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Reabertura de estrada e hidrelétrica colocam em risco ativo turístico e patrimônio internacional

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A terceira e última reportagem da série que o ISA publica nesta semana sobre o Parque Nacional do Iguaçu (PR) mostra a importância da área para o turismo e para a região onde ele está localizado
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O Projeto de Lei (PLC) 61/2013, do deputado Assis do Couto (PT-PR), que tramita hoje no Senado e pretende reabrir a Estrada do Colono, que cortava o Parque Nacional (Parna) do Iguaçu (PR) até 2003, coloca em risco não apenas uma das áreas mais importantes para a conservação da Mata Atlântica, bioma mais ameaçado do País, conforme mostramos na reportagem anterior dessa série (saiba mais). O parque é também um ativo turístico, ambiental e cultural internacional.

Em 1986, ele foi reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para Educação e Cultura (Unesco). Diante das inúmeras tentativas de reabertura da estrada, porém, o órgão incluiu o parque na lista de seus sítios “em perigo”, em 1999. Constrangido, o governo brasileiro assegurou, em meio a negociações diplomáticas, que manteria a rodovia fechada e que fomentaria o desenvolvimento da região em bases sustentáveis. Em 2001, a Unesco voltou atrás e retirou a área da lista.

Caso a estrada seja reaberta, o parque deve voltar a figurar na relação dos santuários em perigo da Unesco. Isso pode acontecer justamente quando completará 75 anos, no dia 10/1. Em último caso, a área pode perder o reconhecimento de Patrimônio Natural da Humanidade, o que seria uma desmoralização internacional para o governo brasileiro.

Destino turístico

Foz do Iguaçu, onde está a entrada do parque, é o segundo destino turístico mais procurado por estrangeiros no Brasil, responsável por 20% dos turistas que procuram o país para lazer, perdendo apenas para o Rio de Janeiro. O Parna do Iguaçu e, em especial, as Cataratas do Iguaçu, localizadas em seu interior, são os principais responsáveis por isso.

O turismo gera entre 20% a 30% da receita pública anual de Foz do Iguaçu, de cerca de R$ 540 milhões. São aproximadamente oito mil trabalhadores diretamente vinculados ao setor no município, numa população de 262 mil pessoas.

Mais de 1,5 milhão de pessoas visitaram o parque, em 2012, o que gerou uma arrecadação de R$ 17 milhões para sua administração, entre ingressos e recursos repassados pelos seis concessionários que exploram serviços no local. É possível fazer passeios, trilhas, arvorismo e sobrevoo de helicóptero (saiba mais sobre turismo no Parna do Iguaçu). Existe um hotel dentro da UC e uma empresa também gerencia toda a visitação. Esses serviços geram 750 empregos diretos.

Apenas entre 20% e 25% da arrecadação do parque, no entanto, fica com a sua administração para cobrir gastos e investimentos. O restante vai para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que gere as Unidades de Conservação (UCs) federais e tem precisado dos recursos – um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) revela que, entre 2011 e 2012, o orçamento empenhado do instituto, aquele que foi efetivamente autorizado, caiu de R$ 511,6 milhões para R$ 475,3 milhões (saiba mais).

Projeto regional

O chefe do parque, Jorge Luiz Pegoraro, considera “injusta” a distribuição da arrecadação da área. Ele afirma que, se mais dinheiro ficasse na UC, seria possível investir na fiscalização, em educação ambiental e no turismo em Foz do Iguaçu e nos outros 13 municípios cujos territórios estão sobrepostos ao parque.

Alguns dos defensores da reabertura da Estrada do Colono afirmam que o Parna traria benefícios apenas para Foz do Iguaçu, enquanto os outros municípios ficariam com nada. O argumento é parcialmente falso. Dez municípios recebem um total que pode chegar hoje a quase R$ 11 milhões por meio do chamado ICMS Ecológico, compensação tributária prevista na lei pelo fato de terem parte de seus territórios em uma área protegida. Ao comprometer a integridade do parque nacional, a reabertura da rodovia ameaça esse benefício. Dependendo da gravidade dos impactos sobre a área, o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) pode reduzir ou suspender essa transferência de recursos.

