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Base parlamentar de Temer abre florestas ao desmatamento e à grilagem

Território equivalente a quatro vezes o município de São Paulo deixa de estar sob domínio público. Medidas não discriminam ocupantes de boa-fé de especuladores e desmatadores ilegais
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O plenário da Câmara aprovou, entre a tarde de ontem e a madrugada de hoje (17/5), depois de mais de doze horas de sessão, medidas que, na prática, significam a retirada da proteção ambiental de quase 600 mil hectares de florestas no Pará e em Santa Catarina.

A redação original das Medidas Provisórias (MPs) 756/2016 e 758/2016 enviadas ao Congresso, em dezembro, reduzia duas Unidades de Conservação (UCs) no Pará, desprotegendo 305 mil hectares. Nas comissões mistas que analisaram as MPs, senadores e deputados ruralistas ampliaram a extensão ameaçada para quase 1,2 milhão de hectares, afetando cinco UCs (saiba mais). Na votação de ontem, porém, a base parlamentar do governo Temer recuou após pressão de parlamentares e organizações ambientalistas. O dano ambiental foi reduzido, mas ainda é enorme: o território sob risco equivale a quatro vezes o município de São Paulo.

As MPs seguem agora para o plenário do Senado. Elas caducam no dia 29/5. Se forem aprovadas até lá, vão à sanção do presidente. Depois disso, Michel Temer tem 30 dias para se manifestar sobre o assunto.

Conforme os textos aprovados, o Parque Nacional (Parna) do Jamanxim perde 101 mil hectares e a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, 486 mil hectares. Ambas as áreas ficam no sudoeste do Pará. O Parna de São Joaquim, em Santa Catarina, também perdeu 10,4 mil hectares, cerca de 20% de sua extensão original (veja tabela abaixo).

Se Temer não vetar as medidas, no Pará todo esse território será transformado em Área de Proteção Ambiental (APA), tipo de UC com grau mínimo de proteção ambiental, que permite compra e venda de terras em seu interior, o corte raso da vegetação, agricultura, pecuária e mineração. Na prática, os 600 mil hectares ficarão disponíveis para grilagem, garimpo e desmatamento ilegal (leia a nota técnica do ISA).

A justificativa do governo e dos parlamentares ruralistas paraenses para aprovar as MPs, reduzindo a proteção dessas áreas, é permitir a construção da ferrovia conhecida como “Ferrogrão”, entre Mato Grosso e Pará, e a regularização fundiária de pequenos produtores rurais.

"Em 2009, o governo identificou que as ocupações legítimas poderiam ser regularizadas com a desafetação de 80 mil hectares. Depois disso, várias operações da Polícia Federal revelaram que a grilagem e o desmatamento aumentaram na região, sob o controle do crime organizado. Nesse cenário, regularizar todos, sem diferenciar famílias com ocupações legítimas e grileiros de terra, é uma mensagem de que o crime compensa e um incentivo à invasão e desmatamento de terras públicas", denuncia Ciro Campos, assessor do ISA.

“O Brasil vinha reduzindo o desmatamento nos últimos anos e essas medidas vão em sentido contrário, colocando em risco os acordos internacionais assinados pelo Brasil de combate ao desflorestamento e às mudanças climáticas”, advertiu o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ). “Não vamos reduzir o desmatamento legalizando o desmatamento”, ironizou. O parlamentar reforçou que a mudança dos limites das UCs não poderia ser efetivada por meio de MPs, que têm como critérios a urgência e relevância do tema, mas por projetos de lei.

O líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), negou que a aprovação das MPs seja um prêmio para criminosos ambientais e especuladores. “Não me parece ser este o propósito das MPs como foram colocadas”, afirmou, em entrevista ao ISA. O parlamentar disse não ter informações sobre pessoas que ocuparam a região ilegalmente após a criação das UCs, em 2006.

“A única coisa que estamos fazendo é aproveitando as MPs para arbitrar conflitos”, defendeu o deputado José Priante (PMDB-PA), relator das medidas na Comissão Mista e no plenário da Câmara. Ele insistiu que a maioria dos produtores rurais da região tem posses e propriedades regulares e que as APAs vão facilitar a regularização fundiária e a fiscalização ambiental.

“A Mata Atlântica já está completamente devastada e a MP prevê retirar áreas do Parque Nacional de São Joaquim. O que acontecerá com esses dez mil hectares que serão retirados do parque? Serão devastados também”, completou a deputada Érica Kokay (PT-DF).

Durante horas, por meio da apresentação de uma série de requerimentos, PT, PSOL, Rede, PCdoB e PMB lutaram para adiar a votação, tentar aprofundar o debate das medidas e obrigar os deputados a votar nominalmente, para expor publicamente a intenção de retalhar as UCs.

O deputado Edmílson Rodrigues (PSOL-PA) avisou que sua legenda deverá entrar com uma ação contra as MPs 756 e 758. O parlamentar argumentou que a aprovação das duas MPs faz parte do pacote de medidas do governo apoiadas pela bancada ruralista destinadas a regularizar terras griladas. Está na pauta do plenário a MP 759, que permite legalizar áreas públicas de até 2,5 mil hectares em todo o país (leia mais).

O deputado Zé Geraldo (PT-PA) foi uma exceção na bancada petista ao defender a redução das florestas protegidas. Apesar disso, foi aplaudido por seus colegas quando foi à tribuna. "Estou defendendo a regularização fundiária. Aqui não me interessa saber quem é grileiro e quem não é, porque nós temos marco regulatório", disse.

A pressa do governo em aprovar as MPs explica-se pela necessidade de limpar a pauta do plenário para a aprovação, nas próximas semanas, da reforma da Previdência. Deputados da oposição acusaram o Planalto de usar a aprovação das duas medidas para obter o apoio da bancada ruralista para a reforma.

Última hora

A Reserva Biológica (Rebio) Nascentes da Serra do Cachimbo, com 342 mil hectares, acabou saindo ilesa por meio da aprovação de um destaque. Já segundo o texto da Comissão Mista que analisou a matéria, a área deveria perder 50% de sua extensão.

Na última hora, cerca de 1h30 da madrugada, um acordo firmado entre o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) e o líder do governo, Aguinaldo Ribeiro, também sob pressão dos deputados ambientalistas, permitiu que fosse rejeitada a emenda do deputado paraense que retiraria 169 mil hectares da Flona de Itaituba II. A área poderia ser disponibilizada para particulares, também como uma APA, o que colocaria em risco a Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku. O entendimento prevê que a proposta de desproteção dessa área seria reapresentada, após ajustes, como um projeto de lei com regime de urgência.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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