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Pela terceira vez, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) avaliou que as condicionantes antecipatórias de mitigação e compensação dos impactos socioambientais da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), não foram executadas dentro do prazo pela Norte Energia, empresa responsável pela construção da usina.
A última análise do órgão federal, disponibilizada em janeiro último, não aponta qualquer garantia de operação do saneamento básico das cidades afetadas e a responsabilidade da conexão do sistema com os domicílios ainda não foi definida. As obras de saúde e educação continuam consideradas como não atendidas pelo Ibama. E lamentavelmente as condicionantes indígenas mais uma vez ficaram excluídas das análises.
Belo Monte encontra-se numa fase crucial. O cronograma da empresa para o BNDES prevê o pedido de licença para início da operação no mês de julho deste ano. Desde o início da construção da usina, há três anos, todas as avaliações do Ibama apontam que a Norte Energia fracassou na implementação das “medidas antecipatórias”, aquelas que deveriam preparar a região para receber o empreendimento.
As conclusões estão em uma nota técnica produzida pela equipe do ISA que monitora as obrigações de responsabilidade do empreendedor e do poder público relacionadas ao empreendimento. A nota baseia-se nos pareceres técnicos do Ibama e em respostas a pedidos de informação apresentados pelo ISA aos diferentes órgãos públicos envolvidos por meio do Sistema de Informação ao Cidadão (SIC). Leia a nota técnica na íntegra
As avaliações e recomendações dos analistas ambientais do Ibama que acompanham mais detalhadamente o empreendimento foram em grande parte desconsideradas pela Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama (Dilic). Diversas recomendações de notificação ou sanção, assim como diversas avaliações de atrasos e descumprimentos de procedimentos e padrões ambientais, foram descartadas pela Dilic.
Contradições
A nota do ISA apresenta o despacho da Dilic e o ofício da presidência da autarquia encaminhadas à Norte Energia no dia 14/2. A manifestação da presidência do Ibama deixa de mencionar os atrasos e descumprimentos apontados pelos analistas ambientais que acompanham diretamente o caso.
As inadimplências relacionadas à saúde, ao saneamento básico das localidades urbanas, à não finalização do cadastro de atingidos na área urbana de Altamira e à inadequada destinação da madeira são apresentadas como irregularidades graves pelos técnicos. Mesmo assim não houve um encaminhamento de cobrança, nem sequer de notificações quanto a essas questões pela diretoria do órgão federal.
O documento apenas notifica a empresa a respeito de três pontos: quanto ao atraso no saneamento básico de três pequenas comunidades rurais da Volta Grande do Xingu; a recomposição da estrutura viária interrompida pela construção do canal e dos reservatório da usina; e a construção de duas estradas de acesso aos canteiros, bloqueadas expressamente pela licença de instalação
A nota do ISA traz um placar geral sobre a análise do Ibama a respeito do quarto relatório da Norte Energia para acompanhamento das condicionantes socioambientais do licenciamento de Belo Monte, que se constitui em um rol de 23 exigências.
Em sua última avaliação, o Ibama reconhece uma melhora em relação à situação de atendimento das condicionantes desde a análise anterior, em maio de 2013. No entanto, quando se vai além do panorama geral de atendimento das condicionantes, analisando-se separadamente condicionantes relevantes para a viabilidade socioambiental da obra, constata-se que não ocorreu a mesma evolução. Ao contrário, o descumprimento das condicionantes é reincidente desde 2011.
Para o Ibama, a Norte Energia atendeu plenamente apenas condicionantes relativas à entrega de relatórios e monitoramento de dados.
Saneamento Básico
Para garantir a qualidade da água do reservatório da usina, o Ibama exigiu entre as condicionantes da licença de instalação da obra a implementação de sistema de esgoto nas cinco cidades localizadas no seu entorno. Em Altamira, as obras começaram com dois anos de atraso. Porém, não há nenhuma previsão de ligação domiciliar do sistema de tratamento de esgoto às residências. Atualmente, todo o esgoto da região é despejado no Rio Xingu.
“A empresa estadual de saneamento já disse que não pode entrar na casa das pessoas para fazer a ligação, a Cosanpa (Companhia de Saneamento do Pará) está falida e a prefeitura não tem condições de arcar com este custo”, disse o secretário de obras de Altamira, Rainério Meireles.
O secretário defende que o custo das ligações domiciliares seja arcado pela Norte Energia, já que o compromisso no licenciamento diz respeito a “implementação intermitente”, ou seja implementação total e no prazo estabelecido. Ele afirma que prefeitura, empresa e Ibama estiveram reunidos em fevereiro para discutir a questão, mas o encontro acabou sem propostas de solução. Meireles diz estar preocupado com o cronograma de implantação. “As obras na região central ainda nem começaram. São 60 mil residências para fazer a ligação domiciliar, isso levaria pelo menos um ano”, diz. As contas do secretário não batem com o cronograma da empresa. A Norte Energia afirma que irá entregar o sistema dentro do prazo previsto, julho de 2014.
