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Relatora da ONU para povos indígenas visita aldeias atingidas por Belo Monte

Victoria Tauli-Corpuz ouviu denúncias sobre a cooptação de lideranças indígenas, destruição do modo de vida tradicional e do meio ambiente no Rio Xingu. Ela prometeu fazer um relato sobre a situação ao governo brasileiro antes de sua partida do país, no fim desta semana. Amanhã, dará uma entrevista coletiva em Brasília sobre toda a visita ao Brasil
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A relatora da ONU para direitos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, visitou o Rio Xingu definitivamente barrado e ouviu os povos afetados pela usina Belo Monte, na região de Altamira (PA), entre anteontem e ontem (15/3).

Escoltada por seis carros da Polícia Rodoviária Federal, Victória chegou à Terra Indígena Paquiçamba, a 10 km da barragem principal da usina, para ouvir o povo Juruna.

“Nós estamos perdendo o nosso meio de vida no rio. Precisamos de outras oportunidades para continuar existindo”, disse Leiliane Bel Juruna. “Nós perdemos a nossa liberdade. Não temos mais o controle do rio. Se eles abrem as comportas, como já abriram sem avisar, e levaram nossas coisas, a água pode levar um de nossos filhos”, disse Leiliane. Mãe de 4 filhos, ela contou que a comunidade perdeu barcos e malhadeiras durantes testes de geração de energia feitos no mês passado.

Tauli-Corpuz fica no Brasil até o fim desta semana, depois de uma visita de 10 dias. Ela prometeu fazer um resumo de tudo o que ouviu dos índios do Xingu ao governo brasileiro ante de ir embora do País. Em setembro, a relatora deve apresentar o documento completo da viagem ao governo brasileiro e ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Os principais destaques da missão também serão apresentados à imprensa, em Brasília, no próximo dia 17.

Conta de luz

Leiliane segura os talões das contas de luz, todas acima de R$ 300. Atendidos pela companhia de energia do estado, algumas famílias receberam contas que chegaram a R$ 400 reais. “A gente perde tudo o que tinha pra gerar energia e tem que pagar uma conta de R$ 400?”, questionou.

Além do desaparecimento de espécies de peixes, os Juruna denunciaram falhas no monitoramento da pesca realizado pela empresa Norte Energia, dona da obra. Justamente nos meses em que o rio foi barrado para dar lugar ao reservatório da usina, o programa de monitoramento da pesca no trecho de vazão reduzida ficou paralisado.

Os índios afirmam que diversos programas de compensação do Plano Básico Ambiental (PBA)-Componente indígena – que começou com dois anos de atraso – estão parados, desde agosto do ano passado, por problemas na renovação dos contratos com as empresas executoras.

Os índios denunciaram a cooptação de lideranças durante toda a construção da usina. O Plano Emergencial executado pela Norte Energia tinha como objetivo criar programas específicos para cada etnia, mas acabou virando uma espécie de mesada no valor de R$ 30 mil para cada aldeia durante dois anos.

“Muitas comunidades largaram o que fazer nas suas roças. Os nossos parentes Parakanã chegaram a passar fome quando a Norte Energia cortou as cestas básicas e já não tinha uma roça de pé”, diz o cacique Giliarde Juruna.

Para que os Juruna tenham acesso ao lago do reservatório, o limite da Terra Indígena precisa passar por uma redefinição. A ação é mais uma condicionante não cumprida da usina. O cacique pediu à Tauli-Corpuz que inclua em seu relatório uma recomendação sobre o assunto.

Depois da hidrelétrica, medo da mineradora

Os Juruna também pediram ajuda para evitar a instalação do maior projeto de mineração de ouro a céu aberto do País. O projeto da mineradora Belo Sun está a apenas 14 km da barragem e já tem licença prévia expedida pelo governo do Pará. A empresa se prepara para pedir a licença de instalação, documento que libera efetivamente a extração do ouro.

“Nós temos notícias do que aconteceu com os índios em Mariana e temos medo do que possa acontecer com a nossa aldeia”, alerta Leiliane.

“E a as explosões dessa mineradora? Quem garante que não pode afetar o paredão de Belo Monte?”, questiona Giliarde Juruna. O cacique pediu que a relatora recomende ao governo brasileiro que não permita a instalação da mineradora sem consulta prévia como aconteceu no caso de Belo Monte.

Depois de visitar a aldeia a relatora seguiu para Altamira, onde encontrou com lideranças do povo Arara e Parakanã (confira a reportagem).

MPF

Ainda na segunda, a relatora ouviu a procuradora do Ministério Público Federal (MPF) Thaís Santi. Tauli-Corpuz elogiou a ação por etnocídio do MPF, mais uma na lista de 25 do órgão contra Belo Monte. Ajuizada no fim do ano passado, a ação pretende responsabilizar o governo brasileiro e a Norte Energia por ter destruído o modo de vida das populações indígenas afetadas pela usina.

“O que esta acontecendo aqui não é somente a morte física dos índios. Há uma tentativa clara de morte cultural”, alertou Tauli-Corpuz.

Tapajós

A relatora também ouviu 13 indígenas Munduruku, que vivem na Bacia do Tapajós, próximo rio amazônico que o governo pretende barrar. A pequena Ana Luiza Munduruku, de três anos, entregou uma carata a relatora pedindo que a consulta livre, prévia e informada seja realizada na região antes de qualquer licença ambiental do empreendimento. A consulta é determinada pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.

Letícia Leite
ISA
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