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Na madrugada dessa quarta-feira (13), os Guarani da Terra Indígena (TI) Jaraguá ocuparam o Parque Estadual (PES) do Jaraguá, Unidade de Conservação parcialmente sobreposta à terra guarani, na zona noroeste da cidade de São Paulo. A ação dá continuidade às mobilizações dos indígenas que, no último dia 30, ocuparam por 24 horas a secretaria da presidência na capital paulista (saiba mais). Eles lutam contra a portaria 683/17 do Ministério da Justiça (MJ), que anulou a demarcação da TI Jaraguá, e contra a tese do marco temporal, que o parecer 001/17 da Advocacia Geral da União (AGU) quer tornar regra para todos os processos de demarcação no país. Saiba mais.
Por volta das 4h da manhã, um pequeno grupo ocupou e fechou as duas entradas do parque. Mais pessoas juntaram-se nas horas seguintes e, no início da manhã, uma aglomeração de dezenas de Guarani tomava conta da entrada principal, onde cantavam e conversavam com os ciclistas barrados no portão. Enquanto isso, outro grupo dirigiu-se para o Pico do Jaraguá, no interior do parque, de onde estenderam uma faixa com a palavra “Guarani” no topo da montanha. Lá também estavam alguns dos velhos entoando rezas para fortalecer a luta dos indígenas e proteger o Jaraguá dos ataques dos governos estadual e federal.
Apesar da presença da polícia, as negociações para a continuidade do ato foram tranquilas e a manifestação transcorreu pacificamente. “Nossas crianças hoje estão aqui, nós fechamos o PES do Jaraguá de forma pacífica”, declarou Thiago Henrique Karaí, uma das lideranças presentes. Nos portões, os indígenas conversavam e explicavam as razões do fechamento a todos que queriam entrar no parque. Uma turma de jovens da Ação Social Joilson de Jesus, que iria numa excursão ao parque naquela manhã, desceu do ônibus para entender a situação. Em silêncio, ouviram por alguns minutos a fala de Thiago Henrique a respeito das atuais violações aos direitos indígenas e da situação do Jaraguá. “A população cresceu muito, então a especulação imobiliária é muito grande aqui. Querem especular, fazer condomínio, chácaras e isso afeta muito a nossa população. Nós queremos fazer essa luta, pedimos para que vocês apoiem”. Ao fim, o grupo aplaudiu em concordância.
A sobreposição da TI ao PES tem sido um dos motivos alegados pelo MJ para a anulação da portaria, já que o parque constitui área de proteção integral. “A gente não usa a área do parque nem para plantar nem para morar”, esclarece Jurandir Jekupe, professor e morador da aldeia Ytu, Ele explica que a intenção seria manter uma gestão compartilhada. “A gente estava até com planos de criar brigadas contra incêndios e fazer o monitoramento da área, para que não haja caça ilegal, para garantir a mata sempre preservada e ter mais força junto com eles [gestores do parque] para isso”.
Mas o governo do Estado de São Paulo não levou as propostas à frente. Em vez disso, a administração do governador Geraldo Alckmin (PSDB/SP) tem implementado um projeto de concessão dos parques estaduais paulistas à iniciativa privada. “Nós não queremos destruir a natureza, somos contra a privatização do parque e não vamos aceitá-la”, declarou Arapoty, liderança da aldeia Ita Vera. “Esperamos que o governo abra uma porta para o diálogo para ver quais os primeiros caminhos que podemos tomar juntos”. Por enquanto, não houve nenhuma sinalização do Estado nesse sentido. Saiba mais sobre a lei aprovada pela Assembleia Legislativa de SP sobre a concessão de parques estaduais à iniciativa privada.
A demarcação da TI Jaraguá configura um impedimento nesse projeto do governo paulista, que sugere que a presença dos guarani ali é incompatível com a preservação daquele ambiente. “O governo do Estado sempre foi omisso, nunca quis o diálogo, nunca nos viu com o respeito que devemos ter. O governo não entende que nós estamos antes do Estado, estamos antes de haver parque”, afirmou Thiago Henrique. “O que nós queremos é protegê-lo com a nossa ocupação tradicional, que é de poder circular, poder rezar, cuidar das plantas e da mata”.
Atualmente, nas áreas das retomadas (agora excluídas do perímetro oficial da TI), os guarani do Jaraguá mantêm cultivos de diversas variedades tradicionais de milho e batata-doce, além da criação de abelhas nativas, espécies importantes para a Mata Atlântica e que estão em extinção. Fazem também a manutenção e recuperação de nascentes, comprometidas por desvios de curso impostos por outros moradores e pelo excesso de eucalipto plantado. Nas retomadas, comenta Jurandir, “uma das primeiras coisas que a gente fez foi plantar cerca de 50 pés de árvores nativas num lugar que haviam reduzido a pasto”. E mais recentemente, tem trabalhado na implementação de novas soluções de saneamento, como banheiro seco e fossas com sistema de evapotranspiração (BET). “Hoje, muitos jurua questionam por que os índios querem ‘tanta terra’”, diz Thiago Henrique. “Eles acham que ocupação do território é só você construir algo de concreto e morar. Nós não queremos isso, nós queremos não só morar, mas preservar. Essa é nossa ocupação tradicional. É dessa forma que a gente vive”.