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Feira de sementes reúne indígenas de Roraima, Xingu e Alagoas na Raposa-Serra do Sol

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O mote da III Feira de Ciências e Sementes dos Povos Indígenas de Roraima foi "A tradição da semente sustenta o povo". Realizada entre 1º e 4 de maio, na TI Raposa-Serra do Sol trouxe mais de uma centena de espécies agrícolas e frutíferasque foram expostas e trocadas
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"A tradição da semente sustenta o povo” foi o mote da III Feira de Ciências e Sementes dos Povos Indígenas de Roraima, entre 1º e 4 de maio, realizada na TI Raposa-Serra do Sol. Mais de uma centena de espécies agrícolas e frutíferas foram expostas e trocadas. Foram trazidas de oito Terras Indígenas por representantes das etnias Macuxi, Wapichana, Yanomami, Wai-Wai, de Roraima, dos Tingui-Botó, de Alagoas e dos Waurá, do Parque Indígena do Xingu (MT)Iniciativas como a terceira edição da feira de sementes de Roraima organizada pelo CIR – Conselho Indígena de Roraima, em parceria com o Inpa – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Iniciativa Wazaka’ye e a Diocese de Roraima estão se multiplicando em todo o país. São importantes para resgatar variedades que haviam desaparecido do sistema agrícola tradicional e que são indispensáveis para manter a cultura e a soberania alimentar dos povos indígenas, sobretudo em tempos de mudanças climáticas e pressão do agronegócio.

Neste ambiente de valorização da agricultura tradicional a feira se consolida como um evento permanente no calendário dos povos indígenas de Roraima. Confira as iniciativas no Parque Indígena do Xingu (MT) e no (Vale do Ribeira (SP) com comunidades quilombolas . Ambas são realização do ISA e de seus parceiros locais.

O local escolhido foi o Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa-Serra do Sol, uma antiga missão religiosa que passou ao domínio dos índios e funciona como uma escola em tempo integral, voltada para a formação em agroecologia a partir da valorização dos conhecimentos tradicionais. Foco da resistência e da luta pela terra, o prédio foi incendiado em um atentado promovido por fazendeiros em 2005 no auge dos conflitos pela homologação da Terra Indígena. Uma parte do prédio permanece em ruínas desde o incêndio, e as cicatrizes do fogo ainda são visíveis no que restou em pé.

Após 40 anos de luta pela terra o local volta a ser estratégico, desta vez para botar em prática os planos de fortalecimento da agricultura tradicional nas comunidades e também para a gestão do rebanho bovino criado nas pastagens naturais da região do Lavrado. Saiba mais a respeito consultando a publicação Diversidade Socioambiental de Roraima.

O ponto alto do intercâmbio foi a participação de representantes da Rede de Sementes do Xingu, que envolve povos indígenas, agricultores familiares e coletores urbanos em mais de 20 municípios do Estado do Mato Grosso. O trabalho da rede é uma das iniciativas mais duradouras e bem sucedidas do país e tem contribuído para a recuperação das nascentes e matas ciliares no entorno do Parque Indígena do Xingu. O intercâmbio se fortaleceu com a visita do povo Yanomami da região do Ajarani, que vive um momento de valorização das roças e participou pela primeira vez de um evento de troca de sementes, e também do povo indígena Tingui-Botó, de Alagoas, representando a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).


Agricultura é prioridade no resgate da diversidade

A agricultura vem se tornando um tema prioritário no trabalho da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e do ISA junto às comunidades da região do Ajarani, pois, nos últimos anos, tem se observado uma importante perda na diversidade e na produtividade dos roçados da região. Resultado tanto do processo de sedentarização forçada, induzido pelos serviços do Estado (saúde, educação, benefícios sociais etc.), quanto da desestruturação social provocada pela abertura da Perimetral Norte, que promoveu uma grande baixa demográfica na região, e a morte da maioria dos velhos desse grupo (saiba mais).

De modo geral, a agricultura yanomami é bastante sofisticada e de alta produtividade, e depende fundamentalmente da mudança dos sítios agrícolas a cada cinco anos, pelo menos. Assim, a perda de mobilidade territorial induzida pela rigidez dos sistemas de saúde e educação, tem impactado negativamente na produção agrícola, levando muitos dos sítios agrícolas a quase exaustão e ao aumento da dependência de alimentos vindos da cidade.

