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Enquanto mundo aumenta aposta nas energias renováveis alternativas, Brasil suja matriz elétrica

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Metas de redução de emissões do setor energético colocam o aumento de energias renováveis e a eficiência energética como alguns dos principais objetivos para o Conferência de Paris
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A tendência dos países de expandirem, nos últimos anos, o uso de energias renováveis, principalmente para a produção de eletricidade, foi um dos fatores que contribuiu pela primeira vez, em 2014, para o chamado “desacoplamento”, ou seja, a estabilização das emissões globais de gases de efeito estufa em meio a um período de crescimento econômico mundial, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE) (leia aqui).

Enquanto isso, projeções e dados recentes apontam que as emissões brasileiras da área de energia crescem, principalmente com base em combustíveis fósseis. As informações indicam que o Brasil não vem aproveitando seu grande potencial de fontes de energia alternativas, em especial de energia eólica e solar, e ensaia andar na contramão do cenário mundial.

Na produção de eletricidade, hoje o Brasil projeta-se internacionalmente como um país com uma matriz essencialmente limpa, pois cerca de 73% da produção vem de energias consideradas renováveis, principalmente hidroeletricidade, enquanto União Europeia tem 30%, China 22,9% e os Estados Unidos possuem apenas 13,7% de renováveis no total.

Porém, a crise hídrica e as decisões de política energética têm levado a um aumento do uso de usinas termoelétricas movidas a gás, óleo diesel e carvão no Brasil. A falta de chuvas para abastecer as hidrelétricas, em 2014, fez o país aumentar seu consumo de energia proveniente de termelétricas para 30,1% do total. Em 2011, esse percentual era de 4,5% (saiba mais). Consequentemente, o uso dessa fonte, que também é a mais poluente, aumentou o custo e as tarifas de energia.

Também não se deve esquecer que a construção de grandes hidrelétricas causa polêmica devido aos seus grandes impactos socioambientais, sobretudo na Amazônia, onde provocam desmatamento e colocam em risco as condições de vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais, como no caso de Belo Monte (saiba mais). Essas usinas também provocam perdas de energia por causa das grandes distâncias até os centros de consumo.

Um levantamento divulgado nesta semana pelo Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil da qual o ISA é parte, mostra que as emissões de gases estufa da área energética no Brasil – incluindo produção e consumo de combustíveis e energia elétrica – aumentaram 34% nos últimos cinco anos. Entre 1970 e 2013, o setor quadruplicou suas emissões, totalizando 29% das emissões brasileiras em 2013, sendo a segunda fonte de emissões do país, depois do desmatamento.

“O resultado é preocupante: embora o Brasil ainda tenha chance de cumprir a meta proposta em 2009 (de reduzir suas emissões em 2020 em relação à tendência), tudo indica que daqui a cinco anos essa trajetória será ascendente. Isto é: o país estará na contramão da recomendação da ciência de declínio das emissões para evitar os piores efeitos do aquecimento global. Caso o desmatamento na Amazônia saia do controle, nem a meta de 2009 será cumprida”, alerta o Observatório, em nota.

“O desmatamento zero é imprescindível, mas insuficiente para recolocar o Brasil no rumo da redução de suas emissões que o momento exige”, analisa Márcio Santilli, sócio fundador do ISA. “Embora necessária, a redução do desmatamento não pode servir como uma cortina de fumaça para encobrir o aumento contínuo das emissões dos setores de energia e agropecuária”, conclui.

As escolhas de política energética para os próximos anos tampouco priorizam as energias renováveis alternativas no Brasil. Os resultados preliminares de um estudo realizado por Oswaldo Lucon, do Instituto de Energia e Ambiente da USP, e encomendado pelo World Resources Institute (WRI) mostram que 78% dos investimentos brasileiros em energia, até 2023, serão em combustíveis fósseis, segundo o Plano Decenal de Energia.

Atualmente, o Brasil está no final da lista dos grandes países quanto à produção de eletricidade de origem eólica e solar, com 2% do total, enquanto a União Europeia tem 11%, os EUA 5,4% e a China 3%. Isso não significa que o Brasil tenha fechado as portas para as energias renováveis alternativas. Em 2014, um grande leilão em energia solar conseguiu preços mais baixos do que o esperado e o plano energético brasileiro promete aumentar a energia solar de maneira significativa, para até 3,5 GW até 2023.

Mas estudos apontam que o Brasil poderia dobrar esse número se investisse ao ritmo dos países que estão à sua frente. Segundo o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, só com o vento o país poderia atingir um potencial de 143 GW de capacidade instalada – mais do que toda a capacidade instalada no país hoje (veja aqui).

Mudanças no cenário mundial

Em 2014, o mundo atingiu cerca de 657 gigawatt (GW) de capacidade instalada de energias renováveis alternativas para a produção de eletricidade (excluída a hidroeletricidade), sendo que, em 2013, havia 560 GW e, dez anos atrás, em 2004, 85 GW. As informações são do Relatório de Status Global (GSR, em inglês), lançado, em junho, pela Rede de Política Energética Renovável para o Século XXI (REN21).

