Você está na versão anterior do website do ISA

Atenção

Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.

Índios do Xingu conquistam autonomia para colocar produtos orgânicos na mesa dos brasileiros

Esta notícia está associada ao Programa: 
Sistema Participativo de Garantia agora adotado pela Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) possibilita que grupos de pequenos produtores organizem-se para autocertificar seus produtos
Printer-friendly version

Quando 10 indígenas são convidados para uma cerimônia pública no Ministério da Agricultura (Mapa) em meio a uma grave crise entre povos indígenas e governo, é bom parar e entender o que deu certo para que isso acontecesse.

O motivo do encontro foi a autocertificação orgânica da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) para os alimentos produzidos pelos índios, na última semana. O mel do Xingu já estava certificado desde 2001 e chegou às prateleiras do supermercado Pão de Açúcar em 2003, mas a garantia era concedida por uma empresa privada, o IBD (Instituto Biodinâmico) Certificações.

“Pagar pela certificação era uma conta que nunca fechava, era preciso buscar recursos fora da relação comercial para pagar essa conta”, explica o técnico do ISA, Marcelo Martins.

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, muitos deles proibidos em outros países. Segundo o Instituo do Câncer, em dez anos, a venda de pesticidas no mercado agrícola brasileiro aumentou de R$ 6 bilhões para R$ 26 bilhões. Atualmente, o país ultrapassou a marca de 1 milhão de toneladas.

No caso dos índios, que nunca usaram agrotóxicos, o desafio da certificação era enorme, quando a única alternativa é recorrer a sistemas de certificação auditados por empresas especializadas privadas por causa do alto custo.

Para tornarem-se protagonistas na certificação autônoma de seus produtos orgânicos, os índios do Parque Indígena do Xingu (PIX) tiveram um cenário singular. Seu território está demarcado desde 1961, fruto do trabalho dos irmãos Villas-Bôas. A proteção da área pelos índios fizeram dela um dos maiores bolsões de floresta do mundo. São quase 3 milhões de hectares no Estado onde ocorrem as mais elevadas taxas de desflorestamento na Amazônia brasileira, o Mato Grosso.

Nem tudo são flores e os índios alertam: “O parque esta cercado”, disse o presidente da Atix, Yakari Kuikuro. “Está rodeado pela cultura da soja e do milho e com uso de veneno”, completou. O impacto do desmatamento do entorno da reserva já atinge 37% da Bacia do Rio Xingu em Mato Grosso.

A denúncia feita na cerimônia no Mapa no discurso do jovem presidente da Atix também está presente no discurso das lideranças e foi mote da Campanha Y Ikatu Xingu, que dura mais de uma década e já foi estrelada pela modelo Gisele Bündchen.

O trabalho

O Mel dos índios do Xingu é fruto de uma parceria duradoura da Atix com o Programa Xingu do ISA, que viu na iniciativa do Mapa para democratizar o acesso à certificação orgânica uma oportunidade para responder a desafios colocados ao antigo sistema de certificação da organização. Com isso, o Mapa possibilita que grupos de pequenos produtores de todo Brasil organizem-se para autocertificar seus produtos sem intermediação de certificadoras privadas.

"Nós estamos comemorando hoje essa entrega ao Xingu porque coloca um produto certificado por um organismo participativo na mesma condição de um produto certificado por uma auditoria. Eles têm o mesmo selo do sistema brasileiro de avaliação de conformidade orgânica e entram em qualquer mercado", explica o coordenador de Agroecologia do ministério, Rogério Dias

A concessão do sistema participativo a povos indígenas é um passo importante do Mapa no diálogo com os povos indígenas. Os relatórios de verificação da conformidade orgânica, por exemplo, vão poder ser preenchidos na língua original de cada etnia e depois traduzidos ao português pelos professores das aldeias.

Outros produtos

Além do mel das abelhas Apis Mellifera, comum nos mercados do Brasil, estima-se que chegue a centena as espécies de abelhas conhecidas pelos xinguanos. Em 2013, eles receberam um convite para participar da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Ipbes, em inglês), comunidade de cientistas ligada à ONU que discute soluções para as ameaças à biodiversidade no planeta.

O mel das abelhas nativas do Xingu está no cardápio do restaurante do chef de cozinha Alex Atala.

A pimenta produzida e embalada pelas mulheres da etnia Kisêdjê e o óleo de pequi também estão na fila de produtos que devem ser certificados pela Atix, possibilitando ao país a conhecer e consumir produtos saudáveis e produzidos no meio da floresta.

Exemplo

A Atix completa 20 anos este mês e reúne numa só organização política 16 povos, falantes de mais de 14 línguas, com hábito e culturas distintos.

Ao receber autonomia na certificação, os índios do Xingu tornam-se um exemplo a ser seguido por outras comunidades indígenas do pais, e demonstram que o controle social previsto na legislação brasileira pode ser adaptado e executado em diferentes realidades locais.

Letícia Leite
ISA
Imagens: