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Mulheres indígenas da bacia do rio Uaupés (AM) revitalizam produção de cerâmica tradicional

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Oficina na comunidade de Pirarara-Poço, no médio rio Tiquié, promove troca de conhecimentos e práticas sobre a produção da cerâmica, parte de um processo da organização de uma rede produtiva desta arte indígena milenar
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Era a primeira vez que a maioria das mulheres ali presentes estava produzindo cerâmicas, embora muitas tenham visto a mãe, sogra ou avó fazer. Ao todo, 28 mulheres, entre jovens e anciãs, estiveram sob orientação da mestra ceramista Oscarina da Silva Caldas, da etnia Desana.

Durante 10 dias coletaram argila, foram para o mato e para a roça buscar plantas utilizadas em várias partes do processo, fizeram polimento, queima e grafismos nas peças, até finalmente defumá-las, sendo este último procedimento necessário para deixar as peças pretas. Esta característica, junto com os desenhos em negativo é uma marca da cerâmica dos povos de línguas Tukano da bacia do rio Uaupés (veja o box).



A oficina, que aconteceu entre 06 e 17 de junho na comunidade de Pirarara-Poço, no médio rio Tiquié (afluente do Uaupés) teve como objetivos a troca conhecimentos e práticas sobre a produção da cerâmica. Ela faz parte de um processo da organização de uma rede produtiva desta arte indígena milenar.

Histórico




No Alto Rio Negro a cerâmica começou a ser substituída por utensílios de metal com a chegada dos missionários salesianos no início do século XX. Naquela época, os padres trocavam produtos industrializados como terçados, bacias, espingardas, anzóis e panelas de alumínio por mão de obra indígena para a construção das missões da região, além de farinha e outros produtos. Assim, a arte cerâmica foi rapidamente sendo substituída pelas mercadorias dos pehkasã (não indígenas, em tukano).

No início dos anos 2000 algumas oficinas de troca de experiência começaram a ser organizadas pelas próprias associações locais, que viam na cerâmica uma maneira de revitalizar importantes conhecimentos locais e ao mesmo tempo um complemento de renda familiar.

Pintura em negativo

A pintura em negativo é uma técnica bastante especializada na qual os grafismos permanecem da cor natural do barro, enquanto o resto da peça recebe a cor preta, resultante da técnica de defumação. Para atingirem esse efeito, as mulheres fazem os desenhos na cerâmica depois que a peça foi queimada. Elas usam várias camadas de argila misturada com água, que permanecem na peça temporariamente, e “protegem” o desenho da fumaça que virá depois. Após toda a peça ficar preta, as mulheres removem as camadas de argila, revelando assim os desenhos.

Vilmar Rezende Azevedo, da etnia Tukano, presidente da Associação das Comunidades Indígenas do Médio Tiquié – ACIMET, conta do incentivo que uma antiga liderança da sua região dava às mulheres. “O finado Mandu queria que as mulheres começassem a trabalhar para ter recurso, para complementar a renda familiar. A gente usa [atualmente] mais materiais de pehkasã [branco], é difícil entrar em uma casa e ver uma cerâmica para cozinhar, por isso ele falava para fabricar, tanto para vender como para utilizar dentro da casa”, disse.

Na oficina ocorrida no mês passado, organizada pela associação local (ACIMET), com apoio da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e do Instituto Socioambiental (ISA), os homens presentes aproveitaram a animação da mulherada e juntos começaram a fazer suas artes de cestaria com arumã, bancos tukano e bastões de dança, ensinando aos mais jovens.

Estavam presentes, entre homens e mulheres, indígenas de sete comunidades do rio Tiquié e afluentes, das etnias Desana, Tukano, Tuyuka, Kubeo, Makuna, Yuhupdëh, Bará, Siriano, Hupd’äh e Pira-Tapuya. A oficina contou também com a presença de velhos kumuã (conhecedores) que fizeram bahsese (benzimentos) para mulheres, homens e crianças não sofrerem acidentes ofídicos e para as mulheres terem animação na fabricação da cerâmica por séculos, como contou Teodoro Rodrigues Barbosa, kumu da etnia Makuna.


Comercialização

O desafio agora é organizar o transporte e a comercialização da cerâmica. A Associação de Mulheres Indígenas da Região de Taracuá (AMIRT), que atua no baixo rio Uaupés, mais próximo da sede do município de São Gabriel da Cachoeira, também passou por uma oficina de troca de experiência e conhecimentos de cerâmica, que aconteceu no ano de 2017.

A Associação já conta com dezenas de associadas que têm na cerâmica uma importante complementação da renda. Para a presidente da AMIRT, Maria Suzana Menezes Miguel, da etnia Pira-tapuya, “com a venda da cerâmica, as mulheres se sentem mais independentes e incentivadas a trabalhar sua arte e gerar renda para suas famílias”.



Atualmente, a comercialização da cerâmica em pequena escala ocorre no mercado local, na Loja Wariró, e ocasionalmente chega à GaleriAmazônica, em Manaus, e Box Amazônia e Mata Atlântica do Mercado Municipal de Pinheiros, em São Paulo.

Na GaleriAmazônica, uma loja de produtos da floresta de iniciativa da Associação Comunidade Waimiri-Atroari (ACWA) e do ISA, as cerâmicas tukano são destaque. Segundo a gerente da GaleriAmazônica, Melina Aguilar, “a cerâmica está no nosso espaço desde a inauguração, faz parte da nossa vitrine, é muito procurada na Galeria. Os clientes sempre procuram algo simples e elegante e o fato de ser feito à mão e sem muitos detalhes chama a atenção deles, pois para eles é importante ter uma arte com história por trás”.

Com vistas à estruturação da cadeia produtiva, o plano de negócios (em desenvolvimento) inclui uma formação de preços objetivando o comércio justo para as ceramistas e planejamento da produção. Para fortalecer a divulgação da cerâmica dos povos de línguas Tukano, as mulheres de Taracuá estão se preparando para participar da Feira na Rosembaum (em dezembro de 2018) e se cadastrarão na Plataforma Origens Brasil com apoio da Casa de Produtos Indígenas do Rio Negro Wariró, gerida pela FOIRN.



Para mais informações e encomendas, entre em contato com:
Loja Wariró
wariro@foirn.org.br
GaleriAmazônica
galeria@waimiriatroari.org.br

Saiba mais sobre oficinas anteriores e a comercialização aqui e aqui.

Juliana Lins e Felipe Storch
ISA
Imagens: