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Feira de Sementes do Vale do Ribeira mostra a força e os desafios da agricultura quilombola

Esta notícia está associada ao Programa: 
Oitava edição do evento reforçou a interação entre agrobiodiversidade e segurança alimentar, debateu o papel da assistência técnica e reuniu etnovariedades que formaram o Paiol de Sementes, como os quilombolas batizaram seu recém-inaugurado banco de sementes tradicionais
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Pelo oitavo ano consecutivo as associações quilombolas do Vale do Ribeira, seus parceiros e o ISA promoveram a Feira de Troca de Sementes e Mudas, na cidade de Eldorado (SP), com o patrocínio da Petrobrás e do Fundo de Direitos Difusos do Ministério da Justiça.

Montada na Praça Nossa Senhora da Guia, no sábado, 22 de agosto, a feira reuniu variedades de sementes e mudas trazidas pelas comunidades quilombolas da região. Por ela passaram mais de 200 visitantes. O grande destaque este ano ficou por conta do lançamento do Paiol de Sementes, que marcou o início do banco de sementes dos quilombos do Vale do Ribeira. O Paiol reúne etnovariedades de arroz, milho, feijão e mandioca, resultado de um levantamento junto a 13 quilombos que totalizaram mais de 50 espécies diferentes. Entretanto, durante a feira, novas variedades apareceram elevando o número para 81. As variedades de mandioca, mais de 20, que estão nessa conta, vão aguardar para serem plantadas em uma roça específica para sua manutenção, já que não podem ser armazenadas no Paiol. À medida em que forem realizados plantios em conjunto destas sementes é que se poderá saber com certeza quantas são as etnovariedades já que a mesma etnovariedade pode receber nomes diferentes dependendo da comunidade.

Apresentações culturais também animaram os visitantes como a dos jovens capoeiristas da Associação Desportiva Cultural de Capoeira (Adecc), comandados pelo professor Leleco, capoeiristas do grupo Bernardo Furquim, do Quilombo São Pedro, cantores quilombolas do grupo Raízes de Ivaporunduva e danças tradicionais como o fandango, apresentado pelo grupo de Morro Seco e a Nhá Maruca, dançada pelo grupo de Sapatu. Um almoço comunitário, no salão paroquial da igreja Nossa Senhora da Guia, encerrou o evento.

A feira é sempre precedida por um seminário, que este ano teve como tema Territórios quilombolas e o desafio para a manutenção da agrobiodiversidade, dividido em dois subtemas: o papel dos territórios quilombolas e a agrobiodiversidade e assistência técnica e extensão rural. Durante a abertura, conduzida pela coordenadora do Programa Vale do Ribeira do ISA, Raquel Pasinato, os cerca de 200 participantes - entre representantes das comunidades quilombolas com as quais o ISA trabalha no Vale do Ribeira, pesquisadores e convidados -foram saudados pelo prefeito de Eldorado, Eduardo Fouquet, e pela quilombola Vanessa de França, do quilombo São Pedro, representando o GT da Roça, que organiza a feira.


O papel dos territórios quilombolas e a agrobiodiversidade

Na primeira mesa, que tratou do papel dos territórios quilombolas na manutenção da agrobiodiversidade, a agrônoma Kátia Pacheco, gestora da Área de Proteção (APA) dos Quilombos do Médio Ribeira e do Parque Caverna do Diabo, que fica no Mosaico Jacupiranga, falou sobre a interação entre a agrobiodiversidade e a segurança alimentar. Ela lembrou que o direito à alimentação está assegurado pela Constituição brasileira e que são os agricultores familiares, as comunidades tradicionais que garantem a diversidade da produção. “A diferença entre os quilombolas e outros agricultores está na relação com a terra. Os quilombolas se sentem parte do território”, avalia.

Kátia Pacheco falou sobre os programas de governo para a agricultura familiar, como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), por exemplo, e sobre a cooperativa dos quilombolas da região, destacando que são fundamentais para a manutenção da agrobiodiversidade e da segurança alimentar. A agrônoma alertou ainda para o importante papel que a sociedade desempenha, reivindicando e fazendo com que o Estado se mexa. “Vocês são os promotores de políticas públicas nessa região”, ressaltou.

O protagonismo das comunidades na defesa de seus territórios e de seus direitos foi enfatizado por Raquel Pasinato, moderadora da mesa. “É preciso reforçar a importância da produção de alimentos. Fugir do monopólio das grandes empresas é um ato libertador. As comunidades mantiveram suas variedades de sementes e mudas e é por essa razão que são capazes de enfrentar as adversidades provocadas pelas mudanças climáticas”.

Em seguida, Vandir Rodrigues da Silva, do quilombo de Ivaporunduva, que integrou a primeira mesa, falou de suas preocupações em relação à demora nas licenças para fazer roças este ano. “Se demoramos a fazer a roça não vamos ter o que comer”, disse. Ele levantou alguns desafios a serem enfrentados. “Os quilombolas, hoje, vendem alguns produtos para poder comprar o que não produzem. Mas o que conseguem vender do arroz e do feijão dá mal e mal para pagar as contas, comprar sal, fósforo , roupas e sapatos”.

Já a pesquisadora Daniella Ianovali, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), apresentou seu trabalho de pesquisa sobre a agricultura quilombola e a comparação entre as roças permanentes e itinerantes. Ressaltou que as roças itinerantes, as roças de coivara, que exigem um período de pousio depois da queima, por exemplo, não utilizam veneno nos cultivos, e compõem a paisagem de uma forma diferente.

