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Ribeirinhos atingidos por Belo Monte exigem retomar seu território

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O Conselho Ribeirinho do Xingu apresentou ao governo e à Norte Energia, em Brasília, sua proposta de retorno para as margens do rio, de onde foram expulsos pela construção da hidrelétrica. Eles reivindicam a criação do território ribeirinho, no Pará
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“Não estamos pedindo, estamos exigindo os nossos direitos”, disse Leonardo Batista, o seu Aranô, para uma plateia de cerca de 100 pessoas na Universidade de Brasília, no último dia 6 de fevereiro. Seu Aranô faz parte do Conselho Ribeirinho, coletivo de 22 ribeirinhos que viviam onde hoje é o reservatório da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Eles vieram à capital federal para reivindicar um território que possibilite a continuidade de seu modo de vida, nas margens do Rio Xingu.

Os ribeirinhos apresentaram à Norte Energia e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), respectivamente empresa concessionária e órgão licenciador da usina, um mapa com as áreas minimamente necessárias para iniciar um processo de recomposição da vida ribeirinha - após terem sido expulsos por Belo Monte. “O ribeirinho sem o território não é ribeirinho. E o meu território me dá ferramentas para construir a minha identidade com dignidade”, explicou Rita Cavalcante, conselheira da localidade do Cotovelo.


É um processo inédito na história da construção de hidrelétricas na Amazônia: uma população que foi desconsiderada pelo licenciamento da obra e que no processo de construção da usina conseguiu ser reconhecida como atingida e, portanto, com direito a reparação. Ao todo, são aproximadamente 235 famílias ribeirinhas, cerca de 1.175 pessoas, que viviam na região em que hoje é o reservatório principal da usina.

O retorno dos ribeirinhos para a beira do rio, por meio de um reassentamento que garanta o acesso ao rio e ao reservatório principal da usina é um marco nos processos de grandes empreendimentos. “As populações que foram tiradas de seus territórios devem voltar para a mesma área e recuperar o seu modo de vida”, reiterou Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga que coordenou o estudo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre o deslocamento forçado e os mecanismos de reparação para os ribeirinhos. [Leia na íntegra].

A Norte Energia e Ibama reconheceram a legitimidade do protagonismo dos ribeirinhos no processo de reassentamento e se comprometeram a analisar a viabilidade de sua proposta territorial. “Saímos daqui com o compromisso de readequar aquilo que não está adequado. Nossa intenção é errar menos”, afirmou José Hilário Portes, superintendente Socioambiental e de Assuntos Indígenas da Norte Energia.

O rio virou lago

Seu Aranô vivia no Paratizão, uma das muitas ilhas e pedaços de terra firme no Rio Xingu que foram alagados em novembro de 2015 para dar lugar ao reservatório principal de Belo Monte. As mais de duzentas famílias ribeirinhas que viviam nas ilhas e margens foram compulsoriamente removidas de suas casas em um processo caracterizado por sistemáticas violações aos direitos humanos.



No total, cerca de 40 mil pessoas foram removidas para dar lugar à usina e seus reservatórios. Os ribeirinhos foram os últimos a serem deslocados, sem que se previsse um tratamento diferenciado nas propostas de reassentamento que reconhecesse suas especificidades históricas e culturais, e que fosse capazes de garantir a continuidade de seu modo de vida após a remoção.“Cada ilha fazia parte da nossa história. Hoje só tem o lago. É uma história muito triste que não vai apagar da nossa memória”, diz Aranô.

Conselho Ribeirinho
Resultado de um longo processo de articulação, os ribeirinhos oficializaram, no final de 2016, o Conselho Ribeirinho. Composto por 22 representantes das localidades impactadas pela usina é a instância coletiva e soberana para definir as dimensões e localizações adequadas das áreas necessárias para a criação do território ribeirinho.