Foram investidos US$ 270,2 bilhões em 2014 nessas energias em todo planeta, 17% a mais que em 2013. Quase metade desses investimentos aconteceu em países em desenvolvimento. A China, com US$ 83,3 bilhões, liderou o ranking, seguida da União Europeia, com US$ 57,5 bilhões, e EUA, com US$ 38,3 bilhões. Já o Brasil investiu US$ 7,6 bilhões (leia mais).

“A mudança em relação às energias renováveis tem sido bastante significativa, tanto em termos da melhoria de seu conhecimento, quanto de sua acessibilidade econômica” avalia Tasneem Essop, liderança sul-africana da Iniciativa Global de Energia e Clima do WWF.

“O custo da energia solar fotovoltaica diminuiu em dois terços entre o final de 2009 e 2013: a velocidade da mudança é comparável à observada na revolução de tecnologias da informação”, afirmou a Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA, na sigla em inglês), no seu último relatório. Em 19 grandes regiões do mundo, a energia fotovoltaica atingiu a paridade de rede, ou seja, os preços da eletricidade sem subsídios tornaram-se competitivos em relação às fontes concorrentes.

No entanto, o relatório GSR mostra que ainda há muito a ser feito para reduzir as emissões do setor energético (eletricidade, transporte, indústrias etc.). Os investimentos em geração fóssil, em 2014, representaram US$ 300 bilhões em todo o mundo. A parcela de energias renováveis alternativas no consumo energético global, no ano passado, foi de 10,1%, enquanto o consumo de energias fósseis atingiu 78,3%.

“Qualquer acordo climático alcançado na COP-21 deve ter o setor energético no seu centro ou correrá o risco de ser julgado como um fracasso”, afirmou o economista chefe da AIE, Fatih Birol, referindo-se à Conferência do Clima que ocorrerá em Paris, em dezembro (leia aqui).

Metas do setor energético em 2015

Além da União Europeia, países como China, Estados Unidos e Brasil, que estão entre os principais emissores de gases de efeito estufa, também apresentaram recentemente metas para alavancar a geração por energias renováveis. As metas do setor energético deverão ser centrais para as contribuições nacionais de redução de emissões definidas na Convenção do Clima da ONU (UNFCCC, na sigla em inglês).

A China anunciou uma meta de aumento de 20% da parcela de fontes de energia não fóssil na sua oferta total de energia primária até 2030, como parte de sua “contribuição nacionalmente determinada” no âmbito da COP-21.

Estados Unidos e Brasil afirmaram, em declaração conjunta em junho, que “pretendem atingir, individualmente, 20% de participação de fontes renováveis – além da geração hidráulica – em suas respectivas matrizes elétricas até 2030”.

O objetivo dos Estados Unidos baseia-se no Plano de Energia Limpa, o “Clean Power Plan”, anunciado, na semana passada, pelo presidente Barack Obama, que pretende dobrar a geração de energias renováveis até 2020 e reduzir as emissões do setor elétrico em 32% até 2030, em comparação aos níveis de 2005.

Apesar desse contexto global favorável, a meta brasileira para as energias renováveis alternativas para os próximos anos é criticada por alguns especialistas e representantes da sociedade civil. “A proposta de expandir a fatia de renováveis não hidrelétricas a 20% da geração de eletricidade significa manter as coisas como estão. Nós já demonstramos que o Brasil pode fazer o dobro disso”, informou Ricardo Baitelo, coordenador de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, ao site do Observatório do Clima.

Na França

No dia 22/7, o parlamento francês aprovou a Lei da Transição Energética que prevê, entre suas principais medidas, ampliação das energias renováveis, com o objetivo de compor com elas 32% do consumo de energia do país e 40% da produção de eletricidade até 2030. Essa meta é ainda mais ambiciosa do que o objetivo da União Europeia de elevar o percentual de energias renováveis para um mínimo de 27% do consumo energético no mesmo período.

A nova lei francesa também aumenta a taxação dos combustíveis fósseis, o preço do carbono (de € 22 por tonelada, em 2016, para € 100 por tonelada em 2030), estabelece para 2030 uma meta de redução do consumo de energia em 20% (a partir do nível de 2012), aumenta a eficiência energética dos prédios, obriga às grandes empresas e bancos a reduzir sua pegada de carbono e alinhar suas estratégias com os objetivos climáticos e prevê a diminuição da dependência de energia nuclear, de 75% para 50% do total da matriz. Dessa forma, a França pretende reduzir as suas emissões por quatro até 2050 e dar o exemplo para os demais países que deverão participar da COP-21.

Juliana Splendore e Carlos García Paret, especial para o ISA, de Paris
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