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Muvuca de gente, muvuca de sementes: o mundo da restauração ecológica no Brasil

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Tatiane Ribeiro, com colaboração de Ivy Wiens

Congresso da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (Sobre) trouxe a força da conexão entre pessoas e da diversidade de atores para atingir o objetivo de restaurar em larga escala no Brasil

A II Conferência de Restauração Ecológica juntou-se com o V Simpósio de Sementes Florestais, em um evento nacional da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (Sobre) que reuniu mais de 500 pesquisadores e profissionais da área de 22 Estados brasileiros entre os dias 21 e 23 de novembro, em Belo Horizonte (MG). ¨Profissionais que trabalham há décadas com sementes nativas puderam se aproximar de restauradores despertando nos dois setores o interesse pela ajuda mútua¨, conta Eduardo Malta, coordenador técnico de restauração florestal do Instituto Socioambiental (ISA).

Com o foco em restauração, a programação contou com discussões simultâneas sobre temas acadêmicos e também sobre políticas públicas, governança, cadeia de valor, logística, extensão e educação. Ingo Isernhagen, da comissão organizadora do evento, frisou a tendência cada vez mais forte da inclusão de mais atores nas tomadas de decisão do setor, desafio que deverá ser incorporado pela nova diretoria instituída durante o evento.

Rafael Chaves, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e novo presidente da Sobre, reforçou que as metas de restauração na casa dos milhões de hectares dependem não só de quem trabalha mais diretamente com o tema, mas de articulação institucional, investimentos e políticas públicas efetivas. ¨A expectativa é de que a agenda se desenvolva nesta direção. É uma demanda da sociedade do século XXI, que tem a pauta ambiental em alta conta: sabe-se que a produção só se sustenta quando associada à conservação e à restauração¨, explica.

Chaves chama a atenção também para alguns aspectos que considera ainda pouco divulgados, como o fato de que a restauração ecológica gera riqueza, seja pelo incremento de renda para as pessoas ou pelo incremento do nosso capital natural. ¨Nesse sentido, precisamos estabelecer canais mais diretos de comunicação entre os atores que integram a cadeia de restauração em todos os níveis. Do produtor rural ao consumidor urbano, do formulador de políticas ao extensionista, do pesquisador ao prático, de quem coleta sementes a quem as planta, de quem investe a quem multiplica os benefícios¨, afirma.

A maior Rede de Sementes do Brasil

A Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX) e o ISA marcaram presença no evento com participação em mesas redondas, apresentação de trabalhos acadêmicos, atividades lúdicas, estande com produtos e também na apresentação do trabalho da ARSX e da implantação da muvuca na Bacia Xingu-Araguaia.

Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa Xingu do ISA e um dos idealizadores da ARSX, foi o porta-voz na plenária ¨Projetos de Restauração Ecológica em Larga-Escala no Brasil¨ em uma apresentação sobre a ARSX, que ocorreu na manhã do dia 23. ¨O que realizamos é uma intervenção socioambiental incremental onde damos um passo de cada vez com base na conexão entre as pessoas e valorizando acima de tudo a diversidade de atores¨, afirmou durante a sua apresentação.



Além de frisar o papel da rede em organizar a oferta e a demanda como um dos principais compromissos que proporcionaram o crescimento e fortalecimento da iniciativa, considerada a maior do país, Junqueira enfatizou que não existe muvuca de sementes se não há muvuca de gente e convidou para participar da apresentação a coletora Rutemara Cruz de Mello, uma das integrantes da ARSX.

¨Me sinto privilegiada em fazer parte da rede que há dez anos está dando certo. Costumo dizer que a partir do momento que iniciei esse trabalho passei a ver a floresta e as árvores com os olhos do coração¨, afirmou. ¨É muito gratificante estar em um caminho que traça o bem comum, com esse sentimento me sinto um ser humano melhor a cada dia pois a semente tem esse poder.¨ Como uma das 568 coletoras da ARSX, Mello ficou feliz em participar, mas diz ter sentido falta de outros coletores e agricultores em todo o evento.

Junqueira ainda expôs que passar da produção de 5 para 220 toneladas de sementes, de R$ 19 mil para R$ 4,6 milhões de reais de renda distribuída em dez anos não foi um caminho fácil para a rede. ¨Conseguimos superar os desafios em cima de princípios como permanência e territorialização. Nos perguntam se somos contra outras maneiras de fazer restauro, nós não somos. Somos a favor do que pode dar certo e como o trabalho da rede com a muvuca tem dado certo vamos continuar nesse caminho.¨

Arranjos e aplicações

Na mesa redonda ¨Avanços da Semeadura Direta para a Restauração Ecológica de Floresta, Cerrado e Caatinga¨ foram apresentados as diversas experiências de restauração em biomas brasileiros com discussões de manejo e preparo das áreas, uso de herbicida, regulamentação, entre outros. ¨Tive acesso, por exemplo, a ações no Rio Pardo que eu não conhecia, então isso ajuda a formar novas redes de pesquisadores e praticantes¨, contou Malta.

