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Centenas de invasores entram na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e preparam derrubada da floresta

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Clara Roman

Indígenas denunciam aumento de grileiros, ameaças, tiroteios perto de aldeias e diminuição da caça e pesca no território

Uma nova onda de invasões intensifica a ameaça aos povos indígenas que vivem na Terra Indígena (TI) Uru Eu Wau Wau, em Rondônia. Cerca de 180 invasores adentraram a TI ilegalmente nas últimas semanas, e estão próximos das aldeias, segundo denúncia dos indígenas e da organização não-governamental Kanindé. Com a nova leva, a ONG estima que mais de 1.000 pessoas estejam ocupando ilegalmente o território.

A TI, homologada em 1991, é habitada por três povos indígenas contatados e conta com, pelo menos, três registros de povos em situação de isolamento voluntário confirmados pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Os povos isolados optam por não ter nenhum contato com outros povos indígenas e não-indígenas.

As invasões de grileiros na TI têm aumentado desde o começo do ano. “As falas contra os povos indígenas do novo governo estimulam as invasões”, afirma Awapu Uru-Eu-Wau-Wau, liderança do povo Uru-Eu-Wau-Wau, em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA). Desde o final do ano passado, com a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) mais grileiros têm entrado na área. A avaliação de Ivaneide Bandeira, coordenadora da Kanindé, é de que o discurso de Bolsonaro de revisão de demarcações de terras indígenas incentiva a ocupação ilegal destes territórios.



Os indígenas e a Kanindé denunciaram a situação ao Ministério Público Federal em Rondônia no último dia 8 de abril. Segundo a procuradora Daniela Lopes de Faria, os órgãos de segurança pública já estão cientes e articulando atuação conjunta. Além disso, a força nacional foi solicitada. “O risco é de um confronto entre invasores e indígenas que pode levar a alguma morte. O MPF está acompanhando o caso com a prioridade e atenção que exige junto com os órgãos de segurança pública”, afirma a procuradora.

Entre setembro e outubro de 2018, análise do ISA identificou 42 focos de desmatamento incidentes em área próxima a aldeia Alto Jamari, onde vivem famílias do povo Uru-Eu-Wau-Wau. Estas áreas somadas representam 692,34 hectares de corte raso de floresta - área equivalente a 700 campos de futebol. As áreas desmatadas e detectadas pelo ISA coincidem com os pontos de acampamento dos invasores indicados pelos indígenas, localizadas na área de sobreposição entre a terra indígena e o Parque Nacional Pacaás Novos.



“É provável que os grileiros estejam aproveitando o período chuvoso para lotear as terras e preparar a abertura de novas áreas no período seco, que inicia em junho”, afirma Tiago Moreira, pesquisador do ISA. Na avaliação de Gabriel Uchida, da Associação Kanindé, uma nova onda de desmatamento é esperada para essa época.

Segundo Awapu Uru-Eu-Wau-Wau, em decorrência das invasões, a caça e a pesca começaram a escassear no território. “Não tem mais paz e liberdade na natureza, não tem mais ar puro. Estamos respirando fumaça”, afirma. A presença constante de intrusos torna a caça perigosa para os indígenas. “É perigoso encontrar algum invasor e ter algum conflito”, diz ele.

Ivaneide Bandeira, da Kanindé, afirma que os indígenas estão psicologicamente abalados. Awapu também relata ameaças constantes por parte dos invasores. "Na última semana, ouvimos um tiroteio acontecer muito próximo à aldeia", relata ele.

Segundo a Kanindé, entidades locais estão por trás das tentativas de grilagens, entre elas uma que questiona a demarcação da terra na Justiça.

Segundo o artigo 231 da Constituição, os índios têm direito originário sobre as terras que ocupam. “São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas (artigo 231, § 6º)”. Ou seja, qualquer ato que dê a posse de terra para um não indígena dentro de uma Terra Indígena não tem validade jurídica.

Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já havia detectado altas taxas de desmatamento na TI. Em 2018, os dados oficiais relativos ao Prodes indicam a região como a oitava mais devastada do Brasil, com a perda de 937,15 hectares de floresta entre agosto de 2017 e julho de 2018, um aumento de 41% em relação ao período anterior. Além disso, o entorno da TI que não não se enquadra como área protegida, já perdeu mais de 70% de cobertura florestal, considerando um raio de 20 km.

Histórico de ameaças

As invasões no território dos Uru-Eu-Wau-Wau e Amondawa são anteriores à demarcação. Nas décadas de 1970 e 1980, o Incra estabeleceu assentamentos dentro da Terra Indígena. Os agricultores nunca foram indenizados, e o conflito permanece até hoje. Nessa região, entre os rios Nova Floresta e Jamari, o desmatamento é assombroso e já consumiu cerca 60% da floresta da região. Esse desmatamento é ilegal porque não está respaldado por nenhum tipo de licença dos órgãos ambientais competentes.

Muito próximo dessa área que continua em litígio, existem 388 Cadastros Ambientais Rurais (CAR) declarados irregularmente sobre a TI, somando mais de 30 mil hectares. Os CAR são auto-declarados, e necessitam de validação do órgão estadual ou municipal competentes para tornarem-se regulares. “Nesse caso, o CAR não poderá ser validado pelo órgão ambiental porque não é possível regularizar ambientalmente áreas sobrepostas à Terra Indígena, A Constituição Federal garante aos índios o usufruto exclusivo das riquezas dos solos, dos rios e dos lagos existentes na TI. Esses recursos não podem ser compartilhados com invasores ou ocupantes ilegais”, avalia Juliana Batista, advogada do ISA. O monitoramento do ISA detectou, nessa região, a presença de ramais congruentes com os limites dos CAR declarados irregularmente.

Em 2017, a Polícia Federal desarticulou uma quadrilha de grileiros acusadas de invadir, grilar e desmatar a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Os grileiros haviam dividido a terra em 328 lotes, que eram vendidos por até R$ 40 mil. Na ocasião, foram presas 14 pessoas, entre eles policiais militares acusados de informar os criminosos das operações de fiscalização, com antecedência.

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