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Muito além da semente

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Tatiane Ribeiro

Nas mãos das coletoras da Associação Rede de Sementes do Xingu, a natureza se transforma em produtos comestíveis, cosméticos e remédios que curam de tudo


Que a natureza guarda segredos todos sabem. Mas absorvê-los e utilizá-los não é para qualquer um. Dentro da diversidade de atores da Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX), coletoras de sementes que moram em assentamentos rurais e vivem em contato direto com as árvores e plantas do cerrado e da floresta dão uma aula prática de aproveitamento não só das sementes, mas dos diversos elementos que compõem o fruto.

¨A natureza tem muita riqueza. Quem não sabe o quanto é rico acha que não tem importância, mas quem sabe ajuda a preservar¨, diz Cleusa Nunes de Paula, de Bom Jesus do Araguaia. Coletora desde 2010, há mais de dez anos, dona Cleusa, conta que tira óleo de muitas sementes, como o jatobá, mirindiba, mutamba, pente-de-macaco, entre outras. ¨Posso tirar de qualquer semente. Aprendi com minha mãe que sempre utilizou as plantas para nos curar. A primeira vez que tomei um comprimido na vida já tinha 19 anos, antes disso nunca precisei¨, afirma.

Hoje, moradora do Projeto de Assentamento (PA) Macife, dona Cleusa aproveita a época da coleta de sementes para produzir óleos e polpas. Entre os mais famosos está o óleo de sucupira, popularmente indicado para dor de garganta e articulações. ¨O gosto é de fel, mas o efeito é ótimo. Eu simplesmente deixo a semente de molho e o óleo começa a subir. Depois é só ferver e deixar apurar¨, explica.

Além da sucupira, a coletora também extrai o óleo do pente-de-macaco, uma árvore lenhosa típica do Cerrado, e utiliza para fazer hidratação nos cabelos. Mas não são só produtos de uso externo que as espécies geram, o baru e o babaçu fornecem, respectivamente, castanhas e farinha para bolos. ¨Eu corto a polpa de baru e coloco para secar no sol durante três dias, depois coloco na geladeira. Ele fica sequinho, com cheiro de bolacha e dá para comer o ano todo.¨

Abundância que vem da terra

Para quem gosta de doce, variedade de opções não falta na casa da coletora Raimunda Alves de Lima. Moradora do PA Manah, em Canabrava do Norte, dona Raimunda é especialista em doce de jatobá, baru, buriti, entre tantos outros. ¨Também faço suco com a polpa para o pessoal aqui de casa e vendo na feirinha¨, diz.

Coletora de sementes há dez anos, Raimunda vem de uma família goiana conhecedora das coisas da terra. De novembro a janeiro aproveita a época da frutificação das espécies para extrair os óleos de macaúba e buriti. ¨Esses óleos são bons para muita coisa. Bronquite, má circulação, o povo utiliza muito por aqui¨.

No entanto, os processos para obter esses óleos não são tão simples. No caso da macaúba, é preciso esperar cair o coco, quebrá-lo e torrá-lo para depois levar para o pilão e em seguida colocar para ferver no fogo até subir o óleo. ¨Já para o do buriti são duas horas na ‘boca do fogão’ para conseguir apurar um litro. O bom é que rende muito, já que, geralmente, se toma só cinco gotas no café logo cedo. Só que não é todo ano que a árvore dá fruto¨, afirma.

Marquinha da Silva Siqueira, coletora da ARSX há dois anos, aproveita as polpas das frutas das árvores do seu lote e dos vizinhos do PA Manah, para enriquecer a alimentação da família. ¨Faço suco de murici, graviola, bacaba, buriti e tamarindo. Nem compramos mais refrigerantes para nossos filhos¨, conta.

A produção de frutos começa a partir do mês de agosto e vai até janeiro. Ao congelar a polpa, a coletora consegue fazer suco natural o ano inteiro. ¨Gostaríamos de vender e fornecer para as escolas utilizarem na merenda mas para isso é preciso realizar algumas adequações que não temos condições no momento¨, conta.


Riqueza nacional

O jatobá, árvore endêmica do Brasil que já predominou em diversas biomas, é quase uma espécie desconhecida nos grandes centros. Com fruto comestível de sabor adocicado, casca indicada para fabricação de chás medicinais e madeira super valorizada no mercado de móveis, a espécie considerada patrimônio brasileiro não ocupa as prateleiras dos supermercados, mas mesmo assim não passa despercebida pelas coletoras.

Mauricelia Ferreira da Silva, do PA Manah, por exemplo, faz mousse, bolo e pães. ¨Quebro o fruto, tiro um pouco da polpa e bato no liquidificador até ficar fininho, porque assim diminui o cheiro forte. Sabemos que essa farinha tem mais nutrientes que a de trigo¨, conta. Pesquisas comprovam que o jatobá é rico em minerais como potássio e cálcio.

A coletora Vera Alves da Silva, moradora de Nova Xavantina, aprendeu a aproveitar polpa do jatobá depois que começou a coletar sementes na Rede. ¨Eu vi que dava bastante polpa e resolvi fornecer na feira. O pessoal compra bastante como complemento alimentar, já que ele beneficia muito a cartilagem dos ossos¨, afirma.

Bruna Ferreira, diretora da ARSX, explica que a Rede tem buscado promover esses produtos, mas ainda há muita dificuldade de colocá-los no mercado. ¨A semente é um dos benefícios que conseguimos tirar da floresta e do Cerrado sem devastá-los. Mas cada vez mais percebemos que as coletoras têm olhado para esses frutos, que estavam esquecidos, como fontes de alimento e nutrição e isso já é uma grande conquista.¨


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