Você está na versão anterior do website do ISA

Atenção

Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.

Terra Indígena Tapeba (CE) é a primeira declarada pelo governo Temer

Esta notícia está associada ao Programa: 
Portaria Declaratória foi publicada depois de negociações polêmicas que resultaram na perda de cerca de 10% da área
Printer-friendly version

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, publicou, ontem (4/9), a Portaria Declaratória de Terra Indígena (TI) Tapeba, com 5,2 mil hectares, em Caucaia (CE), na região metropolitana de Fortaleza.

Essa é a primeira portaria de TI publicada pela administração de Michel Temer. Em quase um ano e quatro meses, o presidente não assinou nenhum decreto de homologação de TIs, uma das últimas e a principal etapa do processo de demarcação. A Fundação Nacional do Índio (Funai) publicou nove relatórios de identificação no período. O desempenho de Temer é considerado o pior para os direitos indígenas desde a Redemocratização.

Há duas semanas o mesmo Torquato Jardim anulou a portaria declaratória da TI Jaraguá (SP), de pouco mais de 532 hectares, confinando 700 índios guarani em menos de 2 hectares (saiba mais). Temer também adotou como diretriz oficial um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que restringe drasticamente os direitos dos índios às suas terras (leia mais).

Os cerca de sete mil índios que vivem na TI Tapeba estão comemorando a portaria. De acordo com ela, no entanto, a área perdeu 544 hectares, perto de 10% da extensão total prevista originalmente no relatório de identificação publicado, em 2013, pela Funai.

A redução resultou de uma polêmica negociação de dois anos, conduzida pelo governo federal, após a demarcação ser suspensa três vezes por decisões judiciais. No início das conversas, os líderes indígenas chegaram a qualificar a proposta de redução de território de “indecente e imoral”. Em 2015, porém, acabaram recuando.

As negociações envolveram a Funai, governo estadual, prefeitura, lideranças indígenas e uma das mais poderosas famílias de políticos da região, os Arruda Coelho, que tinha uma fazenda sobreposta à TI. Foram retirados do território indígena parte da propriedade, trechos de um projeto habitacional e de uma área onde há uma escola e será construído o fórum municipal (veja mapa). A família foi incluída nas tratativas por ter obtido uma decisão judicial que paralisou a demarcação. Pelo acordo, oficializado pela Justiça Federal no Ceará em abril do ano passado, os Arruda Coelho e a prefeitura de Caucaia desistem de suas pretensões na área e de qualquer ação judicial.

Na avaliação das lideranças indígenas entrevistadas pelo ISA, o acordo foi a solução possível diante da disputa pela terra que se arrasta há 32 anos. “A pressão eu acho que ela se deu não pela esfera política, embora tenha tido interesse do governo do estado e do próprio governo federal de colocar um ponto final nisso. A pressão principal considero resultado das próprias decisões no Poder Judiciário”, avalia Weibe Tapeba, coordenador da Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Ceará (Copice) e membro do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). “Tudo ia voltar para a estaca zero novamente. Por esse histórico de conflito, já é muito tenso aqui na região. Certamente, reiniciaria pela quarta vez um processo com muita fragilidade”, analisa.

Luta pela terra não chegou ao fim

Mas a luta dos Tapeba por suas terras ainda não chegou ao fim. O processo demarcatório precisa ser finalizado, com a demarcação física e a assinatura do decreto de homologação pela Presidência da República. A Funai tem de pagar pelas benfeitorias de boa-fé de vários posseiros e retirá-los da área. Há ainda cerca de mil ocupantes não indígenas na TI. Os que ainda têm ações judiciais não devem desistir delas facilmente.

Gabriel de Abreu Domingos Tapeba acredita que a publicação da portaria fortalece a posição da comunidade diante desse cenário difícil. “Com a portaria, sentimos que teríamos uma segurança a mais para todas as famílias”, diz. Ele informa que o governo federal não definiu um prazo para retirada dos não indígenas da área. Diante do arrocho orçamentário pelo qual passa a Funai, a perspectiva para que isso ocorra é incerta.

Os índios também esperam que a portaria facilite a finalização da demarcação e a implantação de serviços públicos. O acordo prevê a recuperação das margens do Rio Ceará, a relocação de famílias indígenas que estão hoje em áreas de risco, implantação de saneamento, a construção de escolas, casas e postos de saúde. Ainda segundo o entendimento, a Funai continuará atuando para evitar que as ações judiciais restantes travem novamente a demarcação.

Risco para outras demarcações

O antropólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Henyo Trindade Barretto concorda que a portaria declaratória pode ser considerada uma vitória da comunidade indígena. Ele coordenou os dois últimos grupos técnicos de identificação da TI Tapeba.

Barreto receia, no entanto, que o caso seja usado como orientação geral para as demarcações. “Se isso vier a ocorrer, pode ser lesivo a outros povos indígenas. Porque o trabalho técnico-administrativo da Funai e de colaboradores será subordinado a juízos de conveniência política. Esse é um risco claro, considerando que o atual governo não tem interesse em demarcar as TIs em conformidade com os estudos técnicos”, aposta.

“É provável que o movimento indígena tenha de aprofundar discussões sobre as condições em que os índios devem ser consultados e envolvidos em acordos sobre os limites de terras a serem demarcadas daqui para frente”, defende o sócio fundador do ISA Márcio Santilli. “Também deve ser considerada a opção de indenizar eventuais portadores de títulos legítimos em vez de reduzir a extensão da área e violar os direitos constitucionais dos índios. Existem propostas para isso tramitando no Congresso, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 132, que já foi até aprovada pelo Senado, mas que os ruralistas não querem deixar andar na Câmara porque apostam na continuidade dos conflitos para obterem votos fáceis nas próximas eleições”, conclui.

Oswaldo Braga de Souza, com informações de Victor Pires
ISA
Imagens: