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Para cumprir acordo internacional, Brasil precisaria reduzir desmatamento em 43%

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Dados do Inpe mostram que país ainda está longe de alcançar compromisso assumido em 2009 junto às Nações Unidas
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Até 2020, o país precisaria reduzir quase à metade o desmatamento para alcançar o compromisso estabelecido em 2009 junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. É o que mostra análise feita pelo Instituto Socioambiental (ISA) com dados oficiais do sistema de Monitoramento da Floresta Amazônica por Satélite, o Prodes de 2017, elaborado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Segundo o levantamento, o sistema contabilizou 694.700 hectares desmatados na Amazônia brasileira de agosto de 2016 a julho de 2017. Apesar da redução de 12% em relação aos dados de 2016 (789.300) o número confirma a tendência dos últimos anos: o país se afasta da meta que estabeleceu ao tornar-se signatário do acordo sobre mudanças climáticas da ONU, em 2009.

Durante o segundo mandato do ex-presidente Lula, o Brasil se comprometeu a reduzir em 80% o desmatamento até 2020 em relação ao observado entre 1996-2005. De 2009 a 2012, parecíamos estar no rumo certo. Em 2012, com a taxa de desmatamento em 457.100 hectares, 96% da meta brasileira para 2020 havia sido atingida.

A partir daquele ano, porém, o país começou a se afastar do compromisso estabelecido internacionalmente e as taxas voltaram a crescer. Para cumprir a meta no prazo, a taxa teria que ser reduzida em 43,5%, até 2020.

Segundo Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), se o Brasil não cumprir a sua meta vai perder a posição de liderança e passar à retaguarda nas negociações internacionais sobre clima e florestas. Ele lembra que o Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a assumir uma meta para a redução das emissões.

Não existe nenhuma punição jurídica para o descumprimento do acordo mas, se a tendência se confirmar, o Brasil abandona o protagonismo que conquistou nessas negociações.Para Santilli, isso significa, entre outras coisas, dificultar o acesso do país a projetos que promovem tecnologias limpas ou conservação de florestas.

Áreas Protegidas

Apesar da maior parte do desmatamento na Amazônia acontecer em áreas sem nenhum tipo de proteção, os números indicam que até mesmo áreas que deveriam estar sob a proteção legal do Estado estão sendo desmatadas. Levantamento do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA, baseado nos dados do Prodes, mostram que 5,4% do desmatamento observado no período ocorreu em Unidades de Conservação estaduais e federais.

O ISA elaborou um ranking das UCs federais com os índices mais altos de desmatamento, excluindo as APAS (Áreas de Proteção Ambiental). As APAs permitem terras privadas em seu interior e podem permitir regulamento que possibilita o corte raso de vegetação nativa legalmente. Por isso, foram analisadas separadamente.

Quatro das dez primeiras colocadas no ranking das UCs federais encontram-se no entorno da BR - 163. A rodovia foi construída pelos militares na década de 1970, e parcialmente asfaltada pelo governo Lula na década passada.

É o caso da campeã no ranking das UCs federais, a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim. Apenas em 2017, foram desmatados 2.544 hectares nesta UC. Apesar de campeã no ranking, o número mostra uma queda em relação aos dados apurados ano anterior, que contabilizaram 7.493 hectares.



No ano passado, a Flona do Jamanxim esteve no centro de uma polêmica que envolveu uma Medida Provisória enviada ao Congresso por Michel Temer. A MP 756 partiu do próprio ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e reduzia a Flona em 305 mil hectares, criando uma APA para acomodar as áreas ocupadas ilegalmente na região. Após a tramitação no Congresso, porém, a redemilitação cresceu para 600 mil hectares ao incorporar emendas e demandas da bancada ruralista. Saiba mais aqui e aqui.

Com a intensa mobilização da sociedade civil e de organizações socioambientais - entre elas o ISA - contra a medida, Temer vetou a MP. Logo depois, no entanto, encaminhou texto similar à primeira versão por meio de um projeto de lei, que atualmente tramita na Câmara.

A Flona do Jamanxim foi criada como parte do plano BR-163 Sustentável, em 2004. O plano consistia em uma ação interministerial para evitar que o asfaltamento da rodovia, que liga Cuiabá-Santarém, impactasse a floresta no entorno. Envolvia mais de 10 ministérios, e consistia em uma ação conjunta para evitar o desmatamento: criação de áreas de proteção, regularização fundiária, implantação de planos de manejo e de gestão territorial, restauração de florestas, aumento de fiscalização e de ações da Polícia Federal.

O projeto, porém, não foi executado em sua totalidade. Segundo Juan Doblas, analista do ISA, várias UCs foram criadas, mas não efetivamente implementadas. “A população que ficou no eixo nunca recebeu um apoio consistente e a reação foi sair desmatando”, diz. O próprio ICMBio atribui o desmatamento às falhas na implementação do plano. Segundo o órgão, os demais eixos do programa não foram efetivados, contribuindo para um cenário de conflito ambiental e ocupação irregular de terras.

