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No dia 1º de agosto, o Congresso Nacional retomou suas atividades, após duas semanas de recesso. Marcada pela movimentação em torno de propostas parlamentares que ameaçam os direitos indígenas e de populações tradicionais, a atuação da bancada ruralista segue em várias e diferentes frentes.
A aposta na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00 e no Projeto de Lei (PLP) 227/12, que querem mexer diretamente no capítulo indígena da Constituição, agora é acompanhada pela estratégia de alterar outras partes da Carta Magna – mas que podem impactar igualmente as demarcações de Terras Indígenas (TIs) e o usufruto exclusivo desses povos sobre suas terras. Esses projetos são parte de uma grande frente de ataque aos direitos socioambientais que poderão ser usados, separadamente, de acordo com o momento e a conveniência de seus patrocinadores – de modo a disfarçar seus verdadeiros objetivos.
Líderes do Senado anunciaram esta semana um conjunto de propostas denominado “Agenda Brasil”, supostamente destinado a retomar o crescimento econômico e que, entre outros pontos, inclui a flexibilização da legislação para simplificar o licenciamento ambiental e “compatibilizar” as TIs às atividades produtivas. Ainda não se conhecem os detalhes dessas propostas, mas não será surpresa se elas se traduzirem no avanço da tramitação de projetos no Congresso ou na apresentação de novas medidas que prejudiquem o meio ambiente e os direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais. O ISA, redes e organizações da sociedade civil já se manifestaram contra esse conjunto de propostas que, sob pretexto de debelar a crise econômica e política, pode comprometer o meio ambiente e populações vulneráveis no campo e na cidade.
Povos indígenas em vários estados têm se mobilizado contra essas ameaças. Na última segunda (10/8), mais de 2000 indígenas marcharam pelas ruas de Boa Vista (RR) em protesto. As manifestações em Roraima, que reúnem organizações como o Conselho Indígena de Roraima (CIR), a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o ISA, continuarão por quatro dias (leia o manifesto). Em São Paulo, acontece nessa sexta-feira (14/8) um ato denunciando os ataques do Estado brasileiro aos direitos dos povos indígenas. Ele faz parte da Mobilização Nacional Indígena e começará às 16h30, no Vão Livre do Masp (saiba mais).
O ISA chama a atenção a essas ameaças às áreas protegidas e às populações indígenas e tradicionais, fundamentais à conservação da biodiversidade, ao equilíbrio climático e à manutenção de nossos mananciais. Isso afeta toda a sociedade e devemos nos mobilizar contra esses retrocessos!
Entenda:
PEC das indenizações
A PEC 71/2011 estava paralisada, mas voltou à pauta do Senado no final do primeiro semestre e pode ser votada pela casa a qualquer momento. Pouco conhecida e debatida pela sociedade civil, a proposta quer instituir indenizações aos proprietários de títulos de “boa-fé” que incidam sobre TIs. Hoje, a Constituição prevê a indenização por benfeitorias, mas não pela terra nua.
Apesar de não enfocar diretamente os direitos indígenas, mas o de proprietários rurais, a PEC 71/2011 pretende alterar o artigo 231 da Constituição. Caso o texto seja aprovado como está, ele pode alimentar uma indústria de indenizações e paralisar os processos de demarcação de TIs. Isso porque prevê que as indenizações sejam feitas em dinheiro – e não por meio de Títulos da Dívida Agrária, por exemplo. Assim, os proprietários dos títulos teriam o direito de ficar na terra até receberem suas indenizações. Como as quantias são muito altas, o governo também teria dificuldades em pagar.
Além disso, a PEC 71/2000 traz a sugestão de acrescentar um artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), definindo que as demarcações de terras que tenham sido concluídas cinco anos depois da promulgação da Constituição de 1988 também seriam passíveis de indenização. Isso permitiria a aplicação retroativa do direito de indenização por terra nua a partir de 1993, ou seja, de 22 anos, tornando a conta também impagável pelo governo.
A PEC 71/2011 voltou à pauta do Senado após a divulgação, entre maio de junho deste ano, de um manifesto em que 48 senadores manifestaram sua contrariedade à PEC 215/2000 – que tramita na Câmara e, até então, o principal foco de atuação dos ruralistas (leia a análise de Márcio Santilli, do ISA, sobre a PEC 71/2011)
PEC anti-demarcações
A PEC 215/2000 enfrenta forte oposição do movimento indígena e de seus aliados. Ela objetiva transferir do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar TIs, criar Unidades de Conservação e reconhecer Territórios de Quilombolas. Caso seja aprovada, a PEC 215 pode significar a paralisação total dos processos de demarcação de TIs no país.
Com a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara no início deste ano, a PEC foi desarquivada e outra comissão especial foi composta para analisá-la, com total domínio ruralista: eles ocupam mais de 60% das cadeiras, além da presidência e relatoria. A votação da proposta pode acontecer ainda neste mês ou ser engavetada, a depender do andamento de outras proposições. O projeto já é alvo de um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal que pode suspender a tramitação da proposta, sob a alegação de que é inconstitucional.
PL desenvolvimentista
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 227/2012, que tramita na Câmara, quer definir o que são bens de “relevante interesse público da União” em casos de demarcação de TIs, alterando o parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição. Caso seja aprovada, essa modificação no direito de usufruto exclusivo dos povos indígenas sobre suas terras permitirá a exclusão de cidades, fazendas, hidrelétricas e outros empreendimentos de grande impacto das áreas das TIs, desfigurando seu território. O projeto permanece em estado de dormência desde que foi apensado a outro PLP, oriundo do Senado. Assim como a PEC 215/00, o PLP 227 é inconstitucional.
PL da Mineração em TIs
O PLS 1610/1996 regulamenta a pesquisa e lavra de recursos minerais em TIs. Tendo sido arquivado a pedido do próprio autor, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), no final da legislatura passada, o PL também retornou à pauta da Câmara em 2015, desarquivado por Eduardo Cunha, que constituiu uma comissão especial para analisá-lo. O relator da matéria, Édio Lopes (PMDB-RR), já manifestou a intenção de apresentar um texto substitutivo ao projeto original, que, caso seja aprovado, levaria a proposta de volta ao Senado.
Apesar de estar prevista na Constituição, a mineração em TIs não foi regulamentada até hoje por ser um tema controverso. O texto atual ignora o direito de consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas – assegurado pela Convenção 169 da OIT – e outras salvaguardas socioambientais importantes. Caso seja aprovado, o PL legalizará a exploração minerária em TIs sem ouvir os principais afetados: os índios.
Leia entrevista com o deputado Édio Lopes (PMDB/RR): Relator de mineração em TI vai reapresentar parecer e diz que consulta já foi feita
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