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Visões de Uttarakhand, Índia III

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Nurit Bensusan

No terceiro relato sobre sua viagem à Índia, a assessora do ISA e especialista Nurit Bensusan reflete sobre o que a democracia tem a ver com florestas

“Ele está falando inglês?” Essa é a pergunta que uma colega brasileira me faz e eu demoro a responder. Escuto, presto atenção... Será inglês ou será hindi? É inglês, claro, estamos no Congresso Internacional de Biodiversidade. Mas que parece hindi, parece...

Hoje, começou, aqui no Instituto de Pesquisa Florestal, em Dehradun, capital do estado de Uttarkhand, na Índia, o primeiro Congresso Internacional de Biodiversidade. Trata-se de uma tentativa, capitaneada pela ativista indiana Vandana Shiva, de juntar os múltiplos temas da biodiversidade em um só evento. Como biodiversidade é só um nome chique para natureza, é fácil imaginar que cumprir esse objetivo é impossível (veja galeria de fotos no final da reportagem).

O Instituto de Pesquisa Florestal é uma das muitas heranças deixadas pelos britânicos em Dehradun. O prédio, maior que o próprio Palácio de Buckingham, foi construído na década de 1920 e era onde a maior parte dos guardas florestais indianos era treinada. Com um pé direito alto, torres e pátios internos, o edifício é imponente e muito bonito. Fica localizado numa imensa área verde, que abriga também outros institutos e o Jardim Botânico.

“Da floresta, aprendemos a democracia”, diz Vandana Shiva, em sua fala de abertura do Congresso, que explicitava a necessidade de haver diversidade em todas as áreas da vida humana. Apesar dela não ter explicado, fiquei com a impressão de que, com essa frase, Vandana queria dizer que a democracia pode ser aprendida de um ecossistema onde, a despeito da contínua competição, há lugar para todos os organismos, cada um com suas características.

Foi inevitável pensar que se a floresta é uma inspiração para a democracia, em um país com a Amazônia deveria haver uma democracia muito mais robusta, exuberante e florescente. Por outro lado, talvez a destruição de nossas florestas queira dizer algo a mais...

Como todo país grande, a Índia está muito voltada para si mesmo. No congresso, foi feita uma sessão plenária dedicada a discutir vários aspectos do National Biodiversity Act, uma espécie de Lei Nacional da Biodiversidade, que regula o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional e a repartição de benefícios (saiba mais no quadro no final da reportagem).

As queixas são muito similares às que se escuta no Brasil em relação ao marco legal de acesso e repartição de benefícios por parte dos pesquisadores, apesar do regime legal indiano ser bastante diferente do brasileiro. Aqui tanto pesquisadores indianos quanto companhias indianas não precisam de permissão para acessar o patrimônio genético e o conhecimento tradicional e, além disso, todo conhecimento tradicional é considerado público.

Resultado: comecei a achar que ou os marcos legais brasileiro e indiano têm problemas em comum não perceptíveis à primeira vista ou os pesquisadores gostam de reclamar em qualquer lugar do mundo...

O que são os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais?

Os recursos genéticos da biodiversidade são encontrados em animais, vegetais ou micro-organismos, por exemplo, em óleos, resinas e tecidos existentes em florestas e outros ambientes naturais. Já os recursos genéticos da agrobiodiversidade estão contidos em espécies agrícolas e pastoris.

Comunidades de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares, entre outros, desenvolvem e conservam, por décadas e até séculos, informações e práticas sobre o uso desses recursos. São os chamados conhecimentos tradicionais. Na legislação brasileira, aqueles grupos sociais são designados de “detentores” desses conhecimentos.

Tanto o patrimônio genético quanto os conhecimentos tradicionais servem de base para pesquisas e produtos da indústria de remédios, sementes, gêneros alimentícios, cosméticos e produtos de higiene, entre outros. Por isso, podem valer milhões ou bilhões em investimentos. Na nova legislação, pesquisadores e desenvolvedores desses produtos são chamados de “usuários” dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais.

O Brasil é a nação com maior biodiversidade do mundo e milhares de comunidades indígenas e tradicionais, daí ser alvo histórico de ações ilegais de biopirataria, crime que a nova lei deveria coibir e punir.

O que é a “repartição de benefícios”?

A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), tratado internacional que regula o tema dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, prevê que quem usa e explora economicamente os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais deve remunerar, de forma “justa e equitativa”, os detentores desses recursos e conhecimentos, reconhecendo-os como instrumento valioso de produção de saber.

Imagens: