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Após serem reconhecidas como populações impactadas pelas obras de Belo Monte, as comunidades extrativistas da Terra do Meio, no Pará, exigem participar da formulação dos projetos de mitigação dos efeitos da obra e elaboraram uma proposta inicial. Nesta semana, representantes das Reservas Extrativistas (Resex) Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Rio Xingu, entregaram uma carta à Norte Energia, Ibama, ICMBio e Ministério Público Federal, com uma proposta concreta para orientar a implementação dos recursos que serão destinados para a recuperação da pesca, fortemente atingida pela usina hidrelétrica.
Ainda que não sejam totalmente mensuráveis, os impactos na pesca já são sentidos pelas comunidades que utilizam o peixe como uma das principais fontes de alimentação e de renda. O reconhecimento da existência de impactos nas Resexs, que culminou com a inserção de uma condicionante a Licença de Operação em novembro do ano passado, obrigando a Norte Energia a compensar os danos que a instalação de Belo Monte provocou na atividade pesqueira da região. Essa condicionante, motivada por denúncias sistemáticas dos ribeirinhos e organizações parceiras, entra no bojo da condicionante geral de assistência técnica de pesca, uma série de ações para compensar os pescadores da região. A medida prevê, como forma de compensação para os ribeirinhos, a execução de assistência técnica de pesca nas Resex da Terra do Meio. “O peixe é considerado uma das maiores fontes de alimento, além de ser uma fonte de renda. Estamos vendo que tá diminuindo, então precisamos nos mobilizar”, alerta Edileno de Oliveira, presidente da Associação dos Moradores do Riozinho do Anfrísio (Amora).
As comunidades, por meio das associações, escreveram uma carta com propostas para a aplicação do recurso da condicionante, e esperam iniciar um diálogo com a Norte Energia para que a empresa leve em consideração as especificidades das comunidades da região e que as ações definidas dialoguem de fato com o modo de vida dos beiradeiros. “Nós nos antecipamos, antes que chegue a Norte Energia com um projeto pronto, batendo na nossa porta, e apresentamos uma proposta. Somos nós que temos que levar as nossas demandas pra eles, não eles pra nós”, aponta Herculano de Oliveira, da Resex Riozinho do Anfrísio. “Os moradores se organizaram para discutir as ações ligadas diretamente à atividade da pesca e que vão ajudar a compensar os impactos que acontecem no território. Isso vai no sentido de evitar que a empresa, unilateralmente, decida o que é ou não é assistência técnica de pesca para os extrativistas e que as ações sejam efetivas para mitigar o dano causado”, atenta Carolina Reis, advogada do ISA.
“Isso mostra o amadurecimento das instituições. Queremos que a gestão seja cada vez mais comunitária e participativa”, analisa Bruna De Vita, coordenadora geral de populações tradicionais do ICMBio. O órgão se comprometeu a analisar o conteúdo da carta para que as propostas resultem no cumprimento da condicionante prevista na Licença de Operação e para “trazer um resultado prático e efetivo para aquelas áreas, para a manutenção da vida dessas pessoas e para a conservação das unidades”, de acordo com Bruna.
As demandas, amplamente discutidas em espaços participativos, têm como prerrogativa o respeito ao modo de vida dos beiradeiros e o diálogo com iniciativas já em curso nas Resexs, como as miniusinas e cantinas (saiba mais sobre essas iniciativas). “Tendo em vista a nossa forma de organização, prioridades, infraestrutura e atividades que vêm acontecendo na Terra do Meio, gostaríamos de solicitar que o processo de definição sobre a implementação da condicionante seja feito de forma totalmente participativa com as associações e nossas comunidades, desde o princípio, que é a fase de definição das ações que deverão ser executadas”, diz um trecho da carta. Leia a carta na íntegra.
A diminuição do pescado é uma preocupação das comunidades da Terra do Meio. Os ribeirinhos têm denunciado sistematicamente a entrada de pescadores de outras regiões em suas áreas tradicionais de pesca. Com a construção da usina, a população da cidade de Altamira - e o consumo de pescado - aumentou exponencialmente, fazendo com que um grande número de pescadores busque áreas mais distantes, como as do Rio Iriri, para suprir essa nova demanda.
Muitos desses pescadores utilizam técnicas de pesca que impactam de forma violenta o pescado - descartam peixes menores ou que não tem valor comercial expressivo, gerando poluição e desequilibrando o ecossistema da região. Além disso, a escassez do peixe faz com que os pescadores tenham que permanecer mais tempo por pescaria, reduzindo o tempo empregado em outras atividades importantes para a subsistência, como a roça, produção de farinha e a coleta de produtos da floresta - como a castanha, o babaçu e a copaíba. Saiba mais sobre os impactos de Belo Monte na pesca.
As medidas propostas na carta visam conservar o pescado para melhorar a segurança alimentar e fortalecer a agregação de valor da pesca e das demais cadeias produtivas dentro das Resexs, como o manejo da castanha e do babaçu, para evitar a pesca excessiva.
Um ponto importante da proposta é a constituição de um fundo para a manutenção da estrutura básica das associações e para o monitoramento independente da pesca no território, somando esforços com os órgãos governamentais em coibir crimes e melhorar o ordenamento da atividade pesqueira na região.
A Norte Energia já sinalizou que vai analisar as propostas e participará de uma reunião no próximo mês para discutir com mais detalhes seu conteúdo e seguir com encaminhamentos para implantação da condicionante. “Não sabemos o que vai acontecer, não temos nenhuma garantia, mas pra comunidade já é uma resolução boa, porque a gente já viu que foi considerado. Pra quem está há dez anos brigando por isso, saber que está sendo considerado, mesmo sem saber de que forma vai ser, já é uma esperança”, diz Edileno.
A Terra do Meio é um mosaico de áreas protegidas localizada entre os rios Xingu e Iriri que abriga uma enorme diversidade socioambiental. A região faz parte do Corredor de Diversidade Socioambiental do Xingu, com 28 milhões de hectares de extensão, incluindo 21 Terras Indígenas e dez Unidades de Conservação contíguas, ocupados por centenas de famílias ribeirinhas e 26 povos indígenas.
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