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De volta ao integracionismo?

Grupo de 27 organizações e articulações indígenas e indigenistas, entre elas o ISA, divulga nota de repúdio a portarias do Ministério da Justiça que sinaliza políticas indigenistas autoritárias
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Um conjunto organizações e articulações indígenas, indigenistas e quilombolas, entre elas o ISA, divulgou, hoje (13/7), uma nota de repúdio à Portaria 541/2017, publicada na semana passada, e à portaria 546/2017, publicada hoje e que substituiu a anterior, ambas do Ministério da Justiça.

A primeira criava um grupo de trabalho para formular propostas que visariam à "integração social" de indígenas e quilombolas. O grupo seria formado por um representante da Fundação Nacional do Índio (Funai) e todos os outros servidores de órgãos da Segurança Pública, como a Polícia Federal. A Portaria 546 apenas substituiu a expressão "integração social" por "organização social", além de trocar um dos integrantes do grupo de trabalho.

As organizações e articulações que assinam a nota de repúdio avaliam que as duas portarias sinalizam para políticas indigenistas de caráter integracionista, intervencionista e autoritário, a exemplo daquelas desenvolvidas pela Ditadura Militar. "O discurso da integração e da assimilação da ditadura militar serviu para legitimar, nos campos jurídico e teórico, a usurpação das terras indígenas sob o pretexto da perda da identidade desses povos", diz a nota (leia a íntegra do documento abaixo).

Nos últimos anos, a sociedade tem assistido a uma acelerada escalada de violência contra os povos indígenas no Brasil, diretamente relacionada a uma série de iniciativas no âmbito dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário que visa à desconstrução dos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988. Trata-se, sem dúvida, do contexto mais adverso enfrentado por esses povos desde o processo de redemocratização do país e a consagração do direito originário dos povos indígenas sobre seus territórios, bem como à sua organização social, costumes, línguas e tradições – gravemente ameaçados nos dias de hoje.

Se a incompatibilidade entre a Constituição Federal de 1988 e medidas como a PEC 215 e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (para citar duas dentre as dezenas de iniciativas anti-indígenas que têm se proliferado em anos recentes) já era flagrante, dois atos do Poder Executivo relacionados aos povos indígenas e quilombolas nos últimos dias parecem ter sido extraídos diretamente do Diário Oficial da União de décadas atrás, próprios do regime de exceção da ditadura militar no Brasil.

A criação, em 6 de julho último, de um Grupo de Trabalho “com a finalidade de formular propostas, medidas e estratégias que visem à integração social das comunidades indígenas e quilombolas” guarda notável semelhança com os ideais integracionistas da doutrina de segurança nacional. A simples criação do GT nestes termos já seria assustadora, por remeter à perigosa associação com paradigmas aculturativos, há muito tempo abandonados pela antropologia e pelo indigenismo oficial, e em total desacordo com os princípios instituídos pela Constituição de 1988. .Em função de fortes críticas dos movimentos indígenas e indigenistas e de imediata manifestação do Ministério Público Federal, a referida portaria foi reeditada em 13/07/17 simplesmente substituindo o termo “integração social” por “organização social”. Ou seja, a emenda ficou ainda pior que o soneto, pois formular propostas para a organização social de povos indígenas e quilombolas continua mantendo uma clara perspectiva intervencionista e etnocêntrica do Estado sobre essas populações, que não consegue esconder as reais intenções e objetivos do GT. E todas as objeções colocadas pelo documento do MPF continuam sem resposta na “nova” portaria.

Reforça ainda mais essa iniciativa totalmente inconveniente e inconsequente o fato do GT ser composto quase exclusivamente por membros de órgãos de segurança e desprovido da presença de qualquer instituição que atua com as comunidades quilombolas, embora estas sejam também objeto do Grupo de Trabalho. O prazo exíguo para a elaboração e apresentação do plano de trabalho (15 dias) e do relatório do GT (30 dias após aprovação do plano de trabalho) também demonstra claramente que não se prevê nenhum tipo de consulta aos povos e comunidades afetados pelas “propostas, medidas e estratégias” advindas do GT, em flagrante desrespeito à Convenção 169 da OIT.

O segundo ato, publicado seis dias após a criação deste GT, foi a efetivação do general Franklinberg Ribeiro de Freitas na presidência da Fundação Nacional do Índio, cargo que vinha ocupando interinamente desde 9 de maio de 2017, apesar de inúmeros protestos por parte dos povos e organizações indígenas. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Em entrevista coletiva por ocasião de sua exoneração, o antecessor do general, Antônio Fernandes Toninho Costa, afirmou que o órgão vive “uma ditadura que não permite o presidente da Funai executar as políticas constitucionais”. Paradoxalmente, o pastor evangélico Toninho Costa havia sido indicado pelo mesmo Partido Social Cristão (PSC) do general Franklinberg. As graves denúncias feitas por ele escancaram a utilização da Funai como moeda de troca pelo governo Temer e a subordinação da política indigenista aos interesses da bancada ruralista no Congresso Nacional. O Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), criado em 2015 e instalado em abril de 2016, fez apenas duas reuniões e não houve mais nenhuma iniciativa do MJ em convocar novas reuniões do Conselho, num flagrante desrespeito às organizações indígenas. Também é digno de nota o fato do governo federal não ter feito nenhum movimento até o momento para implementar as resoluções aprovadas durante a Conferência Nacional de Política Indigenista, por ele mesmo convocada em 2015.

O discurso da integração e da assimilação da ditadura militar serviu para legitimar, nos campos jurídico e teórico, a usurpação das terras indígenas sob o pretexto da perda da identidade desses povos. Vale ainda lembrar que foi justamente esse discurso integracionista que justificou a ideia de “emancipação”, defendida pelos militares no final dos anos 1970, o que motivou forte resistência dos povos indígenas e da sociedade civil. Preocupadas com o processo de militarização e enfraquecimento da Funai, e com os contínuos ataques aos direitos indígenas, as organizações abaixo assinadas repudiam publicamente a criação do referido GT e exigem sua imediata revogação.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo(APOINME)
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE)
Articulação dos Povos Indígenas do Sul(ARPINSUL)
Conselho Terena
Comissão Guarani Yvyrupá
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira(COIAB)
Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq)
Grande Assembleia do Povo Guarani(ATY GUASSU)
União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB)

Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIC)
Associação Terra Indígena Xingu (ATIX)
Associação Wyty-Catë dos Povos Timbira do Maranhão e Tocantins (Wyty-Catë)
Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina)
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)
Hutukara Associação Yanomami (HAY)
Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac)
Organização Geral Mayuruna (OGM)

Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ)
Centro de Trabalho Indigenista (CTI)
Coletivo de Profissionais de Antropologia (Aproa)
Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC)
Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Instituto Catitu
Instituto Socioambiental (ISA)
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (IEPÉ)
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Operação Amazônia Nativa (Opan)
Rede de Cooperação Amazônica (RCA)
Relatoria da Plataforma Dhesca

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