Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Confira o artigo de Márcio Santilli sobre a taxa de desmatamento na Amazônia, divulgada pelo governo nesta semana, e suas implicações nas políticas e negociações climáticas
A divulgação pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de uma redução de 18% na taxa de desmatamento na Amazônia contesta a expectativa de que poderia ter ocorrido uma nova alta, após os 29% de aumento apurados entre 2012 e 2013. O Projeto de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia por Satélite (Prodes) registrou a derrubada de 4.884 quilômetros quadrados de florestas, entre agosto de 2013 e julho de 2014. No período anterior, entre agosto de 2012 a julho de 2013, haviam sido desmatados 5.891 quilômetros quadrados.
O Prodes é o sistema mais adequado para estimar os índices anuais e a extensão provavelmente desmatada. Neste ano, seu resultado foi bem melhor do que o projetado pelo Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), que indicava a possibilidade de um aumento de 9% na comparação com as ocorrências registradas no mesmo período. O Prodes calcula a taxa oficial do desmatamento na Amazônia e ainda fará, até meados do próximo ano, uma revisão minuciosa dos dados para confirmar, em definitivo, a redução agora divulgada. O Deter tem resolução menor, produz informações mensalmente e serve para orientar a fiscalização em campo.
Ainda será preciso verificar o que significam os dados do Deter, também divulgados pelo Inpe há uma semana, apontando um aumento de 122% no desmatamento detectado entre agosto e setembro de 2014, em comparação com os mesmos meses de 2013. Este aumento só se refletirá na próxima taxa anual (agosto de 2014 a julho de 2015) a ser apurada pelo Prodes.
Embora não se possa comemorar a supressão de floresta amazônica registrada agora, a redução de 18% é um grande alívio por não confirmar uma tendência contínua de aumento das emissões brasileiras de gases estufa decorrentes do desmatamento, como vem ocorrendo com as emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis. Dada a grande participação das emissões florestais na composição das emissões brasileiras, o aumento de 7,8% nas emissões totais do país em 2013, divulgado pelo Observatório do Clima na semana passada, também poderá arrefecer em 2014 (saiba mais).
Mesmo que os recentes dados negativos do Deter corroborem uma nova oscilação – agora para cima – das emissões florestais, vai ficando ainda mais claro que o país pode e deve aprofundar as medidas de combate ao desmatamento em todo território nacional, o que será essencial para poder definir e implementar uma estratégia de maior fôlego para reverter o expressivo aumento das emissões por queima de combustíveis fósseis fomentado pelo uso intensivo de usinas termoelétricas e pelo aumento da frota de veículos.
Vem em boa hora a indicação de que o desmatamento oscila, mas sem descrever uma tendência contínua de alta e sem ensejar um descontrole total das emissões brasileiras, pois se aproximam os momentos decisivos das negociações no âmbito da ONU para se chegar, até o final de 2015, a um acordo internacional para a redução das emissões globais de gases estufa.
O Brasil, que já foi um protagonista importante nessas negociações em 2009, ao assumir uma meta de redução de 36% e 39% das suas emissões em relação aos níveis projetados para 2020, vem adotando uma discreta postura defensiva no estágio atual, quando se avalia serem muito melhores, agora, as chances de se alcançar um acordo. Se o recuo for devido ao temor do Itamarati de que uma tendência de alta contínua das emissões possa inviabilizar o cumprimento de metas de redução, o anúncio dos dados do Prodes deveria tranquilizar, pois repõe o Brasil na direção do cumprimento da meta já assumida para 2020 e em condições de aprofundar esse compromisso para a década seguinte no âmbito daquelas negociações.
A boa nova trazida pelo Inpe também ocorre de forma concomitante ao anúncio de um acordo entre os EUA e a China, pelo qual os primeiros se comprometem a aumentar para 28%, em 2025, a redução de suas emissões de 17% anteriormente assumida para 2020, enquanto a China aumentará ainda mais os investimentos em energias limpas e iniciará a redução total das suas emissões, no mais tardar, em 2030. No mesmo rumo, a União Europeia também aumentou a sua aposta, assumindo a meta de 40% de redução das suas emissões até 2030.
O agravamento das condições do clima em todo o mundo também ocorre no Brasil. Da enchente inédita no Rio Madeira, afetando duramente as populações do Acre, Rondônia e do sul do Amazonas, à seca aguda que ameaça São Paulo e outras regiões do sudeste, os sinais estão por todos os lados nos mostrando que não estamos fora do mundo e que já estamos pagando um preço incalculável pela mudança do clima.
Como se as melhores condições em que ocorrem as negociações não bastassem, é o povo brasileiro que precisa de uma posição mais afirmativa da nossa diplomacia para que o enfrentamento à mudança do clima se faça com mais urgência e consequência. A diplomacia não deve ficar refém do receio que outras áreas do governo, responsáveis pelo controle do desmatamento, não sejam capazes de fazer a sua parte para honrar compromissos que venham a ser internacionalmente assumidos. A gravidade da situação climática exigirá que a sociedade aprenda a expressar, ainda que de forma dramática, os seus anseios e necessidades a respeito dela diante de qualquer governo.
Recorrendo, evidentemente, aos melhores subsídios técnicos e científicos, o Brasil precisa assumir uma meta clara para reduzir as suas emissões nos anos seguintes a 2020, além de reclamar o devido reconhecimento internacional de reduções efetivadas entre 2006 e 2012 que, apesar das oscilações mais recentes, sustentam o cumprimento da meta já adotada.