No que diz respeito à diversidade, estudos dão conta de que nos roçados Yanomami são cultivadas em média uma centena de variedades de aproximadamente 40 espécies vegetais (Para se ter uma ideia, somente nas roças da comunidade Watorikɨ foram identificadas 12 variedades de banana, sete de mandioca, cinco de batata-doce, quatro de pupunha, duas de cará, duas de taioba, duas de milho e duas de cana-de-açúcar. Já nas comunidades do Ajarani a situação atual é diferente. Devido às perdas na transmissão de conhecimentos entre as gerações e ao impacto econômico da Perimetral Norte, um levantamento realizado este ano identificou apenas 20 variedades de cultivares, sendo poucos os roçados que apresentam mais de três culturas, a grande maioria possui apenas mandioca, macaxeira e banana, e um ou outro possuem, de maneira dispersa, batata-doce, feijão, milho ou jerimum.

A participação dos Yawaripë, grupo yanomami da região do Ajarani, na feira de sementes, foi importante para estimular a reflexão sobre a relevância da agrobiodiversidade e dos saberes relacionados à agricultura e, da mesma forma, para incrementar, por meio da troca de sementes e mudas com outros povos, a diversidade de suas roças. Ao final da feira os Yanomami puderam voltar para as suas comunidades com 12 tipos diferentes de maniva, três tipos de milho, dois tipos de batata, cará e uma grande variedade de outras sementes.

Dias antes da feira, os Yanomami participaram também de um intercâmbio na comunidade Guariba, TI Araçá, dos povos Macuxi e Wapichana. Na oportunidade a comitiva yanomami e alguns moradores e lideranças do Guariba, puderam trocar experiências e saberes sobre práticas agrícolas e o manejo de roças no Lavrado e na Floresta, discutindo os aspectos comuns e as principais diferenças. A viagem foi também uma visita de cortesia já que a comunidade Guariba doou, em março desse ano, cerca de 30 litros de sementes de milho criolo para o Ajarani.

Xinguanos levam sua experiência aos parentes da Raposa-Serra do Sol

A participação dos coletores indígenas do Parque Indígena do Xingu (PIX) na feira de Roraima foi bastante produtiva. O coletor Akari Waurá da aldeia Piyulaga, no Alto Xingu, e Dannyel Sá, do ISA, apresentaram aos anfitriões o trabalho dos povos do PIX e de todos os envolvidos - instituições parceiras e proprietários rurais no entorno da Terra Indígena - na proteção das cabeceiras do Rio Xingu no Mato Grosso no âmbito da Campanha Y Ikatu Xingu, envolvendo diretamente o trabalho realizado pela Rede de Sementes do Xingu.

Akari Waurá falou sobre a importância da comercialização de sementes florestais para a sua comunidade, da participação em um evento que reúne outros povos indígenas, da oportunidade de conhecer a realidade de outra região e das roças. “A coleta de sementes é muito importante pra gente porque a comunidade está querendo comprar alguma coisa e é importante para plantar na cabeceira do Rio Xingu. A minha comunidade acha muito importante esse trabalho da Rede de Sementes do Xingu, principalmente a mulherada gosta muito. Como eu estou trabalhando como professor, eu vim representar minha comunidade, aumentar a minha experiência para trabalhar com semente”, disse.

Ele ressaltou que assim que chegou à Raposa, começou a aprender com os parentes a fazer manejo da floresta. “Gostei muito do trabalho que foi feito na feira. De ver a área de Lavrado onde os parentes plantam cobrindo a terra com folhas pra não perder a terra e pra fazer experiência perto da aldeia Piyulaga, por exemplo. Quando eu chegar na minha casa, eu vou contar direitinho pra gente trabalhar em cima disso, vou fazer plantio na minha aldeia pra testar se dá pra aproveitar o cerrado pra plantar comida e reflorestar com pequi, jatobá, copaíba e ipê no entorno da aldeia onde tem sapé, pra gente aproveitar como remédio depois que crescer porque a gente precisa essas coisas”.

Durante a feira, os xinguanos acompanharam de perto como as comunidades da Raposa-Serra do Sol promovem a participação dos estudantes na produção de alimento nas roças, fortalecendo as comunidades e as escolas. O trabalho desenvolvido em conjunto entre as escolas e as comunidades para produção agroflorestal estimulou os Waurá a adaptar alternativas técnicas nos plantios na aldeia Piyulaga, difundindo os conhecimentos adquiridos por Akari durante o intercâmbio.

Na troca de sementes, o coletor xinguano compartilhou suas manivas de mandioca com os Yanomami da região do Ajarani e atraiu a atenção dos presentes com a diversidade e beleza de cerâmicas e colares confeccionados por seu povo. Akari voltou para o Xingu com sementes de três tipos de feijão, urucum, cinco variedades de milho, abóbora, melancia, cabaça e muitas variedades de mandioca. (saiba mais).

O diálogo dos xinguanos com os povos indígenas da Raposa-Serra do Sol e das outras TIs de Roraima contribuiu para a manutenção da cultura tradicional transmitida entre as gerações.

Saiba mais sobre a história do povo Waurá.

ISA
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