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Do Rio Negro a Berlim: compartilhando conhecimentos em museus etnológicos

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Thiago da Costa Oliveira

Em outubro, pesquisadores discutiram práticas de cooperação entre povos indígenas e os museus etnológicos europeus.

Comitivas de vários países da América do Sul e da Europa se reuniram entre os dias 11 e 13 de outubro, em Berlim (Alemanha) para discutir as práticas de cooperação entre povos indígenas e os museus etnológicos europeus. O encontro ocorreu no Seminário Coisas Vivas na Amazônia e nos Museus, realizado no quadro do projeto Compartilhar Saberes, coordenado pela antropóloga Andrea Scholz ligada ao Museu Etnológico de Berlim.

As mesas que compunham a programação estiveram centradas em três grandes eixos: o futuro dos arquivos, as formas de comunicação a cooperação justa e sustentável. Temas como o compartilhamento de arquivos com as populações indígenas e os meios necessários para fazê-lo presencial e virtualmente foram parte das discussões do primeiro eixo; enquanto temas como as formas de educação patrimonial, exposições e outros projetos de comunicação realizados nestas parcerias fizeram parte do segundo. As mesas do terceiro eixo trataram, por sua vez, das diretrizes para a realização de projetos colaborativos entre museus e comunidades, com especial atenção para os modos de se comunicar os resultados destes processos para um público mais amplo ou ainda sobre contextos específicos como aqueles dos chamados ‘museus comunitários’.



Discutindo estes temas, encontravam-se profissionais de diversas áreas, com experiência em projetos centrados na colaboração com povos indígenas em torno da cultura material – não só profissionais de museus e antropólogos, mas também arquitetos, artistas e produtores culturais distintos. A expressiva presença indígena – que contou com representantes de povos da Colômbia, Venezuela e Brasil – e o formato dinâmico das mesas – que se convertiam rapidamente em grandes rodas de conversa – tornaram este encontro uma experiência distinta dos seminários acadêmicos e profissionais mais tradicionais.

O Instituto Socioambiental (ISA) esteve presente no seminário por meio de uma comitiva ligada ao Programa Rio Negro, composta pelos Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs) Damião Amaral Barbosa e Orlando Andrade Fontes, pelo Bayá Tuyuka, Guilherme Pimental Tenório (Põrõ), pelo antropólogo Thiago da Costa Oliveira, que trabalha com os Baniwa desde 2011, e pelo coordenador-adjunto do Programa Rio Negro, Aloisio Cabalzar.



Damião Barbosa e Orlando Fontes apresentaram suas experiências como pesquisadores indígenas de longa data, conectando as atividades realizadas ao longo do desenvolvimento de suas pesquisas às recentes investigações realizadas nas duas semanas que antecederam ao seminário, centradas na qualificação de peças etnográficas que se encontram sob guarda do Museu Etnológico de Berlim (ver aqui.

Damião, que é Makuna e habita a fronteira do Brasil com a Colômbia, tratou mais especificamente do calendário anual no Rio Tiquié, um dos projetos que desenvolveu ao longo de sua inserção como pesquisador da Escola Tuyuka e mais recentemente como AIMA. O pesquisador discutiu em sua apresentação a conexão entre objetos etnográficos e os saberes territoriais e cosmológicos dos povos do Rio Negro.

Para isso, conectou o calendário Tuyuka por ele estudado a um dos objetos do acervo do MEB, o enxó utilizado por povos de origem Tukano Oriental em contextos rituais, representando uma constelação reconhecida no firmamento por estes povos. Esta constelação, por sua vez, está conectada às práticas de manejo desenvolvidas pelos povos do Rio Negro. A conexão entre estes saberes e campos de conhecimento despertou a atenção do público presente para novas formas de se conceber exposições etnográficas e outros produtos de divulgação do conhecimento indígena em contextos de projetos de colaboração com museus etnológicos.

Orlando, que é Baniwa de Ucuqui-Cachoeira, vivendo no Alto Rio Aiari, discutiu com os presentes as formas de colaboração por meio de pesquisa em torno do conhecimento tradicional. Orlando é formado na escola indígena Baniwa Koripako, tendo participado de experiências que resultaram em produtos interculturais de variados tipos: as publicações “O que é preciso para viver e estar bem no mundo”; o desenvolvimento da cadeia de produção de pimenta Baniwa, voltadas para a comercialização dentro e fora do Rio Negro – Orlando foi gerente de uma das casas de pimenta baniwa; a formação de coleções etnográficas junto a museus, realizada por sua comunidade em parceira com o Museu do Índio (FUNAI). A apresentação de Orlando abriu espaço para se aprofundar as concepções a respeito da complexidade do conhecimento conectado aos objetos e sobre os modos de se pensar os produtos rionegrinos de forma ampliada em seu potencial de diálogo intercultural.

Guilherme Tenório, por sua vez, apresentou ao público sua longa experiência na conjunção entre pesquisa, educação e conhecimento tradicional. Tal experiência foi realizada na Escola Tuyuka e em outros projetos de intercâmbio cultural desenvolvidos em parceria com o ISA, ao longo de muitos anos de colaboração com o Programa Rio Negro. A trajetória de Guilherme em busca do conhecimento de seu povo faz parte de uma longa história de autonomização das comunidades indígenas dessa região em sua relação com agentes econômicos e administrativos externos com quem veem se relacionando desde o século XVII.

Guiré, como é conhecido, nasceu ainda em uma maloca, sendo mais tarde educado nos internatos salesianos. Após a formação, voltou para sua comunidade de origem passando a atuar ativamente na recuperação do conhecimento de seu grupo local – cuja transmissão havia sido afetada pela presença missionária na região ao longo do século XX. Neste percurso, visitou diversos parceiros indígenas de seus antepassados, constituindo uma caixa de adornos cerimoniais e recuperando cantos e outros conhecimentos de seus ancestrais. A fala de Guilherme apontou para o modo como os conhecimentos e os objetos tradicionais fazem parte de intercâmbios culturais e histórias de resistência mais amplas que ainda precisam entrar nos Museus.



Ao longo dos três dias de intenso debate, os participantes indígenas e não indígenas do seminário apresentaram certas preocupações comuns que se tornam o eixo de um documento que será redigido como resultado deste encontro. Um dos principais pontos levantados pelos diferentes participantes foi a necessidade de se criarem formas de projeto e de financiamento específicas para atender as especificidades destas parcerias visando superar as dificuldades tecnológicas e logísticas para a comunicação entre os parceiros indígenas e não indígenas, considerando-se não só as longas distâncias e o isolamento infraestrutural das comunidadades amazônicas, mas também a necessidade de perpetuação destas parceiras no longo prazo. Outro ponto importante destacado foi a necessidade do desenvolvimento de arranjos institucionais em que os parceiros indígenas possam propor novas formas de cuidar e exibir acervos, e de produzir conhecimento a partir do legado material preservado pelos museus etnológicos europeus.

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