O coordenador também destacou a importância da reunião dos Comitês Técnicos de Sementes Florestais que avaliaram a atuação durante o ano passado e o lançamento do site Sementes Florestais. ¨Para esse ano, planejam uma melhor articulação política para participação no estabelecimentos de normas e regulamentações do setor.¨

Claudia Araújo, uma das diretoras da ARSX, apresentou a trajetória da rede na mesa redonda ¨Produção de Sementes: cadeia produtiva, gestão e logística¨, onde estava presente também Danilo Ignácio Urzedo, pesquisador e colaborador da rede.



¨Pioneira e focada em larga escala, a ARSX estabelece uma gestão que conta com o papel dos elos, figura importante para essa organização junto aos coletores¨, explicou Araújo. ¨Nesse sentido eu foquei em mostrar a importância do trabalho de base, do como lidar com as pessoas. Como há outras redes que se espelham em nós, é preciso deixar claro que em cada local é importante saber quais organizações podem e devem fazer parte dos processos dessa cadeia produtiva.¨

Além das apresentações nas discussões, o resultado do trabalho das duas instituições foi tema da pesquisa acadêmica de Guilherme Pompiano, técnico em restauração do ISA e colaborador da ARSX, que com o título ¨Muvuca alcança 285 hectares com plantios em 2016 e 2017 na região Xingu Araguaia¨, recebeu o 1 lugar no voto popular e o mais votado no evento em geral.

¨Foi muito relevante a participação neste evento. Encontrar várias pessoas que fazem restauração não é bom só para comercialização, por exemplo, mas também para as parcerias, para o fortalecimento dos laços que, consequentemente, fortalecem nosso trabalho¨, avalia Araújo.



Diversidade e restauração no Vale do Ribeira (SP)

A mesa “Uma abordagem mais inclusiva para a transformação de paisagens e pessoas: exemplos de projetos”, composta apenas por mulheres que atuam com restauração florestal, foi organizada pelo GT Diversidade, grupo vinculado ao Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, e criado com o objetivo de promover a equidade nas ações em restauração, de forma qualificada e engajada.

Além de provocar debates como os do congresso, o GT mantém o blog “Mulheres de ImPacto” e publicou cinco cartilhas da série “Semeando Equidade”, sobre gênero e restauração de paisagens. Ludmila Pugliese, secretária executiva do Pacto e coordenadora do GT, disse que a ideia da mesa foi evidenciar a importância da dimensão humana nos projetos de restauração, pois “sem o envolvimento das pessoas é impossível restaurar e fazer essa conexão com a natureza”.

Uma das palestrantes foi Maria Tereza Vieira, do Quilombo Nhunguara, no Vale do Ribeira (SP), coletora de sementes e viveirista em sua comunidade. A produção de mudas, conta ela, já vem de quase vinte anos, mas no ano passado começaram a dialogar sobre as sementes florestais e seu potencial para geração de renda, com apoio do ISA. Em 2017, Maria Tereza participou do encontro que celebrou os 10 anos da Rede de Sementes do Xingu, no Mato Grosso, e voltou para o Vale do Ribeira animada com o que viu.

“De lá trouxemos conhecimento e confiança de que dá certo trabalhar com sementes, levando-as para lugares mais distantes, onde é necessário recuperar a vegetação”, afirmou.

Maria Tereza reforçou a importância do território para os quilombolas, e como seu modo de vida tradicional contribui para que a floresta se mantenha em pé. Exemplo disso são as roças de coivara, praticadas há séculos pelos quilombolas, que estão ameaçadas por conta da legislação em vigor, e são exaltadas na campanha “Tá na Hora da Roça".

É justamente esse conhecimento sobre o manejo florestal que tem embasado as discussões para a formação de uma Rede de Sementes no Vale do Ribeira, que já reúne 20 coletores de três comunidades quilombolas, e que tem comercializado sementes de 40 espécies florestais.

Andréa de Oliveira, do Instituto ÇaraKura, de Santa Catarina, reforçou a necessidade das iniciativas em restauração contemplarem a educação florestal, o gênero e a generosidade. “Não podemos esquecer o valor ecológico desses processos e a importância da escala afetiva”, disse ela, fazendo referência à discussão sobre tamanho e quantidade de áreas restauradas, dominante na agenda florestal.

Maria Tereza diz que a discussão de gênero e diversidade é importante, citando a experiência em sua própria comunidade, e diz que as autoridades e a sociedade precisam ter bom senso e entender a importância das florestas para a sobrevivência do ser humano. “Para nós, essa experiência com sementes tem sido importante, até para manter os jovens no território, com uma fonte de renda. Estamos felizes”, finaliza.

Outra inovação foi a “Sala Bem Receber”, um espaço mantido pela Kawa Estratégias Sustentáveis, com poltronas, brinquedos, área para amamentação e outros elementos, que acolheu as mães e pais que levaram seus filhos ao congresso. “Como promover a inclusão nos projetos se não o fizermos nos eventos que promovemos?”, questiona Ludmila, que também é sócia da empresa.

Conheça a nova diretoria da Sobre:

Presidente: Rafael Chaves
Vice-Presidente: Maria Otávia Crepaldi
Secretário Geral: Ciro José Moura
Secretário Adjunto: Luiz Fernando Moraes
Primeira Tesoureira: Natalia Guerin
Segundo Tesoureiro: Rodrigo Junqueira
Contato: brasil.sobre@gmail.com

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