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A decisão do presidente Jair Bolsonaro de retornar a atribuição de demarcar as Terras Indígenas ao Ministério da Agricultura (Mapa) não durou uma semana. O presidente do Congresso e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou, no início da noite de hoje (25), que irá devolver ao Planalto o trecho da Medida Provisória (MP) 886/2019, publicada em 18/6, que entregou a responsabilidade à pasta comandada pelos ruralistas. Com isso, a MP não será analisada nem pela Câmara, onde estava, nem pelo Senado.
Alcolumbre divulgou nas redes sociais que a decisão foi tomada no colégio de líderes, no fim da tarde. Ela atende à questão de ordem levantada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), baseada no parágrafo 10º do Artigo 62 da Constituição. O dispositivo afirma que “é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo”.
O artigo 1º da MP 886, que atribui a competência das demarcações à Agricultura, repõe o texto rejeitado pelo Congresso, em maio, de outra MP, a 870/2019, que alterou as competências e órgãos internos dos ministérios, reduzindo-os a 19 pastas. Daí a decisão de Alcolumbre, que promete aumentar a tensão entre os três Poderes.
“Promoveu-se grave ofensa ao texto constitucional, o qual é meu dever zelar”, afirmou o senador.
“Ao insistir no erro de atribuir ao Mapa a demarcação de terras indígenas, o presidente feriu a Constituição e se isolou dos demais Poderes”, comentou o sócio fundador do ISA Márcio Santilli.
Em 2008, o então presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), devolveu à Presidência da República a MP 446/2008, sobre as entidades filantrópicas. Em 2015, Renan Calheiros (PMDB-AL) fez a mesma coisa com a MP 669/2015, que tratava de uma das contribuições empresariais à Previdência.
Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso já havia acatado o pedido de suspensão cautelar (temporária) do mesmo dispositivo da MP 886, feito em três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) apresentadas pelo PT, Rede e PDT. Outras duas ações, do Cidadania e do PSB, pedem a mesma coisa, mas ainda não foram analisadas.
Barroso já enviou o processo ao plenário do STF com urgência para que a liminar seja confirmada ou não. O caso deve ser apreciado em agosto. Os ministros entram em férias no dia 2/7 e só voltam ao trabalho no dia 1º/8. Eles ainda devem se manifestar sobre se as ações perderam ou não objeto.
A MP 870/2019 transferiu as demarcações da Fundação Nacional do Índio (Funai) à Agricultura e tirou o órgão indigenista da órbita do Ministério da Justiça, subordinando-o ao Ministério da Família, da Mulher e Direitos Humanos. Ambos os pontos foram rejeitados pelo Congresso, em maio, durante a aprovação da medida. O texto da MP 886 manteve a Funai vinculada ao Ministério da Justiça, acatando a decisão do Legislativo nesse ponto.
Os ruralistas são inimigos históricos das reivindicações indígenas e as mudanças previstas inicialmente na MP 870 eram parte do plano para cumprir a promessa eleitoral de Bolsonaro de não formalizar territórios indígenas em seu governo. As alterações feitas pelo Congresso, retomando o antigo arranjo institucional da política de demarcações foram consideradas pelo movimento indígena uma vitória histórica contra o novo governo.
O assunto foi uma das reivindicações do Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em abril, em Brasília, com a participação de quase quatro mil indígenas de todo o país. Na época, em encontro com os manifestantes, Alcolumbre e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sinalizaram que trabalhariam para mudar o texto da MP no que diz respeito à Funai e às demarcações.
Em abril, Barroso havia rejeitado uma primeira medida cautelar apresentada pelo PSB para suspender os mesmos artigos da MP 870. Seu argumento foi que a prerrogativa de organização da estrutura administrativa era exclusividade do presidente da República. Diante da nova situação, porém, Barroso entendeu que a tentativa de Bolsonaro de ignorar a decisão do Congresso fere a Constituição.
“O Legislativo não pode fazer o que fez. A iniciativa de mudar é nossa. A questão de reserva indígena quem decide, na ponta da linha, sou eu. Sou eu quem assina o decreto demarcatório e eu não vou assinar nenhuma nova reserva indígena no Brasil”, afirmou o presidente, dias depois da derrota sofrida pelo Congresso nesse ponto da MP 870.
Outros pontos da MP continuarão tramitando no Legislativo, como, por exemplo, a transferência da articulação política com o Congresso da Casa Civil para a Secretaria de Governo. A Casa Civil recebeu em troca a coordenação do Programa de Parceria de Investimentos da Presidência (PPI) e das políticas destinadas às obras de infraestrutura pública, incluindo aquelas consideradas estratégicas.