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Após um ano de grandes enfrentamentos com os povos indígenas, o governo Dilma Rousseff ensaiou, nos últimos dias de 2013, um conjunto de medidas visando romper o seu crescente isolamento em relação aos direitos e interesses das populações tradicionais. Em três anos de administração, Dilma acumulou os índices mais negativos dentre os presidentes do ciclo democrático recente quanto à demarcação de Terras Indígenas (TIs), titulação de quilombos, criação de unidades de conservação ambiental e desapropriação para reforma agrária. Neste ano, com o aumento dos protestos em todo o país e a queda relativa na taxa de aprovação ao governo, houve considerável aproximação entre os movimentos sociais da floresta, que passaram a identificar esta conjuntura como particularmente adversa a todos.
Com relação às TIs (alvo principal das investidas dos ruralistas, das empreiteiras e do próprio governo), a proposta mais consensual que resistiu aos embates de 2013 é a de indenizar títulos de propriedade que tenham sido emitidos pela União em áreas abrangidas pela identificação de terras a serem demarcadas. Após o recrudescimento de conflitos, especialmente no Mato Grosso do Sul, parecia ter caído a ficha para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que, no entanto, promete encerrar o ano sem construir um modelo de solução para esses casos. Com vários processos de demarcação acumulados em suas gavetas, ainda ostenta o recorde negativo de providências para esses processos.
Mas foi na outra vertente de conflitos agudos, a dos projetos hidrelétricos que impactam TIs, que se esboçou uma proposta recente, possivelmente oriunda de consultorias que prestam serviços às empresas que executam obras públicas. A ideia seria criar um fundo para apoiar projetos indígenas, composto por 15% dos recursos já pagos pelas empresas a título de compensação para estados, municípios e outros entes, que abririam mão de parte desses recursos aos índios, sem encarecer o custo das obras. Concomitantemente, seria regulamentada a consulta aos povos indígenas afetados por empreendimentos, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A posição do governo sobre o acesso aos recursos do anunciado fundo não é clara, mas a proposta das empresas é que o novo percentual vigore apenas para os novos projetos, sugerindo que ele seja acessível para comunidades que venham a ser por eles afetadas, não havendo indicativo quanto à elegibilidade dos povos afetados por projetos já contratados e, muito menos, para os povos “sem hidrelétrica”. Dizem, ainda que os projetos deveriam, prioritariamente, atender as demandas indígenas nas áreas de saúde, educação e atividades produtivas, substituindo recursos orçamentários que já são, ou deveriam ser, destinados a esses fins.
Enquanto isso, a implementação da Politica Nacional de Gestão Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI) não dispõe de fontes orçamentárias para a sua implementação em escala. Os investimentos resumem-se a projetos piloto, com recursos da cooperação norueguesa doados ao Fundo Amazônia, geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e repassados para organizações indígenas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
É muito pouco para o movimento indígena que, em 2013, demonstrou grande capacidade de mobilização, empatando em tempo político real às ameaças aos seus direitos urdidas no Congresso e no governo. Liderado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e com o apoio das lideranças tradicionais, o movimento indígena esteve à frente da resistência ao ataque ruralista contra as áreas protegidas, ampliou alianças com outros movimentos e recebeu a solidariedade de vários segmentos da sociedade brasileira.
Agenda extrativista
A agenda deflagrada pelo governo para populações extrativistas parece mais animadora. Com a presença de três ministros numa reunião na Ilha do Marajó (PA), o governo anunciou, no dia 29/11, um pacote para suprir carências principalmente de assistência técnica e capacitação para essas comunidades. O MMA divulgou que o governo pretende investir R$ 717 milhões até 2016, porém, não está claro quanto efetivamente será gasto, quando e o qual o percentual deste valor significa recurso adicional aos orçamentos já previstos (veja aqui). Não deixa de ser um movimento positivo, tendo em vista a grave situação atual de abandono em que vive a maior parte das comunidades e embora também esteja paralisada a criação de Reservas Extrativistas (Resex).
De qualquer modo, o pacote extrativista premiou esforços persistentes do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS) e da Secretaria Geral da Presidência da República, que cuidou de articular as demandas dos extrativistas junto a diferentes ministérios. Em 2013, o CNS não deixou de cobrar providências em relação aos processos de criação de novas Resex, paralisados no MMA, mas priorizou uma agenda pragmática nas relações com o governo, evitando o envolvimento institucional mais direto nas manifestações de protesto dos índios e de outros segmentos, mas conseguindo colher este resultado.
Movimento quilombola
O melhor resultado, no entanto, veio para o movimento quilombola, com avanços no complexo processo de regularização de territórios para comunidades que esperavam há décadas pela providência. O pacote anunciado, no dia 5/12, incluiu a titulação de 745 hectares, beneficiando aproximadamente 245 famílias, e a publicação de 10 portarias de reconhecimento, em benefício de 1,6 mil famílias quilombolas que vivem em territórios que somam mais de 23,1 mil hectares (saiba mais).
As medidas correspondem a uma vitória da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (CONAQ) e da ministra Luíza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), no contexto de um governo avesso à destinação de terras para fins socioambientais. O movimento esperava mais – 28 em vez de 22 providências (entre títulos e portarias) – mas contabilizou o saldo positivo neste ano, que foi de crescimento nas suas lutas e de aproximação com os outros movimentos.
Chamam a atenção, no entanto, os números bem abaixo da média do governo Dilma em termos de titulação, etapa final do processo de regularização e que a garante efetivamente: até atora, no ano, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entregou perto dois mil hectares em títulos, beneficiando no total 1.176 famílias. Assim, Dilma não chega aos três mil hectares titulados até agora, menos de 5% do que Lula titulou em seus dois mandatos.
Possivelmente veremos, em 2014, ano da Copa e de eleições gerais, um jogo bruto sobre estes e outros movimentos, que serão disputados, assim como seus inimigos e adversários, por partidos e candidatos. Mas o ano promete um processo mais propositivo e menos negativo do que o que lhes foi imposto neste mandato e, especialmente, durante o sinistro ano de 2013.