Durante as obras, mais pessoas chegaram à floresta, cortando as árvores para liberar o solo para a criação de gado e soja. Segundo levantamento do ICMBio, com base em censo feito em 2009 e registros do CAR (Cadastro Ambiental Rural), 382 pessoas reivindicam terras na Flona do Jamanxim. Segundo ranking do ISA, o desmatamento não é uma particularidade de Jamanxim: 4 das 10 UCs federais mais desmatadas estão no entorno da BR-163. São elas, além de Jamanxim, a Flona Itaituba II, o Parque Nacional Rio Novo e Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo.

Em Itaituba II, por exemplo, o desmatamento mais que dobrou entre 2016 e 2017. Já o Parna do Rio Novo teve 67% de aumento do desmatamento no período.

“É preocupante constatar, depois de 15 anos, que as ações de estímulo ao desenvolvimento local foram fracamente implementadas. Tem que olhar com prioridade daqui para frente. Para que os proprietários possam ter sucesso com uma produção feita de modo sustentável”, afirma Ciro Campos, pesquisador do ISA. Para ele, a presença do Estado e das instituições no local não se concretizou.

Segundo Rodrigo Cambará, analista do ICMBio que atua com regularização fundiária na área, existem inúmeras denúncias de grilagem e emissão de documentos frios no cartório de Novo Progresso, município onde parte da Flona está localizada. Além de criação de gado e soja, a floresta sofre com a ação de madeireiros e do garimpo. Desde 2000, cerca de 164.800 hectares foram desmatados na floresta.

Para Cambará, o conflito na área está instalado, e a tensão é constante. “Em Novo Progresso, ninguém confia em ninguém”, explica. “ Existe uma tensão na relação entre o poder público e a população local”, diz. No último mês, foi identificado em Jamanxim, segundo ele, uma nova área de desmate de 1.500 hectares - mais da metade de toda a área desmatada identificada pelo Prodes no ano anterior.

“O contexto de criação foi de conflito e o conflito não foi resolvido, o que explica essa situação de desmatamento tão grande”, afirma Doblas.

Para Cambará, do ICMBio o desmatamento é o termômetro desse conflito: quando a tensão aumenta, cresce o desmate. Ele defende um ordenamento territorial da região, o que seria feito por meio do Projeto de Lei que tramita no Congresso. Isso significa regularizar a situação de algumas das pessoas que já ocupavam a terra antes da Flona, que seriam estabelecidas na APA. Outras sofreriam reintegração de posse e liberariam o território. “A área de APA pega a parte mais desmatada da Flona e sob intensa disputa. Ali, as fazendas poderão ser regularizadas e a APA terá um plano de manejo. Na área de Flona podemos avançar com a concessão florestal”, diz ele.

Segundo Antonio Oviedo, do programa de Monitoramento do ISA, essa medida não reduziria a pressão na área, e poderia sinalizar apenas uma anistia ao desmate, estimulando novas invasões. Por isso, desde o princípio, o ISA se posicionou contrário ao projeto. “Os resultados do desmatamento na Flona Jamanxim mostram que o Plano BR-163 Sustentável implementou suas ações de forma limitada”, diz ele.

Para Juan Doblas, alterar a delimitação da Flona, transformando-a em APA é dar um passo para trás e não vai resolver o problema. “Isso estimula as pessoas a desmatar mais na esperança de que no próximo ciclo do governo, as terras que estão desmatando fiquem desprotegidas e possam ser vendidas”, diz ele.

O ICMBio afirma que o PL enviado ao Congresso contém dispositivos legais que impediriam uma nova frente de desmate: os títulos emitidos estariam condicionados a ausência de desmate ilegal, haveria uma limitação de corte de floresta em 20% da área e a destinação prioritária dos remanescentes florestais seria para a produção florestal sustentável.

“Em princípio, a transformação de parte da Flona em APA não deveria impactar no desmatamento. Agora, a não resolução do problema, que só pode ser feita pelo Congresso, este sim tem impactos, porque os grupos de pressão continuam atuando”, afirma Luiz Felipe de Luca, Coordenador Geral de Proteção do ICMBio.

Ferrogrão

Outra ameaça que paira sobre a área é a ferrovia Ferrogrão, idealizada com o intuito de escoar a produção de soja para os portos do Norte do país, cortando os Estados do Mato Grosso e Pará. Segundo Oviedo, a ferrovia reduziria o custo para a exploração agrícola nesse trecho da Amazônia ao baratear o valor do transporte. Isso aumentaria a demanda por território (terras agricultáveis) nesta região.

Com isso, as terras localizadas nessa região estarão entre as mais ameaçadas da Amazônia. “O preço da terra ao longo da rota da Ferrogrão já está aumentando, e há relatos de que a pressão sobre a Flona do Jamanxim está crescendo em consequência disso”, afirma Oviedo.

Clara Roman
ISA
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