Você está na versão anterior do website do ISA

Atenção

Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.

ISA entrega à relatora da ONU dados do aumento de invasões e desmatamento na Terra do Meio (PA)

Esta notícia está associada ao Programa: 
Levantamento feito pelo ISA revela que destruição da floresta voltou à região, no centro-sul do Pará. Área com “corte raso” cresce 41% e ampliação de estradas de madeireiras ilegais explode em vários pontos. Lideranças indígenas denunciam roubo de madeira e outros crimes nas Terras Indígenas Cachoeira Seca e Apyterewa
Printer-friendly version

O ISA entregou à relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para os direitos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, um levantamento sobre invasões às Terras Indígenas (TIs) e desmatamento na Terra do Meio, no centro-sul do Pará. Os dados revelam que a destruição da floresta voltou à região.

As informações são de um levantamento feito pelo ISA que inclui sobrevoos, relatos de campo, análises de imagens de satélite e dos dados oficiais do desmatamento. O levantamento completo atualiza informações da publicação "Rotas do Saque - Violações e ameaças à integridade territorial da Terra do Meio (PA)", divulgada pelo ISA em agosto do ano passado.

No encontro em que as informações foram apresentadas, em Altamira, na noite de ontem (14/3), lideranças indígenas denunciaram o roubo de madeira e a pesca predatória nas TIs Cachoeira Seca e Apyterewa, além do enfraquecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai) na região.

Tauli-Corpuz disse que vai incorporar as denúncias ao relatório de sua visita de dez dias, que termina no fim desta semana. Ela lembrou uma das recomendações ao governo brasileiro do último relatório sobre o país, concluído em 2008. “A principal recomendação do último relator era sobre a necessidade de fortalecer o órgão indigenista. O que estou ouvindo é que ele foi enfraquecido, principalmente em regiões de conflito como a de vocês”, destacou.

O fortalecimento da Funai na região, a homologação da TI Cachoeira Seca, a retirada de invasores da TI Apyterewa e a implantação de postos de vigilância em todas as 11 TIs afetadas pela hidrelétrica de Belo Monte são condicionantes estabelecidas na licença prévia da usina e que deveriam ter sido cumpridas logo após a sua concessão, em 2010. Apenas alguns postos foram instalados, mas nenhum deles está funcionando. As condicionantes restantes continuam sem ter sido executadas a poucos dias das primeiras turbinas começarem a funcionar.

Desmatamento cresce 41%

Os dados do ISA mostram que o desmatamento cresceu 41% em toda a Terra do Meio: a área com “corte raso” passou de 13,1 mil hectares para 18,5 mil hectares, entre agosto de 2014 e julho de 2015. Pior: é o terceiro ano de aumento da taxa e o ritmo está acelerando – entre 2012 e 2013, o aumento foi de apenas 8% em relação ao período anterior. Um hectare corresponde mais ou menos a um campo de futebol. A extensão das estradas abertas pelas madeireiras ilegais na região cresceu 19%, com mais 576 km adicionados no período.

Situada entre os rios Iriri e Xingu, a Terra do Meio é formada por um conjunto de três TIs, duas UCs estaduais e quatro UCs federais, que somam 8,4 milhões de hectares. Esse bloco de áreas protegidas guarda uma das de maiores biodiversidades da Amazônia – talvez do mundo – com uma lista inestimável de espécies ameaçadas de extinção e endêmicas (que só existem lá). Também representa um muro de contenção à principal zona de expansão do desmatamento, que avança do norte do Mato Grosso em direção ao centro da Floresta Amazônica (saiba mais sobre a região no vídeo abaixo).

As frentes de destruição da floresta identificadas pelo ISA na região chamam ainda mais atenção porque a taxa de desmatamento em todo Pará caiu 15%, em 2013-2014, e manteve-se estável, em 2014-2015.

APA Triunfo do Xingu concentra 90% dos desmates

A situação é pior na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, de responsabilidade do governo paraense e que concentra mais de 90% de todo desmatamento da região. A gestão da área é precária: ela ainda não tem plano de manejo e a administração estadual tem diminuído os recursos destinados às suas UCs. Hoje, não há um só servidor dedicado à APA. A gestora responsável divide o seu tempo com a administração de outra UC, a Florestal Estadual (FES) do Iriri.

O pesquisador Maurício Torres confirma que o desmatamento está fora de controle na APA. Ele avalia que a inoperância da fiscalização e a impunidade para os desmatadores ilegais na área decorrem das relações entre governo estadual e políticos locais.

Torres lembra que o desmatamento está sempre associado à grilagem - em geral, os grileiros desmatam uma área para tentar comprovar sua posse e apropriar-se dela. O pesquisador avalia que, por causa disso, o programa estadual de legalização de terras também estaria estimulando a destruição da floresta. “A forma como vem sendo implementada a regularização fundiária pelo governo paraense é amplamente favorável ao grileiro”, aponta.

Os dados coletados pelo ISA também revelam que os desmatamentos com mais de 40 hectares, corresponderam, entre 2014 e 2015, a mais de dois terços do total em toda a Terra do Meio. A informação reforça a correlação entre desmates, latifúndios e grilagem de terra.

Torres analisa que houve, nos últimos anos, um relaxamento da fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em toda a região e que mesmo a estratégia de operações pontuais liderada atualmente pelo órgão seria ineficaz. Para ele, isso estaria fomentando a volta das grandes aberturas de terra na APA.

A análise do ISA foi apresentada numa reunião do Programa “Municípios Verdes” do Pará, em Tailândia, na semana passada. O secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Fernandes Rocha, informou que está prevista a implantação de um posto de vigilância permanente na APA Triunfo do Xingu. Ele lembrou que o governo estadual assinou e está implementando um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Estadual sobre a gestão madeira no estado e também irá lançar um novo Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (saiba mais).

