integrada pela Funai (Fundação Nacional do Índio), HAY (Hutukara Associação Yanomami), e ISA e agora pela Polícia Ambiental e pelo Bope tem o apoio da Fundação Rainforest da Noruega.
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Linha do Tempo da viagem com galeria de fotos e outras informações http://isa.to/1ag7MYF