Pegoraro concorda que é necessário fazer mais investimentos para integrar o Parna à sociedade local. Ele defende a discussão de um projeto de desenvolvimento regional em bases sustentáveis que amplie os benefícios da área para a região.

“Falta para os outros municípios um incentivo, uma maior parceria para desenvolvermos projetos semelhantes, utilizando-se a borda do parque”, analisa. Pegoraro cita o exemplo de uma nova portaria do Parna construída no município de Capanema, que está permitindo o uso do Rio Iguaçu pelos moradores para o lazer. O chefe do parque afirma que faltam pernas à administração para multiplicar e desenvolver experiências como essa.

Hidrelétrica ameaça cataratas

O turismo em Foz do Iguaçu é estimulado principalmente pelas Cataratas do Iguaçu, escolhidas recentemente, numa votação pela internet, uma das sete maravilhas da natureza.

Por incrível que pareça esse verdadeiro cartão postal brasileiro está ameaçado diretamente também por outro projeto polêmico: a construção da hidrelétrica de Baixo Iguaçu, a 500 metros de onde o Rio Iguaçu adentra o parque (veja mapa). Trata-se da sexta barragem do rio. Todas ficam acima das cataratas.

A construção da usina, com 350 MW de potência instalada, foi iniciada em junho, depois que a Licença de Instalação (LI) foi concedida pelo IAP. O empreendimento está sendo construído nos municípios de Capanema e Capitão Leônidas Marques.

O licenciamento da obra é alvo de uma batalha judicial entre o IAP e o ICMBio. Depois de dar anuência à Licença Prévia (LP) à usina, o presidente do ICMBio, em 2008, voltou atrás da decisão com base em uma ação do Ministério Público Federal que questionou os impactos da obra e a competência do IAP para o licenciamento, já que o Rio Iguaçu é federal e ela está prevista para o entorno de uma UC federal.

Só neste ano a Justiça Federal em Porto Alegre proferiu uma sentença validando o licenciamento e o IAP expediu a LI. O ICMBio recorreu da decisão. A ministra Izabella Teixeira também já disse ser contra o projeto.

Os impactos previstos são o acúmulo de sedimentos no leito do rio e possíveis consequências em sua vazão e na das cataratas. Essas consequências ameaçam um dos principais serviços ambientais do Parque do Iguaçu. Ele funciona como uma espécie de filtro gigante do Rio Iguaçu, que carrega dejetos das inúmeras cidades que atravessa, desde Curitiba, no extremo oposto do Paraná. Por causa das cataratas e da floresta, a água deixa o parque mais oxigenada e limpa do que entra.

Cartão postal ameaçado

As Cataratas do Iguaçu são formadas pelas quedas do Rio Iguaçu, 18 quilômetros antes dele juntar-se ao Rio Paraná. O Iguaçu chega a medir 1,2 mil metros de largura acima das cataratas, onde se precipita em quedas que variam de 40 metros a 80 metros de altura, alcançando uma largura de 2,7 mil metros. Logo abaixo, estreita-se num canal de até 65 metros. A largura total das cataratas no território brasileiro é de aproximadamente 800 metros e, no lado argentino, de 1,9 mil metros. Dependendo da vazão do rio, o número de saltos varia, atingindo um numero superior a 100 nos períodos de média vazão. Os principais saltos são 19, cinco deles do lado brasileiro (Floriano, Deodoro e Benjamin Constant, Santa Maria e União). A disposição dos saltos, com a maior parte deles no lado argentino e voltada para o Brasil, proporciona a melhor vista para quem observa o cenário a partir do Brasil.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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