Desde 2015 eles se articulam para garantir o reconhecimento dos membros de suas comunidades e para a construção de uma alternativa viável - em um ambiente social e ecologicamente modificado - ao território que tradicionalmente ocupavam. Diante desse contexto, o Ministério Público Federal convocou, em junho de 2015, uma Inspeção Interinstitucional para verificação em campo do processo de deslocamento dos ribeirinhos. A ação resultou em um relatório com 55 constatações que indicavam uma grave ameaça aos direitos humanos e à possibilidade de manutenção do modo de vida ribeirinho. [Saiba mais].

Em 2016 foi oficializada a criação do Conselho, que assumiu o papel de realizar o reconhecimento social de todas as famílias atingidas pelo enchimento do reservatório. Atualmente o principal esforço do Conselho está voltado para o direito ao território. “Foi preciso um intenso processo de organização social para que a identidade ribeirinha e a natureza de seu território fossem enxergados pelo poder público”, explicou Ana De Francesco, antropóloga do ISA.

A lei garante que em processos de reassentamento sejam ofertadas aos moradores atingidos opções iguais ou melhores ao que tinham antes do deslocamento forçado. Houve uma dispersão das famílias para bairros periféricos da cidade de Altamira onde estão os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs), construídos pela Norte Energia. Em setembro de 2017 a Licença de Instalação de Belo Monte foi suspensa por conta das más condições das moradias. [Saiba mais].

“Os ribeirinhos têm direito ao seu território. Eles já tinham direito quando sequer se começou a imaginar que se podia barrar o Rio Xingu para fazer uma hidrelétrica”, reiterou o advogado Carlos Frederico Marés, sócio fundador do ISA e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Reassentamentos são insuficientes

Das 235 famílias removidas, 121 já foram reassentadas pela Norte Energia. O reassentamento, no entanto, foi feito exclusivamente dentro da Área de Preservação Permanente (APP) do reservatório principal da usina, cuja área já tinha sido comprada pela Norte Energia.



A pequena dimensão das áreas distribuídas, a insegurança territorial e as restrições ambientais inerentes à função ecológica da APP, impossibilitam a continuidade do modo de vida tradicional ribeirinho - baseado no amplo uso do rio e da floresta, na agricultura itinerante, na pesca, no extrativismo e intensas redes de vizinhança. Muitos dos reassentamentos, ainda, estão em áreas alagadiças, com acesso difícil ou baixa produtividade do solo.

“O direito da pessoa ribeirinha inclui o direito ao seu território tradicional. O ataque a esses povos passa pelo desprezo aos seus conhecimentos tradicionais, a desorganização de suas terras e sua fragmentação em lotes isolados. Passa pela destruição da pessoa tradicional”, afirmou Mauro Almeida, antropólogo e professor da Unicamp que acompanha a situação desde 2015.

Compromisso

Na reunião, em Brasília, o Ibama reconheceu as limitações do atual processo de reassentamento e a necessidade de sua revisão a partir das diretrizes deliberadas pelo Conselho Ribeirinho. “Nós reconhecemos que temos problemas no reassentamento”, admitiu Suely Araújo, presidente do Ibama. “Queremos um território, não um loteamento”, reafirmou Gilmar da Silva Gomes, conselheiro da localidade do Costa Júnior.



A Secretaria de Patrimônio da União (SPU), juntamente com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), comprometeram-se a realizar a análise da situação fundiária da região reivindicada pelos ribeirinhos. Dentro de um mês, os órgãos apresentarão o resultado do trabalho ao Conselho Ribeirinho a fim de avançar no processo de compensação territorial.

Sidrack de Oliveira Correia Neto, secretário da SPU, afirmou que irá estudar maneiras de fazer a titulação coletiva das áreas, associada a uma titulação individual das parcelas de uso familiar, para que os ribeirinhos tenham garantias legais ao território: “A ideia é resolver o mais rápido possível. Não dá pra deixar como está”.

Em um prazo de dois meses, a Norte Energia e o Ibama irão analisar a viabilização da proposta dos ribeirinhos à luz dos estudos da SPU e do Incra.

Isabel Harari
ISA
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