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A primeira Semana do Extrativismo promovida pelo ISA e pelas associações de moradores das três Reservas Extrativistas (Resex)da Terra do Meio (Amora- Riozinho do Anfrísio, Amorex- Xingu e Amoreri- Iriri), de 5 a 7 de maio, teve como tema central os multiprodutos da floresta nesta região e os contratos diferenciados de comercialização para cada um deles, aí incluídos borracha, castanha, óleos de babaçu, andiroba, copaíba, farinhas, frutas e sementes florestais. Além dos extrativistas, também participaram do evento representantes do Sebrae, Fundação Rainforest da Noruega, Imaflora, um consultor do BNDES para o Programa de Desenvolvimento Regional sustentável do Xingu (PDRSX), Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) e das empresas Mercur, Natura e Cacauway.
Durante três dias, os participantes avaliaram o trabalho que vem sendo desenvolvido na região há seis anos e debateram propostas de desenvolvimento de tecnologias, arranjos produtivos, politicas públicas e estratégias de comercialização de produtos da floresta.
Jorge Hoelzel, um dos sócios da empresa Mercur, que compra borracha natural das três Resex, anunciou a renovação de contrato e reajuste de preços por mais três anos. O ajuste se deu com base nos custos de produção e logística praticados na região – algumas comunidades distam cerca de 500 km, por rio, do centro urbano mais próximo. Com isso, o reajuste ficou cerca de 300% acima do valor de mercado da borracha. A notícia animou mais extrativistas a retomar áreas de extração que estavam paradas por falta de incentivos.
“Além da borracha, há outras centenas de produtos nas florestas, de conhecimento das populações tradicionais, que não chegam aos mercados por falta de políticas adequadas de comercialização e distribuição e de incentivo tanto para produtores quanto para potenciais compradores”, avalia Marcelo Salazar, coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA, que trabalha com os extrativistas da Terra do Meio.
O primeiro passo foi a borracha
A retomada da produção de borracha natural na Terra do Meio estava na lista de prioridades das famílias extrativistas desde a criação das Reservas entre 2004 e 2008. Há seis anos, o ISA, em parceria com o Imaflora, a FVPP, e o ICMBio buscam parceiros que acreditam ser possível melhorar a qualidade de vida e a renda das comunidades tradicionais que vivem nessa região, a partir da promoção de multiprodutos, comercializados a partir de contratos diferenciados, que respeitem e valorizem os serviços socioambientais prestados pelas comunidades que vivem na floresta.
A Mercur acreditou nesta ideia há quatro anos e hoje reconhece o valor do modo de vida, da cultura desses povos tradicionais e da floresta em pé e pratica por isso um valor diferenciado para a borracha da região e investe no desenvolvimento de modelos de negócios e tecnologias que respeitem a tradição local e forneçam um tipo de borracha de alta qualidade com as características de que a empresa necessita.
À borracha veio se juntar uma cesta de produtos não madeireiros comercializados e consumidos nas Resex da Terra do Meio que aumenta a cada ano. Castanha, óleos de babaçu, andiroba, copaíba, farinhas, frutas e sementes fazem parte da rotina de produção das famílias na busca de consolidar uma economia diversificada, baseada na diversidade socioambiental da região.
Embora as dificuldades logísticas sejam muitas, já que uma viagem até Altamira na época da seca pode levar até 20 dias, a criação de “cantinas”, pequenos pontos de comercialização nas Resex, tem mudado para melhor a vida dos extrativistas.
Para se ter uma ideia, a borracha e a castanha eram vendidas em grande escala para os regatões (barcos que passam pelos rios vendendo produtos como roupas, alimentos, medicamentos etc e trocando-os por produtos das roças e da floresta) ou patrões, numa prática comercial de preços baixos para a produção e altos para as mercadorias vendidas aos extrativistas. Além disso, grande parte dessa comercialização era baseada numa cadeia de créditos e dívidas onde o extrativista muitas vezes não recebia pela produção a vista e em dinheiro.
As “cantinas” são mais uma opção de comercialização para os extrativistas e sua função é levar recursos, o capital de giro, para dentro das comunidades. As “cantinas” funcionam assim: as associações comunitárias obtém recursos a partir de projetos e doações e repassam a “cantineiros” escolhidos pelas comunidades. Esses “cantineiros’ utilizam os recursos recebidos para comprar os produtos extraídos da floresta das próprias comunidades e também para adquirir produtos industrializados a serem trocados com a produção dos extrativistas. As “cantinas” também vendem alguns alimentos a preço tabelado. Garantem, assim, que o extrativista receba em sua localidade por sua produção, no momento da entrega de seu produto, e compre mercadorias a preços estipulados coletivamente.
Mais do que vantagens na comercialização, as “cantinas” e o capital de giro significam independência e autonomia para as comunidades ao realizar a gestão de seus recursos coletivamente. Pedro Pereira, o primeiro cantineiro da região, iniciou o trabalho na Resex Riozinho do Anfrísio com a gestão de um fundo para compra de copaíba, para atender a um contrato com a Firmenish, empresa de perfumaria de origem Suíça, com fábrica no Brasil. Ele organiza a compra e a logística dos alimentos na cidade, gerencia e presta contas à comunidade. Além da copaíba, trabalha também com castanha, sementes florestais e borracha. “O capital de giro mudou a vida dos extrativistas, significa comida e dinheiro na hora”, diz Pedro.
Outros produtos ganham incentivo
Os produtos provenientes de comunidades como as Resex da Terra do Meio são uma indiscutível tendência de mercado. Assim, uma parceria iniciada em 2013 entre a fábrica de chocolates Cacauway e os extrativistas permitiu que a empresa fabricasse bombons utilizando o cacau e as castanhas das Resex.
“Há interesse da Cacauway em criar uma linha de produtos das Resex com identificação de origem”, afirma, Hélia Felix, a vice-presidente da Cooperativa de Agricultores Familiares (Coopatrans), situada no município de Medicilândia próximo à Altamira e que produz os bombons para a empresa.
Já a Natura, empresa de cosméticos brasileira, anunciou estar avaliando a possibilidade de adquirir oleaginosos das Resex e aproveitou para informar seu interesse pelo óleo de semente de Ucuúba ainda para 2014. Para 2015 há possibilidades de contratos com outros óleos como castanha, babaçu e andiroba a serem usados na fábrica de Benevides, próximo a Belém. Dessa forma, a produção da Terra do Meio caminha para a potencialização do modo de vida extrativista, com manejo de um conjunto variado de produtos extraídos da floresta de forma sustentável para uma comercialização diferenciada.
Ao final do encontro foi elaborado o manifesto da I Semana do Extrativismo da Terra do Meio, documento que contém um conjunto de reivindicações indicadoras de um programa de desenvolvimento para a região, baseado na riqueza socioambiental e na floresta em pé. O documento manifesto será entregue ao governador do Pará, Simão Jatene. Nele, os participantes pedem, por exemplo, a redução da pauta da borracha para R$ 2,00. Hoje a pauta está fixada em R$ 6,00 pelo governo estadual, sobre a qual incide o ICMS, de 12%, onerando o custo do produto vendido para empresas de fora do Pará. O manifesto defende ainda a criação de uma lei estadual de subvenção para produtos extrativistas, mas vai muito além disso defendendo que o Estado reconheça e aproveite o potencial da diversidade socioambiental da região e implemente políticas públicas e ações adequadas para o desenvolvimento de uma economia da floresta em pé (leia o texto na íntegra).
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