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A partir de hoje, e pelas próximas semanas, o Programa Xingu do ISA publicará uma série de análises sobre as tendências históricas e atuais de ocupação da Bacia do Rio Xingu, utilizando dados de desmatamento, de focos de calor, econômicos e outros, qualificados pela visão de campo trazida por nossas equipes e parceiros locais. Inicialmente vamos abordar o desmatamento, o indicador mais frequentemente usado para determinar as tendências de ocupação na Bacia Amazônica.
Até 2015, 22% da superfície total da Bacia do Xingu foi desmatada. Esta taxa, superior aos 19% de florestas originais desmatadas no bioma Amazônia (conforme os dados consolidados do sistema Prodes-Inpe para 2014), evidenciam que a Bacia do Xingu é um dos territórios da Amazônia brasileira mais impactados nos últimos 40 a 50 anos pelas frentes de ocupação e desmatamento induzidas pela construção de grandes obras, projetos de colonização, mineração ilegal e expansão agropecuária, cada vez mais próximas dos territórios dos povos indígenas e tradicionais.
A seguir faremos uma análise das tendências recentes de ocupação do território, traduzidas em áreas convertidas para uso alternativo, seja pecuária ou lavoura.
Ao analisar a evolução recente do desmatamento para a Bacia do Xingu verifica-se uma forte queda entre os anos de 2008 e 2009, especialmente pronunciada na porção mato-grossense da bacia. Essa queda é atribuída principalmente à segunda fase do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que focalizou em ações de monitoramento (sistema Deter) e comando e controle (sendo a operação Arco de Fogo o exemplo mais evidente). A efetividade das políticas de comando e controle e a crise econômica global com a conseguinte queda de preço de commodities tiveram um importante papel na redução do desmatamento. Mas, como a figura abaixo mostra, desde 2009 a taxa de desmatamento para a Bacia do Xingu está próxima dos 100km², evidenciando o limite de tais políticas e dos acordos setoriais aplicados até o momento para a redução do desmatamento.
A queda de 2008 mascara a evolução posterior das taxas de desmatamento na bacia, que apresentam um comportamento aparentemente errático. Para melhor estudá-lo calculamos a variação da taxa de desmatamento de um ano para o seguinte, nos últimos anos:
O ano de 2012 marca, no Pará, um mínimo histórico da taxa de desmatamento, consequência da implementação de um novo pacote de medidas pelo Ministério do Meio Ambiente (a chamada terceira fase do PPCDAm) e por uma queda na atividade econômica do estado. Só de 2011 para 2012 foi registrada uma queda de 34% na taxa de desmatamento. Já o Mato Grosso registrou um aumento do desmatamento derivado do avanço das lavouras de soja sobre as nascentes do Rio Curisevo, formador do Rio Xingu.
A partir de 2012 e até 2015 os estados do Pará e Mato Grosso seguem trajetórias contraditórias. No Mato Grosso, o estancamento da economia local provoca uma queda significativa do desmatamento. No Pará, o cenário de aumento do desmatamento sofre uma queda entre 2013 e 2014 devido aos desdobramentos das operações de fiscalização na região da BR-163.
Infelizmente, e pela primeira vez no período estudado, registrou-se em 2015 um aumento simultâneo do desmatamento nas duas porções da bacia. No Mato Grosso, o anúncio da construção de duas grandes obras de infraestrutura de transporte conectando o Vale do Araguaia ao eixo sojeiro da BR-163 (a ferrovia de Integração Centro-Oeste e a BR-242) tem deflagrado um processo especulativo que, mesmo incipiente, já pressiona as nascentes dos formadores do Xingu e o próprio Parque Indígena do Xingu.
Os grandes projetos de infraestrutura também podem ser responsabilizados pelo aumento do desmatamento na parte paraense da bacia: o asfaltamento da BR-163, a desativação da obra da UHE Belo Monte e os sucessivos anúncios de leilão e licenciamento do complexo hidrelétrico do Tapajós.
O mapa de densidade ‘kernel’ de desmatamento, calculado para os últimos 10 anos mostra as principais regiões ocupadas no período:
Podemos então distinguir quatro tipos de desmatamento agindo na bacia em diferentes regiões:
O status fundiário do território influencia claramente a sua maior ou menor suscetibilidade à ocupação. Projetos de assentamento teriam, a princípio, maiores taxas de ocupação e desmatamento do que unidades de proteção integral. Terras Indígenas possuem geralmente um status fundiário que garante um maior nível de proteção, decorrente da ilegalidade de qualquer tipo de especulação ou transação de terras no seu interior. Da mesma forma, a maior parte das Unidades de Conservação não são susceptíveis de titulação privada, o que desestimula os movimentos de ocupação especulativa. Uma exceção notável são as APAs, que permitem titulação particular e conferem um grau significativamente inferior de proteção ao território. Assim sendo, a categoria APA, representada no Xingu pela APA Triunfo do Xingu, recebeu um tratamento e análise diferenciados.
A seguir apresentamos um gráfico que detalha a evolução do desmatamento na bacia, considerando a destinação formal da região onde aconteceu o desmatamento:
A análise do gráfico anterior permite afirmar que na Bacia do Xingu a tendência geral é de aumento da taxa de desmatamento em áreas destinadas, especificamente em Projetos de Assentamento e na APA Triunfo do Xingu. A ocupação em áreas privadas ou devolutas continua sendo a mais relevante. Constata-se a manutenção da taxa em áreas protegidas (UCs e TIs), basicamente ligada à invasão da Terra Indígena Cachoeira Seca e na Reserva Biológica (Rebio) Nascentes do Cachimbo.
