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Desmatamento em Terras Indígenas na Amazônia já é o triplo do registrado em 2015

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Roubo de madeira e grilagem são os principais causadores do desflorestamento, que já soma quase 20 mil campos de futebol em 2016. Novidade é salto no corte raso nas áreas protegidas
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O desmatamento realizado dentro das Terras Indígenas (TIs) da Amazônia, este ano, já é quase o triplo do registrado em todo o ano passado. Entre janeiro e agora, foram desflorestados 188 quilômetros quadrados nessas áreas – o que corresponde a quase 20 mil campos de futebol. Em 2015, esse número foi de 67 quilômetros quadrados.

O dado foi obtido pela Fundação Nacional do Índio (Funai) a partir da análise das mesmas imagens de satélites usadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para produzir a taxa anual oficial de desmatamento para toda a Amazônia. Portanto, a informação tende a ser confirmada, com pequena margem de erro. Ela foi divulgada, ontem (5/10), em seminário realizado pelo Ministério do Meio Ambiente, em Brasília.

Há 419 TIs na Amazônia, que somam 115.342.101 de hectares ou 1.153.421 quilômetros quadrados, segundo o Programa Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA.

O salto do desmatamento nas TIs é indício de uma possível nova alta na taxa para toda a Amazônia, cuja estimativa preliminar, para o período entre agosto de 2015 e julho de 2016, só será divulgada no final do ano. O órgão indigenista resolveu antecipar o levantamento para as TIs para orientar suas operações de fiscalização.

As TIs estão entre as áreas menos desmatadas na região, com uma taxa acumulada de cerca de 2% do total de sua extensão. De acordo com a Funai, o desflorestamento nessas áreas é ainda menor que nas Unidades de Conservação (UCs), como Parques Nacionais. Para os pesquisadores e representantes da sociedade civil que estiveram no evento, a barreira ao avanço da fronteira agrícola representada por TIs e UCs pode estar começando a ruir.

“O desmatamento está gritante no momento”, alertou Tatiana Vilaça, coordenadora geral de Monitoramento Territorial da Funai. De acordo com ela, o corte seletivo de árvores realizado por madeireiros ilegais é até certo ponto comum nas TIs por ser mais difícil de ser identificado pelos satélites. Por isso, o salto tão grande no desflorestamento completo nessas áreas chamou atenção dos técnicos da Funai.

Vilaça ressaltou que os principais vetores do desmatamento vêm de fora das TIs: grilagem, exploração madeireira ilegal e pecuária. Ela chamou a atenção para a situação de Rondônia e Pará e das TIs Cachoeira Seca (PA) e Andirá-Marau (PA/AM). Localizada na área de influência da usina de Belo Monte, Cachoeira Seca foi a TI mais desmatada entre 2012 e 2015, de acordo com o Inpe.

Vilaça denunciou que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) está sendo usado para tentar legalizar a grilagem em TIs. Ela informou que já há decisões judiciais de primeira instância que estão usando o recibo do cadastro para tentar comprovar a regularidade de posses de não indígenas nessas áreas. Teoricamente, o documento não tem nenhum valor fundiário. O CAR foi instituído pelo novo Código Florestal e pretende identificar as áreas desmatadas ilegalmente que precisam ser reflorestadas nas propriedades rurais.

Maior aumento da taxa em quatro anos

No seminário, foi apresentada oficialmente a taxa revisada do desmatamento na Amazônia para o período entre 2014 e 2015. Foram destruídos 6.207 quilômetros quadrados de floresta, um acréscimo de 6,45% em relação ao índice preliminar divulgado em novembro, 5.831 quilômetros quadrados. O aumento em relação a 2013-2014 foi de 24%, e não de 16% – o maior em quatro anos e o segundo período sucessivo de acréscimo da taxa.

Especialistas e ambientalistas avaliam que a nova alta no ritmo de destruição da floresta resulta da fragilização do Código Florestal, da redução de UCs e dos investimentos em grandes obras na Amazônia promovidos pelo governo nos últimos cinco anos. Se uma nova tendência de crescimento desse ritmo estiver em curso, estarão em risco nossas metas de redução do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa definidas na legislação e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil (saiba mais).

A coordenadora de Política e Direito do ISA, Adriana Ramos, avaliou que a descontinuidade das ações do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento é uma das responsáveis pelo novo salto no desflorestamento. “A sinalização que temos dado como sociedade para a importância das TIs é péssima. Os direitos indígenas estão cada vez mais fragilizados diante de outros interesses. É quase natural que isso venha a se refletir no desrespeito dos próprios limites dessas áreas”, analisou, no seminário. Ela cobrou do governo a retomada das demarcações e uma ação firme no Congresso contra os vários projetos que pretendem fragilizar os direitos indígenas.

“É muito preocupante”

"A alta do desmatamento revela o comprometimento do Estado brasileiro com a questão ambiental e com a política de proteção das TIs. Embora o mundo inteiro discuta a redução do desmatamento para conter o aquecimento global e o Brasil tenha apresentado metas de redução do desmatamento ilegal, nem isso estamos conseguindo fazer. É muito preocupante. Isso tem a ver com a flexibilização da legislação ambiental, com o avanço do agronegócio, do desmatamento associado à construção das hidrelétricas e as políticas de desenvolvimento do governo. A exploração madeireira ilegal tem aumentado nas TIs. Isso não é novidade. Temos de ter uma política efetiva de proteção. Não é de agora que estamos dizendo isso.”

Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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