Assistência técnica e agroecologia

A segunda mesa, denominada Agricultura familiar e tradicional do Vale do Ribeira e Assistência Técnica e Extensão Rural, teve a participação de Andrea João, do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), que falou brevemente sobre o Programa de Agricultura de Interesse Social (PPAIS), que é estadual mas que ainda não contempla as comunidades do Vale do Ribeira. Andrea informou ainda que o Itesp está passando por um corte de recursos para assistência técnica.

A agrônoma baiana Jeilly Viviane Carvalho, consultora em assistência técnica agroecológica, fez uma apresentação contando aos presentes sua experiência com comunidades do extremo sul da Bahia, que saíram da agricultura convencional para a agricultura agroecológica. Explicou que essa é uma transição que não é simples, exige adaptação e mudança de práticas, trabalho de longo prazo. Ela enfatizou também que a gestão das associações comunitárias e a capacitação para a gestão é fundamental na geração de renda.

O representante da Cooperquivale, Osvaldo dos Santos, que fez parte da mesa, sugeriu à representante do Itesp informar as comunidades quando houver corte de recursos para que elas possam se planejar melhor.

Em seguida, Gilberto Ohta, da Rede 7 Barras, falou sua experiência com a comunidade de Guapiruvu, que fica no município vizinho de Sete Barras. Falou sobre o manejo agroflorestal que foi implantado junto às 170 famílias que vivem nessa comunidade. Agricultor convencional que só plantava banana e se utilizava largamente da pulverização aérea de agrotóxicos, ele decidiu mudar de vida em 1999. Mudou a alimentação, as atitudes, chamou o especialista em manejo agroflorestal Ernst Götsch para orientá-lo e iniciou um trabalho com as famílias de agricultores. Guapiruvu tem área total de 8 mil hectares, dos quais são 700/800 são usados para o cultivo.

Ohta avalia que as equipes de Ater, representadas por órgãos públicos como a CAT (Coodenadoria de Assistência Técnica, órgão da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo) , o Itesp, a Fundação Florestal, devem trabalhar junto às associações das comunidades. E da mesma forma que a agrônoma Kátia Pacheco, ele defendeu o protagonismo da sociedade civil na busca por políticas públicas para a agricultura familiar e tradicional.

Ao fim de cada mesa, os participantes faziam perguntas e debatiam com os palestrantes.

Depois do almoço, aconteceram duas rodas de conversa – uma sobre o sistema tradicional agrícola quilombola e outra sobre cooperativismo. Paralelamente foram organizadas duas oficinas, no âmbito do Projeto Povos do Ribeira, executado pela Manufatura de Ideias: uma sobre artesanato tradicional e outra sobre a culinária tradicional do Vale do Ribeira.


Patrimonialização e cooperativismo

A primeira roda de conversa tratou do sistema Tradicional Agrícola Quilombola, em fase de patrimonialização, ou seja, em fase de reconhecimento como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Isso significa defender as roças tradicionais, de coivara, que têm várias funções além de produzir alimentos, caso da moradia e como provedoras de necessidades básicas das comunidades. O pesquisador Roberto Rezende, da organização Iniciativa Verde, lembrou que a roça de coivara é autorizada por lei. O pesquisador Alexandre Antunes, da USP-Leste disse que a roça quilombola é sustentável. “O uso do fogo não causa danos”. Antunes explicou que em sua pesquisa sobre as roças quilombolas, foram colocados termômetros no solo para medir a temperatura antes e durante a queima e a conclusão é de que a alteração é pequena.

A coordenadora do ISA, Raquel Pasinato, encerrou a primeira roda de conversa com uma colocação desafiadora. “Estamos num momento de licenciamento de roças. Já entendemos que se elas não degradam, se são importantes para produzir alimentos, se a queima é permitida por lei, o que está faltando? Precisamos avançar. De que adianta discutir sistema agrícola e banco de sementes se não temos roça?”

Vandir, de Ivaporunduva, alertou mais uma vez para o prazo de fazer roças que é setembro. “Estamos no final de agosto e se a licença não vier não poderemos fazer roça”. Ao final, o encaminhamento dado pelos participantes foi o de levar essas questões à reunião da APA Quilombos do Médio Ribeira, que aconteceu nesta quarta-feira, 26, para que se pressione os órgãos responsáveis pelo término do processo de licenciamento e a Cetesb a dar autorização de supressão de vegetação para fins de roça tradicional por cinco anos em vez de uma vez por ano, como garante a legislação.

A segunda roda de conversa sobre cooperativismo concluiu que é essencial fortalecer as comunidades e promover arranjos entre elas e a cooperativa para que consigam ter acesso aos mercados, que a Ater seja fortalecida para melhorar a qualidade dos produtos, para atender a legislação e conseguir certificar a produção, entre outros itens. A inovação nas formas de produção, com parcerias que agreguem valor à agrobiodiversidade, a diversificação de mercados a serem acessados, a discussão sobre como atender as exigências sanitárias também foram pontos levantados pelos participantes.


Parceiros na organização do evento

Eaacone (Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira), Fundação Itesp, Fundação Florestal, Cooperquivale, Cepce, Prefeitura Municipal de Eldorado, Prefeitura municipal de Itaóica, Prefeitura Municipal de Iporanga, Prefeitura Municipal de Barra do Turvo, Associação Biodinâmica, Manufatura de Ideias.
Inês Zanchetta
ISA
Imagens: