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STF inicia o mais importante julgamento sobre meio ambiente da história

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Jean Paul Metzger, especialista em Ecologia da Paisagem e Biologia da Conservação, professor titular da USP; Carlos Alfredo Joly, professor titular de Ecologia Vegetal da Unicamp e membro da Academia Brasileira de Ciências

Em artigo, dois dos maiores especialistas no país - Jean Paul Metzger e Carlos Joly - falam sobre o julgamento das ações contra à Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que revogou o antigo Código Florestal. Início do julgamento foi adiado de ontem para hoje. O texto foi publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo, em 14/9/2017

Nesta quarta (13/9), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão começar a se pronunciar sobre as quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contra a Lei 12.651/12, de Proteção da Vegetação Nativa, que revogou o antigo Código Florestal, de 1965. A norma é responsável pela preservação da vegetação nativa nas propriedades privadas, o que equivale a 53% de toda cobertura vegetal nativa do Brasil. Essa é uma decisão vital para o futuro do país: o que está em jogo é nossa segurança alimentar, hídrica, climática e energética.

Apesar de sua relevância, a lei vigente até 2012 não era ou era pouco cumprida e precisava de uma revisão. A nova lei trouxe avanços importantes, como programas de incentivo ao seu cumprimento e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que permite mapear, pela primeira vez em escala nacional, os limites das propriedades, as áreas de vegetação nativa, os passivos e ativos ambientais, permitindo o monitoramento das ações de adequação ambiental.

Apesar desses avanços, a nova legislação flexibilizou em demasia as exigências de proteção e restauração da vegetação. Houve ampla anistia a proprietários que desmataram ilegalmente antes de julho de 2008, o que reduziu o passivo ambiental brasileiro em 41 milhões de hectares, o equivalente a duas vezes o território do Paraná. A proteção de áreas mais sensíveis e vitais, como beiras de rio, nascentes, várzeas e topos de morro foi diminuída, aumentando os riscos de enchentes, assoreamento de rios e deslizamento de encostas. Essas são agressões aos “processos ecológicos essenciais” e à “sadia qualidade de vida”, garantidos pelo artigo 225 da Constituição.

Apesar da reforma da lei ter tido o objetivo de não prejudicar os pequenos proprietários, beneficiou principalmente os grandes. Dos 41 milhões de hectares desmatados ilegalmente e anistiados, cerca de 24 milhões de hectares, ou quase 60% do total, estavam em grandes propriedades. Caso o STF mantenha a lei atual, estaria essencialmente consolidando um benefício aos grandes produtores rurais.

Esse movimento de flexibilização, iniciado com um desconforto do setor agropecuário em ter de conservar ou restaurar a vegetação nativa, ignorou dois pontos essenciais. Primeiro, não há necessidade de retirar vegetação nativa para expandir a produção agrícola. Há pelo menos 55 milhões de hectares de pasto com aptidão agrícola, que atualmente estão subutilizados, e que poderiam dobrar a área agrícola brasileira, sem prejudicar a produção pecuária que poderia ser facilmente intensificada com tecnologias e boas práticas já disponíveis. Segundo, a vegetação nativa traz múltiplos benefícios à produção agrícola, como proteção de nascentes e aquíferos, controle de pragas e polinização de diversos cultivos. Por exemplo, a polinização por abelhas nativas pode aumentar a produção do café de 20% a 30%. O valor da polinização para todos os tipos de cultivos foi estimado em mais de R$ 2,5 mil por hectare, representando para todo o Brasil cerca de R$ 3,5 bilhões a 6,5 bilhões, apenas em 2016.

O STF pode aperfeiçoar a legislação e assegurar sua principal função: proteger a vegetação nativa. Se mantida a Lei 12.651/12, sem mudanças ou com mudanças menores, está claro que o Brasil estará ainda mais vulnerável às mudanças ambientais e eventos climáticos extremos, como as crises hídricas, que podem afetar a geração de energia, o abastecimento de água e de alimentos. É hora do Brasil investir no seu capital natural, um patrimônio que pode trazer múltiplos benefícios a todos os setores da sociedade, incluindo o setor agrícola.

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