Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Em artigo, o sócio fundador do ISA Márcio Santilli contabiliza os reveses dos ruralistas, que tentam aprovar projetos de interesse antes da possível queda de Michel Temer
A semana começou mal para a bancada ruralista na Câmara, com a remoção do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) do Ministério da Justiça. O presidente Michel Temer até ofereceu a Serraglio o Ministério da Transparência, mas ele recusou. Ao que parece, um dos objetivos de Temer seria preservar o foro privilegiado do suplente de Serraglio, ora em exercício, Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), recentemente flagrado transportando uma mala de dinheiro pelos investigadores da Operação Lava Jato. O titular anterior da pasta da Transparência, Torquato Jardim, especialista em direito eleitoral, é o novo ministro da Justiça.
Temer tentou um “roque”, mas a torre caiu. Trata-se do movimento combinado e simultâneo do rei e de uma das torres no jogo de xadrez. Os dois são movidos de modo que a torre fica mais próxima ao rei para protegê-lo.
Já havia se generalizado a avaliação negativa do desempenho de Serraglio na Justiça, mas sua permanência no ministério poderia ganhar uma sobrevida por conta do tsunami político pós-delação dos irmãos Batista, donos da JBS. Estando o próprio presidente em situação desesperadora, acusações ao ministro mais pareceriam chover no molhado.
Mas falou mais alto a conveniência de empoderar Jardim, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para influenciar o julgamento da chapa Dilma-Temer, marcado para 6 de junho.
A efêmera passagem de Serraglio é um dos piores momentos do Ministério da Justiça, desde a sua criação, em 1822.
Serraglio, aliás, frustrou expectativas até de outros ruralistas por não ter conseguido provocar maiores danos às demarcações de Terras Indígenas nos 80 dias em que ocupou o cargo. Os ruralistas já tinham ficado frustrados com a repercussão negativa do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai). No colegiado, vinham acusando, sem provas, pessoas e organizações que trabalham pela a demarcação das Terras Indígenas e pela titulação de quilombos para intimidá-las e incriminá-las perante a opinião pública, pretendendo criar um clima artificial favorável ao esbulho aos direitos constitucionais de índios e quilombolas. Os ruralistas esperavam que, com a Polícia Federal subordinada a Serraglio, esse trabalho ficaria mais fácil.
Após sucessivos adiamentos, o relatório ruralista da CPI teve a sua votação concluída nesta terça (30/05), tendo sido aprovadas propostas de desmonte dos direitos e das políticas para povos indígenas e quilombolas e pedidos arbitrários de indiciamentos de dezenas de pessoas que trabalharam nas demarcações que incidem em regiões de interesse eleitoral dos ruralistas da CPI (saiba mais).
A divulgação dessas propostas coincidiu com a divulgação pelo governo de outras medidas de desmonte, inclusive a exoneração do presidente da Funai, que saiu denunciando pressões para a nomeação de pessoas indicadas pelo PSC e por ruralistas para funções de confiança na estrutura do órgão. Para completar, o relator da CPI, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que é também o atual presidente da bancada ruralista, resolveu divulgar, ao mesmo tempo, o seu projeto de lei para instituir a possibilidade de remunerar trabalhadores rurais com alimentos e outros bens de consumo, em vez de dinheiro, prática peculiar ao regime de escravidão abolido no Brasil em 1888.
Escancarados os seus objetivos, o relatório não será capaz de alavancar as proposições legislativas atentatórias aos direitos das minorias, conforme pretendiam os que se dizem defensores do agronegócio. Com a remoção de Serraglio, ficará mais difícil para manipularem a Polícia Federal.
Com tudo isso, os ruralistas estão enterrando de vez as chances de aprovação – até por este Congresso – de projetos como a Proposta de Emenda (PEC) 215, que pretendia transferir do Executivo para o Congresso o poder de decidir sobre os limites das terras indígenas e quilombolas a serem demarcadas ou tituladas. Essa PEC foi aprovada por uma comissão especial da Câmara, também dominada por ruralistas, mas foi rechaçada por 60% dos senadores, por meio de um documento público divulgado antes mesmo dela seguir para a apreciação no Senado.
Os reveses ruralistas resultam da distorção de agenda imposta pelo núcleo mais radical da bancada: em vez de priorizar a pauta da produção e das cadeias produtivas dos setores mais dinâmicos do agronegócio, a bancada desperdiça energias tentando arrancar direitos dos demais grupos sociais do Brasil rural e respaldando a grilagem de terras públicas e o desmatamento ilegal. Os insucessos decorrentes dessa distorção prometem marcar a sua atuação na legislatura atual.