A assessoria do secretário não respondeu o pedido de entrevista até o fechamento desta reportagem.

TI Cachoeira Seca

Mas as áreas federais também correm sério risco na região. Na Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca, entre 2014 e 2015, o desmatamento aumentou 73% e a extensão das estradas de madeireiros ilegais, 48%, com 333 km abertos. A área concentrou 6% do desmatamento operado nos 12 meses, já soma mais de 43 mil hectares desmatados e mil quilômetros de rodovias madeireiras no total. Uma delas está a apenas 20 km da aldeia do povo indígena Arara, comunidade de recente contato e, por isso, muito vulnerável a doenças e conflitos.

O problema decorre da inoperância e da desarticulação do governo federal, que deveria garantir a proteção e regularização da área. Esta última medida é uma das condicionantes prevista no licenciamento da hidrelétrica Belo Monte que deveria ser cumprida pelo governo federal. O decreto de homologação aguarda assinatura da presidente Dilma desde 2012. A retirada das cerca de mil famílias não indígenas que ocupam a TI também já deveria ter sido efetivada, mas arrasta-se desde 2009. Políticos e grileiros seguem pressionando o governo para não efetivar as medidas e aproveitam-se da situação para manipular os pequenos agricultores que estão na área.

Na direção contrária da proteção e regularização, no entanto, os dados levantados pelo ISA apontam que o canteiro de obras da usina intensificou os desmates na região em alguma medida. Desde o fim de 2010, data da emissão da licença prévia do empreendimento, a TI Cachoeira Seca ocupa os primeiros lugares no ranking de TI mais desmatadas do Brasil. A estimativa é de que volume de madeira de primeira qualidade extraída na área em 2014 chegou a cerca de 200 mil metros cúbicos, o que corresponde a uma fila de 13 mil caminhões carregados entre as cidades de São Paulo e Belo Horizonte. O valor comercializado pode atingir R$ 200 milhões.

A Funai e o Ministério da Justiça não retornaram os pedidos de entrevistas e esclarecimento até o fechamento desta reportagem.

O diretor de Proteção Territorial do Ibama, Luciano de Meneses Evaristo, reconhece que o governo federal tem “dificuldade em controlar” a TI Cachoeira Seca e que a pressão do desmatamento permanece em toda Terra do Meio. Ele culpa a gestão estadual pela situação na TI. “Você tem planos de manejo florestal estrategicamente autorizados em torno da área pelo estado do Pará. Esses planos de manejo geram papel para o cara ir lá dentro roubar madeira”, afirma.

Evaristo alega que a responsabilidade principal por impedir a entrada dos madeireiros ilegais na TI seria da Fundação Nacional do Índio (Funai) e que as imagens de satélite não conseguem identificar o corte seletivo de árvores praticado na área. Daí a suposta impossibilidade de reprimir o saque com a rapidez necessária.

Informado sobre o aumento do desmatamento por “corte raso” – identificável pelos satélites a partir de determinado tamanho – na TI e em toda a Terra do Meio, ele disse que precisaria checar a informação e lembrou que nos últimos três anos o desmatamento em todo o Pará caiu. Evaristo disse desconhecer a ocupação não indígena massiva na Cachoeira Seca.

“A responsabilidade da fiscalização nas TIs é do Ibama. A Funai não tem poder de polícia nem fiscais”, rebate Juan Doblas, assessor do ISA responsável pelo estudo. Ele reconhece, no entanto, que fragilidades no sistema de controle do fluxo de produtos florestais, o Sisflora, e a ausência de vistorias nos planos de manejo florestal da parte do governo estadual têm fomentado a extração ilegal de madeira.

Doblas contesta as justificativas de Evaristo sobre as dificuldades de fiscalizar o roubo de madeira na Cachoeira Seca. “A extração seletiva de madeira é difícil de enxergar, mas existem metodologias que permitem identifica-la, mesmo com imagens de satélite comuns. Agora, o que é bem fácil de ver são as estradas dos madeireiros. Isso podemos registrar com imagens gratuitas e disponíveis publicamente e elas podem, sim, subsidiar a fiscalização”, conclui.

Resex Riozinho do Anfrísio

Na Reserva Extrativista (Resex) do Riozinho do Anfrísio, a extensão das estradas usadas pelas madeireiras ilegais aumentou 250%, saltando de 41 km para 146 km, entre 2014 e 2015.

Maurício Torres acredita que, também no caso da Resex, a estratégia de realizar operações pontuais teve o efeito de reduzir o saque de madeira temporariamente, mas que os criminosos voltam a se organizar depois de algum tempo. Ele defende maior investimento em investigação e na punição dos chefes e financiadores das máfias madeireiras.

“Na última operação feita em 2015, todo mundo sabia o nome, RG, CPF e endereço dos donos do esquema e não se fez nada contra eles. Assim, você aumenta a segurança do cara de que ele pode tudo”, destaca.

Por e-mail, a assessoria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão da Resex, informou que o órgão desconhece o aumento de estradas madeireiras. “Deve se tratar de um problema de comunicação. Temos uma parceira de anos com o ICMBio no que diz respeito à monitoramento e fiscalização. O órgão acompanha e conhece os resultados do nosso trabalho”, contesta Doblas.

“De 2009 até 2015 foram lavrados 133 autos de infração pelo ICMBio na região da Terra do Meio. Para o incremento das atividades de fiscalização tem se buscado ações conjuntas com outras instituições federais com o objetivo de combater os ilícitos e ampliar a presença institucional na região, com previsão de atividades de fiscalização para o ano de 2016”, afirmou a assessoria do ICMBio.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
Imagens: 
Arquivos: 
AttachmentSize
PDF icon levantamento completo2.76 MB