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Surto de malária afeta rendimento escolar no Alto Rio Negro

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Campeã em casos da doença em 2018, cidade indígena de São Gabriel da Cachoeira (AM) registra déficit de aprendizado e evasão de estudantes devido à epidemia
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Crianças, adolescentes e jovens são as principais vítimas do surto de malária que atinge São Gabriel da Cachoeira (AM). Dos 8138 casos registrados até 29 de junho, 60% está nessa faixa etária, o que impacta diretamente no rendimento escolar dessas crianças.

O caso do Colégio Estadual Sagrada Família é emblemático. Dos 947 alunos, 40% tiveram malária em 2018, segundo a diretora da escola Rosângela Soares. A instituição fica no bairro Miguel Quirino, na periferia de São Gabriel e que é líder de casos na cidade. Com 45 mil habitantes (90% deles indígenas), o município decretou estado de emergência em maio deste ano por conta da epidemia.




“Temos crianças que já tiveram vários episódios de malária e vão ficando muito debilitadas. Os professores estão reclamando que o rendimento escolar está baixo e 2018 está sendo o pior ano na escola, com muitas faltas e até desistência dos alunos que ficam sem ânimo para os estudos”, alerta a diretora da escola que possui alunos de várias etnias, como Tukano, Tuyuka, Yanomami, Desana, Arapaso, Tariana, Baré, Kubeo e outras.

O aluno Sandro Moreira, de 12 anos, do povo Wanano, já teve malária cinco vezes, sendo duas somente nesse ano. No último episódio, ficou uma semana sem apetite, com fraqueza, dor de cabeça e vômito constante, que o deixou de cama dia e noite. Mesmo após tomar a medicação e voltar à escola, Sandro diz que tem dificuldade de estudar porque ainda sente dores de cabeça e tontura em sala de aula. A malária que demora a ser diagnosticada ou tratada corretamente pode causar anemia profunda.



A diretora Rosângela conta que, em apenas uma turma do terceiro ano do Ensino Médio, sete alunos desistiram de estudar esse ano. A temporada prolongada de chuvas de 2018, com uma cheia muito severa, piora ainda mais as condições para os estudantes das áreas periféricas, afirma ela. “Malária, viroses severas e ruas muito esburacadas cheias de lama e poça d’água desestimulam nossos alunos, principalmente os mais velhos que já trabalham, têm família e filhos para sustentar”, afirma a diretora.

Malária explode em área urbana periférica

O pior quadro da doença se dá na área urbana periférica, onde as condições de vida da população são precárias, com casas muito frágeis ou até provisórias como barracos de madeira e lona, sem água potável e saneamento básico.

Um dos maiores especialistas em malária no Brasil, o médico epidemiologista Pedro Tauil, da Universidade de Brasília (UnB), afirma que existe “relação íntima entre malária e as características das habitações”. “Vivendo em casas sem paredes completas, sem condições sanitárias adequadas, a moradia não oferece nenhuma proteção. Sem paredes não há obstáculo entre o mosquito e o ser humano”, comenta Tauil em entrevista dada ao Instituto Socioambiental (ISA).



A gravidade da situação se acentua pelo fato de 30% dos casos de malária em São Gabriel serem do tipo Falciparum, o mais letal para o ser humano. Tauil explica que o aumento está relacionado à chegada de pessoas oriundas de áreas endêmicas da doença, onde não há tratamento, como a Venezuela.

A crise migratória somada ao que ele chama de “total ingerência” e falta de prioridade no programa de controle à malária, fez com que a doença voltasse a crescer no Brasil em 2017 após seis anos de queda. Foram 194 mil casos no ano passado em todo o país, um aumento de 50% em relação ao ano anterior. “Precisamos de prioridade política com garantia de recursos mínimos necessários para o diagnóstico, tratamento, recursos humanos para atuar em área e distribuição de mosquiteiros impregnados com inseticida”, ressalta Tauil.

São Gabriel da Cachoeira torna-se ainda mais vulnerável justamente por estar na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. O distrito de Cucui, na Terra Indígena de Cue Cue Marabitanas, por exemplo, recebeu indígenas venezuelanos que mudaram-se para casa de parentes por conta da grave crise econômica e humanitária em seu país. Além disso, lideranças indígenas de Cucui vem informando que existe um fluxo descontrolado de venezuelanos, chegando a cerca de 30 a 40 pessoas por mês vindas de diversas partes da Venezuela para morar na área urbana de São Gabriel. Essa migração sem controle amplia ainda mais a gravidade do quadro da epidemia no município, cuja operação de emergência está sob o comando da equipe da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Estado do Amazonas.

Malária compromete aprendizado, mostram estudos científicos

A Fundação de Medicina Tropical, de Manaus, realiza e acompanha pesquisas sobre malária e é um centro de referência mundial sobre o assunto. Sheila Vitor, pesquisadora da Fundação, aponta alguns estudos que mostram que quanto maior o número de episódios de malária em uma criança ou jovem, maior será o seu comprometimento no aprendizado. Uma pesquisa com alunos de primeira a quarta série do ensino fundamental no município de Careiro (AM), por exemplo, indicou que os estudantes que tiveram malária apresentaram rendimento escolar inferior às crianças não infectadas. Mesmo os alunos com apenas um episódio da doença indicaram piores resultados de aprendizado. Essa foi a primeira evidência constatada do impacto da malária na vida escolar na América Latina. A pesquisa acompanhou os estudantes por 12 meses.



“Observou-se também que essas crianças que tiveram malária, mesmo estando doentes iam para a escola. Porém, não conseguiam focar sua atenção no conteúdo, pois o mal estar, dor no corpo, febre, entre outros sintomas, não permitiam”, conta Sheila, acrescentando que esse estudo focou na malária Vivax, mais comum no Brasil e na América Latina, sendo o tipo mais brando da doença. Pesquisa semelhante também foi feita no Sri Lanka, chegando às mesmas evidências.



Os impactos são ainda piores em relação ao tipo Falciparum. A pesquisadora citou estudo realizado em Angola com crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos que tiveram episódios agudos de Falciparum nos últimos 6 a 12 meses. A pesquisa aponta quatro sequelas neurocognitivas: diminuição da memória, redução da capacidade de atenção alternada, perda de velocidade de processamento visual e diminuição da velocidade de execução psicomotora.

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Juliana Radler
ISA
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