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O relatório do deputado ruralista Sérgio Sousa (MDB-PR) sobre a Medida Provisória (MP) 867/2018 pode ser votado a qualquer momento, na comissão mista do Congresso que analisa a proposta. Originalmente, a MP previa apenas a extensão do prazo para o ingresso dos produtores rurais nos Programas de Regularização Ambiental (PRA) até o fim deste ano. O relatório de Sousa, no entanto, acata 30 emendas sem relação direta com a matéria – os chamados “contrabandos legislativos” ou “jabutis” – com o objetivo de revisar o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), abrindo caminho a novas anistias por desmatamentos ilegais e acabando com os prazos para a adequação ambiental dos proprietários.
A apresentação de uma complementação do parecer de Sousa está prevista para a tarde desta terça (7), no Senado, com provável votação.
Os “contrabandos legislativos” já foram vetados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, os presidentes da Câmara e do Senado têm hoje a prerrogativa de rejeitá-los unilateralmente.
De acordo com uma das emendas do relatório de Sousa, os proprietários que desmataram ilegalmente e têm passivo de Reserva Legal não precisariam recompor a vegetação em 20% da propriedade para se regularizar, como determina o Código, na Caatinga, Pantanal, Pampa e Cerrado. Estimativa do Observatório do Código Florestal aponta que a mudança pode significar a dispensa de reflorestamento de uma área entre 4 milhões a 5 milhões de hectares, território maior que a Dinamarca. Outra proposta acatada por Sérgio Sousa acaba com o prazo para a entrada nos PRAs, sinalizando para o descumprimento da lei florestal.
O PRA foi criado pela Lei 12.651/2012 e prevê um conjunto de ações que todo produtor rural deve realizar para regularizar ambientalmente sua propriedade, como a recuperação de áreas desmatadas ilegalmente. Os programas devem ser regulados e administrados pelos Estados.
A tentativa ruralista de revisar o novo Código Florestal acabou reunindo ambientalistas, cientistas e setores do próprio agronegócio numa mesma mobilização contra a MP.
Ontem, 19 redes e organizações da sociedade civil, entre elas o ISA, lançaram uma nota de repúdio ao projeto de conversão da MP 867 (leia texto na íntegra). O Observatório do Código Florestal, também integrado pelo ISA, entre outras 29 organizações não governamentais, publicou uma nota técnica que critica de forma contundente a MP. No início da tarde deste terça também está previsto um ato no Salão Verde, na Câmara, contra a medida.
Também ontem, o diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Cornacchioni, deu entrevista ao site Nexo condenando duramente o relatório de Sérgio Sousa. Cornacchioni também é líder na Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne 190 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil. Na semana passada, a Coalizão emitiu uma nota defendendo o texto atual do novo Código Florestal.
Na semana passada, o ISA participou de uma audiência na comissão mista, na presença do relator Sérgio Sousa, e apontou uma série de impropriedades e contradições nas propostas apresentadas ao projeto de conversão da MP (veja aqui).
A Medida Provisória nº 867/2018, editada nos últimos dias do governo Temer, “estende até 31 de dezembro de 2019 o prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) pelo proprietário ou posseiro rural inscrito no Cadastro Ambiental Rural (CAR), permitida a prorrogação por mais um ano por ato do Chefe do Poder Executivo.”
Previsto na Lei Federal 12.651/2012, o Programa de Regularização Ambiental define atividades a serem implementadas dentro ou fora da propriedade ou posse rural para adequação ao previsto no Código Florestal.
A MP 867 está em análise na Comissão Mista, composta de senadores e deputados, onde recebeu 35 emendas, em sua grande maioria sobre temas alheios ao objeto original da proposta. São os chamados “jabutis”, já condenados pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 5127/DF).
Mesmo assim, o relator da medida, deputado Sérgio Souza (MDB-PR), atendeu os pleitos dos parlamentares ligados à bancada ruralista e enxertou no seu texto pelo menos 30 emendas, sendo a maior parte nociva aos propósitos da lei florestal. O relatório de Souza será votado nesta terça-feira (7).
Caso aprovado, o Projeto de Lei de Conversão da MPV nº 867/2018 (PLV) significará revisão inadmissível do Código Florestal e rompimento do pacto firmado pela Lei n.º 12.651/2012 para o cumprimento das obrigações florestais, além de diminuir drasticamente a eficiência administrativa e aumentar exponencialmente a insegurança jurídica, com a ampliação da judicialização e do comprometimento do ambiente de negócios.
O PLV também causará graves danos ao equilíbrio ecológico, impedindo o Brasil de cumprir os compromissos firmados no Acordo de Paris e abalando nossa credibilidade internacional.
Das mudanças mais críticas destacam-se as alterações aos artigos 59 e 68 da Lei Florestal, que tratam, respectivamente, do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e da dispensa de recomposição de Reserva Legal nos casos de desmatamento feito de acordo com a lei em vigor.
Pela redação proposta ao artigo 59, exclui-se o prazo para adesão ao PRA, que apenas será feita após o proprietário ser notificado pelo órgão responsável, e não mais após a inscrição no CAR. Com essas alterações, o PRA, que já representa uma anistia aos proprietários rurais que desmataram ilegalmente antes de 2008, será flexibilizado e não haverá mecanismos para sua implementação, o que postergará indefinidamente o cumprimento do Código Florestal, discutido amplamente no Congresso Nacional e com apoio da bancada parlamentar da
agropecuária.
Já a nova redação do artigo 68 altera a reserva legal na Caatinga, Cerrado, Pampa e Pantanal, reduzindo expressivamente a proteção ambiental. De acordo com a mudança, os proprietários que desmataram ilegalmente e têm passivo de reserva legal, para se regularizarem, não precisarão recompor a vegetação em 20% da propriedade, como determina a Lei Florestal.
Se aceitos, esses dispositivos, além de premiarem aqueles proprietários que desmataram ilegalmente mais do que era permitido, mostrarão, mais uma vez, que o crime ambiental compensa.
Em resumo, as alterações no Código Florestal como um todo sinalizam que a lei pode sempre ser modificada para conceder novos benefícios aos produtores rurais que descumprirem as regras de proteção. Isso ocasionará novas contestações judiciais, postergando a efetivação da lei florestal e trazendo insegurança jurídica para o ordenamento e para as atividades agrossilvipastoris.
Portanto, diante dos riscos ao meio ambiente, do enfraquecimento da legislação ambiental e do desrespeito ao processo democrático, além da insegurança jurídica no campo, as organizações abaixo assinadas repudiam a aprovação do PLV que resulta do relatório do deputado Sérgio Souza.
Assinam:
Associação Nacional dos Servidores Públicos Federais Agrários (Cnasi-AN)
Associação para a Gestâo Socioambiental do Triângulo Mineiro
Coalizão Pró-UCs
Conselho Indigenista Missionário-Cimi
Fundação Mais Cerrado
Fundação SOS Mata Atlântica
Greenpeace Brasil
GT Infraestrutura
Iniciativa Verde
Instituto Augusto Carneiro
Instituto Centro de Vida - ICV
Iepé - Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental – ISA
Movimento Pela Soberania Popular na Mineração
RCA - Rede de Cooperação Amazônica
Rede Nacional Pró Unidades de Conservação
Sociedade Brasileira de Espeleologia - SBE
WWF-Brasil
*Última atualização em 07/05/2019, às 09h40