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Corte suprema da Colômbia condena inoperância do governo em combater mudanças climáticas

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Após decisão histórica, Estado deverá apresentar plano para reduzir o desmatamento e garantir direitos essenciais das gerações futuras
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Para a Corte Suprema de Justiça da Colômbia, o governo deste país, vizinho ao Brasil, faz pouco para combater as mudanças climáticas, colocando em risco direitos fundamentais das gerações futuras. Em uma decisão paradigmática, o tribunal determinou na última semana que o Estado colombiano faça um plano para reduzir o desmatamento no país e, com isso, reduza também as emissões de gases que contribuem para o efeito estufa.

Segundo a sentença, o governo deve fazer um pacto intergeracional pela vida da Amazônia colombiana. Para a Corte, equivalente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Brasil, o Estado deve garantir não só direitos fundamentais e coletivos dessa geração como também os das gerações futuras.

Na visão da Justiça, as mudanças climáticas podem comprometer drasticamente o acesso a recursos básicos para sobrevivência, ferindo direitos fundamentais. “Há uma ameaça crescente, inclusive, à possibilidade de existência do ser humano”, assinala a sentença.

“A decisão aponta que existe um risco significativo para as próximas gerações se não forem adotadas medidas agora. E isso fere o direito de todos a um meio ambiente equilibrado, o direito à saúde e à vida digna”, explica Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).

A sentença assinala que o desmatamento também tem consequências diretas para o equilíbrio hídrico do país e para a biodiversidade.



A meta estabelecida é zerar o desmatamento na Amazônia colombiana até 2020. Para isso, a Corte ordena que tanto o governo central quanto os municípios da região elaborem planos para a sua redução nos próximos meses. Os municípios devem atualizar os planos diretores que já foram produzidos e aprovados para incluir a proteção à floresta. Em 2016, ano em que entrou em vigência o acordo de paz entre o governo colombiano e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o desmatamento na região aumentou 44% em relação ao ano anterior.

A decisão citou os municípios de San Vicente del Caguan, Cartagena del Chaira, San Jose del Guaviare, Calamar, La Macarena, Puerto Leguizamo, Solano, Uribe, El Retorno, Puerto Rico, Puerto Guzman, Miraflores, Florencia e Vistahermosa, todos localizados na região da fronteira agrícola da Amazônia colombiana.

A Corte também ordenou que as Corporações Regionais, órgãos ambientais de nível supra municipal, formulem um plano para impedir o corte ilegal da madeira na região amazônica.

Para Biviany Rojas, advogada do ISA, a sentença é mais um reconhecimento de que não existe justiça social sem um meio ambiente equilibrado, e vice-versa. “São duas coisas indissociáveis que sintetizam um dos maiores desafios da Amazônia colombiana no contexto de pós-conflito”, explica. Rojas, que é colombiana, aponta para a necessidade do envolvimento da sociedade civil no acompanhamento da execução da sentença para que a decisão tenha efetividade.

Um comitê interinstitucional para acompanhar o cumprimento da sentença, por exemplo, poderia ser um mecanismo para garantir que a decisão tenha efeitos práticos. Outro ponto de destaque é que a Corte reconhece a Amazônia como um sujeito de direitos, que devem ser garantidos em sua integridade. A ação de litigância climática foi iniciada pela ONG colombiana Dejusticia, representando um grupo de 25 jovens de 7 a 26 anos. Litigância climática são processos em que o Estado ou empresas são responsabilizadas pela falta de atuação no combate às mudanças climáticas.(conheça outras ações de litigância climática no final do texto).

“É uma decisão importante que avança na consolidação conceitual do reconhecimento da natureza como sujeito de direitos que por sua vez gera obrigações de cuidado e manutenção por parte do Estado e da sociedade”, afirma Biviany Rojas.

A sentença se sustenta em documentos importantes do direito humanitário, como a Declaração de Estocolmo, de 1972, que introduziu a pauta ambiental na agenda global, e que serviria de base para a criação do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). A Corte também citou os compromissos assumidos na Rio-92, e a própria Constituição colombiana de 1991, além do Acordo de Paris, de 2015.

Farc e pacificação

A explosão do desmatamento na Colômbia nos últimos anos tem uma ligação direta com o Acordo de Paz assinado em 2016, que pôs fim a um conflito de décadas entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Até então, a Amazônia colombiana era dominada pelas Farc, o que impedia qualquer outra atividade econômica na região. O fim do conflito atraiu fazendeiros e mineradoras, que passaram a explorar a área, muitas vezes de forma ilegal. Isso fez o desmatamento disparar.

A própria sentença aponta que o avanço da fronteira agropecuária e da mineração ilegal são as principais causas para o aumento do desmatamento na Amazônia do país, e afirma que o governo deve “preencher o vazio deixado pelos grupos paramilitares e pelas Farc na região".

“O governo colombiano alega que políticas públicas e recursos já foram alocados para a proteção da região amazônica, mas o ponto questionado pela ação judicial é se estes são suficientes para se contrapor à magnitude, intensidade e velocidade das ameaças e pressões sobre a floresta amazônica no contexto do pós-conflito”, questiona Rojas.

Veja outros casos de litigância climática

Segundo estudo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), em colaboração com a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, ao menos 880 casos de litigância climática foram identificados em 25 países.

A Holanda protagonizou um dos mais emblemáticos. O país foi condenado a reduzir em 25% as emissões até 2020, na comparação com 1990. Foi a primeira vez que as metas de redução foram estabelecidas em relação aos direitos coletivos. A decisão influenciou processos similares na Áustria, Noruega, Suíça e Suécia.

No Paquistão, um fazendeiro processou o Estado pela ausência de medidas para garantir a adaptação às mudanças climáticas. O fazendeiro ganhou a ação e, com isso, o Estado foi obrigado a nomear um ponto focal responsável por essas medidas, além de uma Comissão de Mudanças Climáticas.

Outro caso importante está em julgamento na Alemanha. O fazendeiro peruano Saul Luciano Lliuya processou a RWE, uma das maiores empresas alemãs de energia. Na ação, Lliuya pede que a empresa se responsabilize pelos danos causados pelo degelo nos Andes, consequência das mudanças climáticas, que gerou enchentes na região e prejuízos para ele.

ONGs e membros da sociedade civil conseguiram reverter na Áustria a construção de uma das pistas do aeroporto local. Segundo os litigantes, a pista aumentaria as emissões de gás carbônico na atmosfera. A causa foi reconhecida pelos tribunais do país, e a construção foi suspensa.

Em 2015, 21 jovens apresentaram uma ação contra o Estado norte-americano e empresas petroleiras, pedindo que o país reduza suas emissões. Só assim, segundo a ação, esses jovens poderão ter direitos básicos garantidos no futuro. Um outro caso emblemático nos Estados Unidos obrigou a EPA (Agência de Proteção Ambiental) a regular a emissão de dióxido e gases de efeito estufa pela frota de veículos do país.

Clara Roman
ISA
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