Chama a atenção também que do total de área desmatada na bacia, só 4,2% correspondem a áreas protegidas (8,4% se consideramos a APA Triunfo do Xingu como área protegida). Os assentamentos da reforma agrária contribuem 12,7% para o cômputo global, sendo que, na Bacia do Xingu, boa parte dessas aberturas podem ser atribuídas a grandes fazendeiros avançando sobre lotes de colonos. O gráfico a seguir ilustra essa análise:
resulta igualmente interessante analisar, para cada classe de destinação de terra, quanto foi desmatado sobre o total de área da categoria. No gráfico a seguir é possível constatar que, das áreas privadas disponíveis, já foi desmatado 48%. Dos assentamentos, 55%, e das áreas protegidas 1,7%:
O gráfico anterior sobre o histórico de desmatamento por destinação de terra mostra que os assentamentos rurais são a segunda categoria fundiária em contribuição ao desmatamento na Bacia do Xingu, superada apenas por terras privadas, posses e disputas. No entanto os assentamentos rurais apresentaram queda expressiva na redução de desmatamento para o período analisado; enquanto em 2006 eles apresentaram 373,1 km², houve um pico de 521,4 km² em 2007 e, para 2015, foram registrados 215,6 km², ou uma redução de 58,6% em relação a 2007.
A Bacia do Xingu conta com 183 projetos de assentamentos rurais, sendo 96 na porção paraense da bacia e o restante em Mato Grosso. Somados, ocupam 26,230 km², o que equivale a 5% dos 511 mil km² da Bacia do Xingu. O desmatamento acumulado destes assentamentos soma 14.445 km² até 2015 segundo os dados do sistema Prodes-Inpe, ou 55% da área total destes assentamentos para a Bacia do Xingu conforme os limites do Incra.
O gráfico abaixo lista os 20 projetos de assentamentos rurais (PAs) com maiores taxas de desmatamento em 2015 e, para o período 2011 a 2015. Consideramos apenas os assentamentos com desmatamento superior a 3km² dada a grande quantidade de assentamentos e maior relevância dos 20 maiores. Para o desmatamento acumulado entre 2011 e 2015 destacam-se: PA Pombal, Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa e PA Bridão Brasileiro com, respectivamente, 124,9 km², 74,1 km² 57,4 km². Ao considerar apenas o desmatamento em 2015, a mesma lista continua liderada pelo PA Pombal com 26,3 km² seguida pelo PA Surubim com 12 km² e PA Mãe Menininha com 10,4 Km².
Os gráficos a seguir mostram o desmatamento acumulado na bacia nos últimos 5 anos, e o último desmatamento aferido (ano agrícola 2015) nos municípios do Xingu:
Os mega municípios de Altamira e São Félix do Xingu se destacam nessa lista, representando 42% do total do desmatamento na bacia no ano. Uma avaliação específica desses municípios mostra como, apesar de diversas iniciativas de controle, o desmatamento não dá sinais de arrefecimento. A enorme extensão territorial (que somada supera a do Estado de São Paulo) dificulta a gestão, e permite que grupos de especuladores aliados a grandes pecuaristas ocupem de forma impune o território. As ações de fiscalização, tardias, dificilmente conseguem reverter o dano causado. A sensação de impunidade derivada da protelação dos processos por dano ambiental contribui para aumentar as taxas de desmatamento, em ausência de controle social.
O gráfico a seguir explicita a estabilização dos números de desmatamento nesses dois municípios em torno de valores muito superiores aos tolerados no contexto do PPCDAm (que estabelece o limite de 40 km² para possibilitar o desembargo do município). Resulta evidente a necessidade de uma profunda mudança na gestão ambiental municipal:
Para finalizar o nosso estudo sobre a evolução histórica e a situação atual do desmatamento no Xingu analisamos a sua distribuição geográfica por municípios, mediante dois mapas: um referente aos últimos 5 anos e outro referente ao último ano. Essa comparação objetiva determinar, visualmente, a tendência de cada município à queda, manutenção ou aumento da taxa de desmatamento:
Assim, pode-se verificar a tendência ao aumento em alguns municípios da porção mato-grossense da Bacia do Xingu nos últimos 5 anos: Feliz Natal, Gaúcha do Norte e União do Sul. Já outros municípios mostram uma diminuição: Brasil Novo, no Pará, além de Querência, Campinápolis e Peixoto de Azevedo, em Mato Grosso.
O sucesso das ações de comando e controle levou a uma redução expressiva do desmatamento em toda a Amazônia Legal e na Bacia do Xingu conforme mostramos nesta análise. No entanto, nos últimos anos o desmatamento ilegal sobre as florestas originais persiste em torno de 5 mil km²/ano para a Amazônia Legal, enquanto na Bacia do Xingu este número variou entre 900 e 1.300 km² ao ano. Apesar da redução não houve alteração na ordem das principais categorias fundiárias onde ocorre o desmatamento ilegal: terras privadas, assentamentos rurais e a APA Triunfo do Xingu, e também nos municípios com as maiores taxas de desmatamento: Altamira e São Félix do Xingu.
Neste estudo verifica-se a importância das Terras Indígenas e Unidades de Conservação para proteção dos remanescentes florestais por elas abrigados com taxas de desmatamento pequenas e em contínua redução, e também das populações indígenas e tradicionais que habitam estes territórios e estão sob constante ameaça.