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Yeba Masã inauguram maloca em São Felipe, no alto igarapé Castanha, noroeste amazônico

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Renato Martelli Soares

Entre 18 e 20 de setembro a comunidade de São Felipe organizou evento que reuniu conhecedores, lideranças, professores e organizações parceiras para inaugurar sua maloca, a casa de saber. Ocasião para discutir o fortalecimento dos conhecimentos locais, os projetos de futuro e temas como identidade cultural e educação escolar indígena. Também para dançar, apresentar músicas, adornos e instrumentos. Estavam presentes representantes das etnias Yeba Masã, Tukano, Tuyuka, Desana, Barassana, Yuhupdah, Makuna e Baniwa. Participaram as comunidades de Guadalupe, Puerto Amazonas, Morro de Acutiwaia, Morro do Beija-Flor, São Pedro, Trovão, Santa Rosa, São José II e Caruru Cachoeira.

Localizada nas cabeceiras do igarapé Castanha, cujo tamanho e sinuosidade só permitem pequenas embarcações e exigem constantes trabalhos de abertura de caminhos, seu acesso se dá por trilhas ou pelo próprio igarapé. Distante do centro urbano ou de comunidades maiores do município de São Gabriel da Cachoeira (AM), São Felipe sente a ausência de instituições oficialmente responsáveis por serviços básicos de saúde e educação. Nas melhores condições, são necessários três dias de viagem desde o centro urbano até São Felipe.

Apesar disso, existem importantes pontos de referência mais próximos da comunidade como as escolas indígenas Tukano Yupuri e Tuyuka Utapinopona, baseadas em um programa de educação escolar indígena próprio. O ensino nessas escolas valoriza conhecimentos indígenas em seus currículos, reaproximando crianças a velhos conhecedores, fortalece as línguas indígenas por meio de alfabetização e produção de livros didáticos e literatura e estimula o ensino via pesquisa. Sem opor essas atividades às ciências ocidentais. Saiba mais em:
(http://issuu.com/instituto-socioambiental/docs/educacao_indigena_rn_web).

Os coordenadores de ambas escolas participaram do evento e se comprometeram a apoiar e acompanhar a escola de São Felipe. Fundada há três anos para atender estudantes de 1ª a 5ª série, não tem local apropriado para seu funcionamento. Por isso, a comunidade elaborou um projeto já submetido à Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira para garantir que seja construída uma escola com biblioteca, acervo, sala de reuniões e sala de aula.

Durante o evento, os moradores de São Felipe relataram que se articularam com comunidades vizinhas (São Pedro, Guadalupe e Morro de Acutiwaia) para estabelecer a escola própria e construir a maloca agora inaugurada. Antes da escola em São Felipe , a mais próxima ficava a três horas de viagem pelo igarapé Castanha. Os participantes do evento decidiram que o nome da escola deveria refletir a história e cultura Yeba Masã e, após rodadas de sugestões, a escola foi nomeada “Liasotirawi Kuitu”. A palavra Liasotirawi designa um local de ensinamento e Kuitu é o nome tradicional de um dos fundadores e grande liderança da comunidade.

A iniciativa de valorização cultural iniciada em 2008 pela comunidade e seus vizinhos ganhou o prêmio “Culturas indígenas Raoni Metuktire”, de 2013, concedido pelo Ministério da Cultura. A iniciativa fora denominada “Valorização e fortalecimento da identidade cultural dos povos Yeba Masã”. O evento foi uma oportunidade para que fossem planejadas as próximas ações com os recursos do prêmio e para que seus responsáveis prestassem contas do que já havia sido feito.
Na maloca, que tem 12 metros de comprimento por 8 de largura, foi elaborado e apresentado um mapa do território de ocupação tradicional da região, que ultrapassa as fronteiras nacionais entre Brasil e Colômbia. O mapa partiu dos trabalhos de manejo que os povos da região realizam, sempre guiados pelos conhecedores, por calendários próprios e onde estão sítios sagrados essenciais.

Da concepção à construção da maloca foram consultados kumua (conhecedores) para que fosse erguida em local onde os Yeba Masã, também chamados de Makuna, pudessem fortalecer seu modo de ser. Cada palha e madeira usadas na construção envolveram benzimentos que compreendem negociações com seus donos. O caranã, por exemplo, palha de que é feito o teto, tem seu dono, seu guardião que deve ser consultado como parte essencial de seu manejo. Quem trabalhou na construção seguiu regras e teve treinamentos para que a maloca se constitua em um espaço protegido para lidar com saberes.

Para os Yeba Masã, a maloca é um espaço seguro para trazer frutas da floresta, peixes e caças que serão devidamente negociados com seus guardiões e que não trarão doenças. Mas, para que as potencialidades dos conhecimentos se transformem em ações efetivas, a maloca deve passar por cuidados e preparos. Por ser recém-construída, está ainda em fase de iniciação e os participantes devem estar atentos com sua conduta e alimentação. Comida não indígena deve ser consumida fora da maloca. Um dos kumua explicou que os esteios da maloca são observatórios do mundo e que em uma maloca já iniciada, mundo e maloca se tornam um só.

A inauguração teve, portanto, o objetivo de contribuir para esta fase de iniciação da maloca e para que visitantes pudessem mostrar seus conhecimentos, suas danças e cantos. O encerramento do evento foi marcado por uma festa com danças como a do japu e do jabuti e por diferentes instrumentos musicais como flautas, maracás e chocalhos. A maloca amanheceu em festa.

Clique aqui para ler o documento elaborado no encontro e a lista de participantes
Abaixo, o trecho inicial do documento, escrito à mão.


Saiba mais sobre os Yeba-Masã (Makuna)

Leia o texto Ecosofia Makuna, de Kaj Arhem