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Sonia Guajajara: “A gente enfrenta o preconceito duas vezes, por ser indígena e por ser mulher”

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Para marcar a Semana do Índio em 2016, o ISA está produzindo conteúdos exclusivos sobre mulheres indígenas. Na terça-feira (19), ouvimos Sonia Guajajara, a mulher que está à frente da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib). Junto com outras organizações indígenas, a Apib realiza no próximo mês de maio o 12º Acampamento Terra Livre, em Brasília (DF), contra os ataques aos direitos indígenas pelo Legislativo, Executivo e Judiciário.

Confira.

ISA - Para começar, quais são, na sua opinião, os principais desafios enfrentados pelas mulheres indígenas hoje?
Sonia Guajajara - Primeiro, o principal de todos, é a garantia do território. Existe uma pressão do próprio Congresso Nacional em relação às ameaças legislativas que estão a todo instante tentando retroceder direitos constitucionais. Tem a questão dos grandes empreendimentos e seus impactos que aumentam a cada dia, além da flexibilização da legislação facilitando cada vez mais [a consolidação desses empreendimentos], a exemplo do próprio Licenciamento Ambiental. E eu acho que o outro desafio que talvez não apareça tanto, mas pra gente é importante, é a tentativa de ocupar espaços públicos do Parlamento, precisamos enfrentar isso e tentar avançar. São dificuldades muito grandes que a gente precisa superar.

ISA - Pode dar exemplos de diferentes realidades e problemas - saúde, educação, participação nas organizações indígenas, machismo?
SG
- É um desafio diário, inclusive para a gente ocupar estes espaços de discussão. Como tem esta questão mesmo da cultura, do machismo. Embora tenham muitas lideranças ativas e empoderadas, ainda somos um número muito pequeno de mulheres que consegue ir além do espaço da aldeia. E a gente precisa cada vez mais tentar chegar mais junto e ocupar e fazer com que a voz da mulher seja escutada, não só dentro da nossa própria terra como fora também. As mulheres precisam se empoderar muito para se libertar disso.

ISA- E qual é o seu principal desafio, estando à frente da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que comanda as mobilizações de mulheres e homens indígenas em todo o Brasil?
SG
- Acho que é continuar mantendo essa confiança e credibilidade junto aos povos indígenas. É muito difícil conseguir alcançar esta credibilidade sendo mulher. Hoje, embora possa haver criticas e divergências eu sinto muita confiança, força e motivação. Muita gente me diz: "Isso mesmo Soninha, estamos juntos, pode contar com a gente".

ISA - E você acha que estando a frente da Apib pode influenciar as mulheres que estão a frente de associações regionais ou mesmo começando a atuar politicamente, dentro e fora da aldeia?
SG
- Muitas mulheres me procuram, pedem conselhos e também me motivam: “Não se sinta sozinha”, elas falam. Temos milhares de mulheres lideranças muito boas, comprometidas, mas nem sempre elas conseguem alcançar uma visibilidade, e quando a alcançam as pessoas realmente enxergam e se inspiram. Ser mulher é um diferencial nessa luta, a gente entra com muita força, muita coragem, muita convicção.

ISA - Para além da luta: quais são os desafios de ser uma mulher, de uma cultura diferente, diante de uma sociedade machista, como é a não indígena?
SG
- Precisamos dar conta de dois desafios. Primeiro conquistar o espaço e depois manter esta credibilidade, esta confiança junto aos nossos povos, e também sensibilizar a sociedade. A gente já enfrenta o preconceito duas vezes: por ser indígena e por ser mulher.

ISA - Quais dificuldades você mesma enfrentou na sua trajetória até chegar a essa posição?
SG
- As dificuldades foram várias, acontecendo no dia a dia. Mas nada é motivo para desistir. Foi uma luta de muito tempo, eu vim conquistando no passo a passo, traçando um caminho, e quando me dei conta me escolheram pra ser coordenadora da Apib! Hoje eu ocupo esse cargo com mais quatro pessoas, eu de mulher e mais quatro homens, um de cada região do Brasil.

ISA - E como começou a sua trajetória?
SG
- Eu sempre fui muito de luta, desde criança! Sempre estava participando do dia a dia na aldeia, conversando, nas reuniões... Em 2001 eu participei de uma conferência em Brasília, foi o meu primeiro encontro nacional, e partir daí eu percebi que não podia ficar de fora, tinha que me movimentar, juntar mais gente e organizar o movimento indígena no Maranhão. E ai fomos trabalhando!

ISA - Você enfrenta muito machismo no movimento indígena - ou nos momentos de luta?
SG -
Eu enfrentei muito. Muitas vezes eu não falei nada, outras eu recuei para não bater de frente. Fui buscando outras estratégias para estar ali participando, abrindo mais o caminho até que as pessoas começaram a me identificar mais como liderança. Hoje eu não sinto mais isso. Claro, sempre tem um ou outro que não aceita comando ou liderança de mulher e ainda quer questionar, mas isso não tem conseguido interferir muito.

ISA - Como é a situação das mulheres do seu povo Guajajara, que vive no Maranhão?
SG
- Guajajara é mulher muito forte, aguerrida, lutadora. Tem mulheres no anonimato, mas que são autônomas, independentes, são elas que definem qualquer luta, qualquer batalha.

ISA - Frente a tantas ofensivas contra os direitos indígenas, você acredita que as mulheres indígenas estão sendo afetadas de forma diferente?
SG -
Sempre são as mulheres as que mais se preocupam e são as mais atingidas. Por exemplo, o avanço do agronegócio, os grandes empreendimentos - se os filhos são afetados por algum tipo de doença, são as mulheres que têm que se desdobrar mais para poder dar conta. Sempre os impactos atingem primeiro as mulheres. Os povos indígenas já estão num grupo vulnerável, as mulheres indígenas mais ainda!