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Uma revolução energética para salvar o planeta. Vamos nessa, Brasil?

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Ciro Campos, assessor do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA

Relatório lançado pelo Greenpeace aponta que país ainda rema contra a corrente na política energética, investindo muito em geração e menos em eficiência. Segundo documento, investimentos em energias alternativas poderia estimular redução de tarifa e gerar mais de 600 mil empregos. Leia a resenha de Ciro Campos, assessor do ISA

Em 2015, quase 200 países reuniram-se para debater o enfrentamento da crise climática e apresentar suas metas de redução de emissões de carbono, culminando com a assinatura do Acordo de Paris. Este esforço tem como objetivo evitar que a temperatura global suba mais que 2ºC em relação ao período pré-industrial, o que poderia comprometer o desenvolvimento econômico e a própria segurança da população mundial. Depois de passar pelo Congresso, a ratificação do tratado internacional deve ser assinada pelo presidente Michel Temer na próxima segunda (12/9).

Nesse contexto, o Greenpeace acaba de lançar o relatório “[R]evolução Energética – rumo a um Brasil com 100% de energias limpas e renováveis”. O documento parte da premissa de que é possível fornecer energia para o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, garantir qualidade de vida, justiça social e equilíbrio ambiental. No caso do Brasil, o relatório apresenta uma robusta coleção de dados e análises para argumentar que é possível zerar as emissões de gases de efeito estufa originadas de combustíveis fósseis até 2050, dispensando usinas nucleares ou novas hidrelétricas, mantendo os rios vivos, protegendo a biodiversidade e garantindo os direitos das populações indígenas e tradicionais.

O relatório é lançado no momento em que o Brasil precisa reavaliar seus planos de desenvolvimento se quiser cumprir as metas estabelecidas em Paris e descarbonizar a economia, o que demandaria ajustes em sua política agrária, ambiental, industrial, energética e de transportes. Mas o trabalho destaca que o país ainda rema contra a correnteza no que se refere à politica energética, investindo muito em expansão da geração e menos do que devia em ganhos de eficiência. E uma expansão que está pautada principalmente na construção de grandes barragens na Amazônia, e que também admite a expansão da energia nuclear, conforme previsto no último Plano Plurianual lançado em 2016, como o ISA denunciou no início do ano.

Esta decisão já poderia ser revista em benefício de outras fontes, que a cada ano se tornam mais maduras e acessíveis, assinala o relatório. As hidrelétricas contribuem atualmente com 65% da oferta de energia elétrica no Brasil, mas essa participação não precisaria ser ampliada para garantir o fornecimento nas próximas décadas. O aumento da oferta poderia acontecer com ganhos de eficiência e com maior participação de fontes à base de biomassa, energias eólica e solar. Parte da expansão solar poderia ainda se dar nos telhados do país, em cerca de 60 milhões de residências e estabelecimentos comerciais, transformando o consumidor em gerador de energia, ajudando na criação de emprego e renda e alimentando um ciclo de descentralização e democratização da geração de energia elétrica, conforme o ISA vem defendendo.

Grandes hidrelétricas na Amazônia causam alto impacto para a natureza e para as populações locais, e não são tão limpas quando se imagina, devido à emissão de metano nas áreas alagadas e ao efeito indireto sobre o aumento do desmatamento em escala regional. Além disso, sua construção tem sido frequentemente associada aos escândalos de corrupção e sua garantia física de fornecimento será cada vez mais comprometida pela instabilidade no regime de chuvas, o que já resultou em maior acionamento das usinas termelétricas e aumentou para 27% a participação das fontes não renováveis na expansão da geração elétrica, segundo dados do Balanço Energético Nacional 2015.

Conforme o ISA também vem alertando, para completar o quadro, o atual modelo de expansão hidrelétrica não é capaz de levar energia para centenas de comunidades no interior da floresta, mantendo inalterado o cenário de exclusão energética dos povos indígenas e populações tradicionais. O ISA vem realizando um projeto de instalação de sistemas de geração alternativa nessas comunidades em Roraima, Amazonas, Pará e Mato Grosso.

Para chegarmos em 2050 com energia 100% limpa e renovável, o documento divulgado agora pelo Greenpeace defende que o Brasil precisaria levar adiante uma transformação estrutural do sistema energético, diversificar e descentralizar a matriz elétrica e, sobretudo, fazer da eficiência energética o elemento central dessa transição, capaz de alcançar ganhos de até 47% e garantir a oferta de energia demandando menor aumento na geração. Nesse cenário, a energia elétrica seria produzida cada vez mais perto do consumidor, reduzindo os custos de transmissão e as perdas pelo caminho, e quase a metade de sua oferta seria garantida por sistemas eólicos e solares. O setor de transportes é também prioritário nessa transição, demandando ganhos de eficiência e melhor aproveitamento de cada modal, investimentos em mobilidade urbana e transporte coletivo, elevação da participação dos biocombustíveis e dos veículos elétricos.

A boa notícia destacada no relatório é que essa transição pode resultar também em benefícios sociais e econômicos. Ao contrário do que se costuma imaginar, haveria redução da tarifa de energia com o aumento da participação de fontes à base de biomassa, solar e eólica, enquanto nos últimos anos a tarifa sofreu aumentos seguidos devido à instabilidade das hidrelétricas e do maior acionamento das usinas termelétricas. A indústria das energias renováveis alternativas poderia gerar mais de 600 mil empregos até 2030, aquecendo toda a cadeia de produção e abrindo novos nichos na economia.

Cada vez mais as energias renováveis estão ganhando espaço, com preços em queda e recordes de investimento, enquanto as energias sujas estão em declínio e com maior risco de investimento. E já existe uma transformação em curso, impulsionada não apenas pela necessidade urgente, mas também pela certeza de que essa transformação já é tecnicamente possível e economicamente viável. Entretanto, os ecossistemas e o planeta como um todo vem dando sinais fortes de esgotamento, mostrando que estamos chegando perto de um limiar perigoso, que, uma vez atingido, pode não ter mais volta. Portanto, é preciso pressa para reconciliar a sociedade com o planeta, e o relatório do Greenpeace pode ajudar a esquentar esse debate e, tomara, acelerar essa transformação.