A nota técnica do ISA alerta que nas cidades de Belo Monte e Belo Monte do Pontal o saneamento foi construído, mas também não se realizou nenhuma conexão com as casas e não há qualquer previsão do início da operação.
O Ibama ressaltou que “a operação dos sistemas de esgotamento implantados depende das ligações domiciliares e das adequações sanitárias nas residências das duas localidades”. Motivo que levou o órgão a classificar a condicionante de saneamento básico como não atendida.
“As ligações residenciais devem ser tratadas da mesma forma que todo o restante do sistema de esgotamento, ou seja, como responsabilidade da Norte Energia”, afirma a advogada do ISA, Biviany Rojas.
Incerteza sobre atingidos
Parte da cidade de Altamira será alagada por conta da formação do reservatório da usina e cerca de 7 mil famílias que vivem nas margens dos igarapés ao redor da cidade serão obrigadas a abandonar suas casas. O Ibama vem verificando problemas na primeira etapa do reassentamento dessas famílias.
Os analistas do Ibama criticam a demora na conclusão do Cadastro Socioeconômico (CSE) e no acesso a informação dos cadastros por parte dos atingidos, que até dezembro do ano passado não havia sido concluído.
Apesar disso, a Norte Energia está solicitando adiantamento do prazo de demolição e limpeza das habitações nas áreas urbanas dos igarapés de Altamira para julho de 2014. A limpeza das áreas implica a expulsão imediata das famílias do local a ser inundado.
Caso o pedido de adiantamento do trabalho de limpeza das áreas urbanas que serão alagadas seja concedido pelo Ibama, sem que as etapas anteriores do processo estejam concluídas, estarão em risco a garantia do direito à liberdade de escolha pelas formas de indenização e do direito à moradia digna. Segundo o Ibama, o prazo máximo para terminar o cadastro é setembro de 2014.
“Em Belo Monte falta transparência em todo o processo, desde a fiscalização do poder público à inexistência de espaços assistidos para solução dos casos de conflito. Estes fatores fundamentais para assegurar direitos e justiça estão sendo desrespeitados”, afirma André Vilas Boas, secretário executivo do ISA.
Madeira
A forma como a madeira, proveniente do desmatamento, foi retirada para a construção da usina recebeu críticas sistemáticas do órgão fiscalizador. O Ministério Público Federal de Altamira abriu um processo de investigação depois que o Ibama declarou, em um relatório de vistoria técnica de agosto de 2013, que o canteiro de obras é um “sumidouro de madeira”.
O Ibama afirma no parecer que mais de 80% das toras de boa qualidade não foram destinadas a qualquer fim útil. Apesar disso, o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) vem comprando madeira do mercado local para as obras civis, tendo declarado, apenas até o final de 2012, a compra de quase 20 mil m³ de toras, o equivalente a várias centenas de caminhões de madeira cheios.
Desde o parecer técnico de dezembro de 2012, os analistas responsáveis vêm constatando problemas quanto à forma de estocagem e monitoramento das toras geradas e apodrecimento de madeira nos pátios.
Saúde
Toda a região mantém a mesma infraestrutura de hospitais municipais de antes do início da construção da usina, em 2011. Em Altamira, apenas o Hospital Municipal São Rafael trabalha em regime de “portas abertas”, quando recebe pacientes sem encaminhamentos para áreas específicas. Boa parte das emergências da cidade, com cerca de 140 mil habitantes, é encaminhada ao São Rafael.
A construção do Hospital Geral de Altamira é a principal compensação na área de saúde pelo inchaço populacional na cidade. A obra está atrasada e a data de conclusão foi alterada de fevereiro para junho de 2014.
O secretário de Saúde do município, Waldeci Maia, reclama que boa parte da demanda dos hospitais é para atender os trabalhadores da usina e seus agregados, estimados em 25 mil. “Eu tenho que fazer malabarismo com o orçamento de R$ 45 milhões. Metade é somente em folha de pagamento do hospital que não dá conta de atender as emergências. Eu sei que não dá conta”.
O Ibama confirma as reclamações do secretário e atribui um outro problema à sobrecarga no hospital São Rafael. O Hospital da Vila dos Trabalhadores ainda não foi concluído, apesar de ter sido previsto para setembro de 2013.
“Em vistoria, o Ibama foi informado pela diretora do Hospital São Rafael que existe grande demanda naquele hospital por parte de funcionários do CCBM”, indica o último parecer do Ibama.
Os trabalhadores do Consórcio continuam pressionando a demanda sobre o sistema público de saúde. No parecer de maio de 2013, o Ibama solicitou à Norte Energia priorizar a implantação do módulo de emergência do hospital dos trabalhadores, mas a empresa não concluiu as obras no prazo estipulado. O Hospital de Vitória do Xingu, cidade que abriga o principal canteiro de obras da usina, não tem sequer projeto executivo.
Apesar do cenário caótico, a Norte Energia afirma em relatórios ao órgão fiscalizador que a construção de 27 Unidades Básica de Saúde já seria suficiente para atender a demanda da região. O Ibama não indicou qualquer notificação ou multa pela inadimplência nas condicionantes de saúde.
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