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Visões de Uttarakhand, Índia: um pulo no Punjab

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Nurit Bensusan

Confira o quinto texto da especialista em biodiversidade e assessora do ISA, Nurit Bensusan, de sua viagem à Ásia

Não é tão grande como a do sambódromo no Rio de Janeiro, mas é uma imensa arquibancada. É muito mais usada que a do sambódromo, pois tem um imenso público diariamente de manhã e à tarde. Mas, apesar do clima de festa, as arquibancadas do sambódromo, que abrigam foliões e amantes do carnaval, enquanto essas arquibancadas servem para acomodar um público que parece não ter nenhum incômodo em manifestar seu nacionalismo, instigado pelo exército e realizado como um contraponto.

Estou na fronteira entre a Índia e o Paquistão, no Punjab, a meia hora da cidade de Amritsar, na Índia, e a 16 km de Lahore, no Paquistão. Do lado paquistanês, que enxergo para além das grades, a situação é similar: arquibancadas. A diferença que chama atenção é que do lado indiano, todos estão sentados juntos e dançam ao som das músicas de Bollywood, enquanto no Paquistão, há uma arquibancada para homens e outra para mulheres cobertas. Festa não há, mas manifestações nacionalistas e dervixes rodopiantes enchem o asfalto entre as arquibancadas. Imensas bandeiras são vistas dos dois lados.

A música e a gritaria são ensurdecedoras. Pergunto para a mulher indiana sentada do meu lado o que eles estão gritando e ela me diz como se fosse óbvio: Índia é a melhor. E completa: os paquistaneses estão gritando que o Paquistão é o melhor. Mas, faz questão de esclarecer que tudo isso é porque os paquistaneses são inimigos da Índia. A partição da Índia, no momento da independência em 1957, e o consequente surgimento do Paquistão são questões muito mal resolvidas por aqui. Parece haver duas eras, a anterior à partição e a posterior. Há um museu sobre o assunto em Amritsar e nas livrarias indianas há uma abundância de títulos sobre o tema. Os países já se enfrentaram militarmente várias vezes e não escondem que alimentam a rivalidade constantemente. A fronteira no Punjab é apenas um exemplo palpável, até mesmo para o turista mais desavisado...

O nacionalismo indiano e o cenário de suas relações com vizinhos próximos pautaram também o Congresso Internacional de Biodiversidade, que se encerrou no sábado, dia 6 de outubro. Não houve participação dos países vizinhos, como o Paquistão, a Tailândia e a China, e as discussões foram voltadas exclusivamente para a Índia. Mas, não foi apenas uma restrição geográfica, houve claramente uma censura de temas e à boca pequena se comentava no Congresso que o governo indiano limitou a participação de estrangeiros, principalmente daqueles que poderiam fazer críticas às políticas indianas de conservação e uso da biodiversidade.

Temas polêmicos, que serão abordados na 13ª Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica que acontece na segunda quinzena de novembro, no Egito, como as sequências genéticas e a biologia sintética, ficaram de fora. Estratégias para conservar agrobiodiversidade, um assunto-chave em tempos de mudanças climáticas, não foram alvo das plenárias principais. E mesmo o futuro das áreas protegidas, instrumento mais clássico da conservação da biodiversidade, não foi abordado.

A ideia de que somos melhores que os outros, porque somos indianos, paquistaneses, torcedores do Botafogo, alemães, homens heterossexuais, hutus, eleitores de um ou de outro candidato, croatas, ricos ou brasileiros, além de não fazer o menor sentido, causa profundos males. Esses vão desde fazer um congresso internacional onde os participantes estrangeiros não são convidados ou não têm oportunidade de falar até acreditar que matar o outro é aceitável apenas porque ele não pertence ao seu país, ou a sua etnia, ao seu time de futebol ou vai votar em outro candidato.

Aqui honro a memória de Mestre Moa do Katendê, assassinado covardemente poucas horas após o 1º turno das eleições no Brasil, por defender seu voto e a memória das 150 mil mulheres raptadas e estupradas na partição entre a Índia e o Paquistão, em 1947.