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O cerco se fecha para os indígenas isolados no Brasil. Novas frentes de expansão e exploração avançam sobre a Amazônia, reduzindo a floresta e comprometendo a existência desses povos, que dependem intrinsecamente da mata para sobreviver. São 114 registros em toda a Amazônia, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), 28 deles confirmados.
Essas populações resistem nos últimos redutos de floresta, enquanto os não indígenas aproximam-se cada vez mais em sua busca por riquezas. Em algumas regiões, como os Kawahiva do Rio Pardo, no Mato Grosso, ou os Awá Guajá, no Maranhão, os isolados sobrevivem a seu modo a poucos quilômetros de garimpeiros, caçadores e madeireiros. Uma vida em fuga, protegendo-se na invisibilidade que a floresta oferece. É esse o cenário retratado na publicação “Cercos e Resistências: povos indígenas isolados na Amazônia Brasileira” lançada pelo ISA na terça-feira (23/7).
O livro reúne artigos de pesquisadores que se debruçaram sobre diferentes povos e regiões, analisando a perspectiva dos indígenas contatados que compartilham o território com os grupos isolados. Uirá Garcia, pesquisador da Unifesp, escreve sobre os Awá Guajá, do Maranhão. Bruce Albert, antropólogo e consultor do ISA, e Estevão Bertoni, geógrafo, doutorando da UNB, sobre os isolados da Terra Indígena Yanomami (RR). Karen Shiratori antropóloga e pesquisadora da USP, sobre os kawahiva que perambulam pelo sul do Amazonas, próximos aos índios Tenharim.
A maior parte dos isolados tem conhecimento de seu entorno não indígena, mas optaram por manter-se afastados, no que a Funai classifica como isolamento voluntário. Desde 1987, o órgão mantém uma política de não contato, respeitando essa escolha. Por meio das Frentes de Proteção Etnoambiental, a Funai trabalha para proteger as áreas habitadas por esses indígenas, garantindo a sua existência ao manter a floresta em pé e livre de invasores. O livro traz o depoimento dos coordenadores dessas frentes, no capítulo "visões do front", destacando a palavra de quem vive e atua nos rincões mais afastados da Amazônia.
Além de invasores ilegais, esses indígenas isolados enfrentam a ameaça de expansão da infraestrutura na Amazônia. Dezenas de obras estão previstas nesses territórios, muitas vezes sem levar em conta em suas medidas de compensação ou mitigação os impactos para a floresta e para os povos que dela dependem. Em um artigo inédito que faz parte da publicação, o ISA, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apresenta uma simulação de cenários futuros para os próximos 20 anos. E conclui que, se mantido o atual desmonte de políticas públicas, e o atual planejamento de obras, a existência desses povos isolados ficará seriamente ameaçada.
No pior cenário, algumas áreas protegidas terão perdido toda a sua cobertura florestal até 2039. É o caso das TIs Cana Brava e Krikati (MA), Flona Bom Futuro (RO), Esec Três Irmãos (RO) e Resex do Rio Cautário (RO). Outras áreas terão sido desmatadas em quase sua totalidade, como a Rebio Gurupi (86%), Flona de Jacundá (83%), TI Arara do Rio Branco (80%), TI Awá (71%), TI Jacareúba/Katawixi (69%), TI Caru (66%), TI Araribóia (64%) etc.
Sem a floresta, esses povos enfrentarão a morte ou um contato traumático. “Não tem contato que não seja tenebroso. Todos os contatos são trágicos por motivos variados, mas sobretudo a redução muito drástica da população”, explica Karen Shiratori, antropóloga da Universidade de São Paulo, que contribui para o livro.
“O Brasil é o país com o maior número de povos em situação de isolamento. Isso é incrível, imaginar a riqueza dessa situação. Existem pessoas que tem o modo de vida e que exercem sua liberdade de uma forma totalmente diferente da nossa”, afirma. “É interessante pensar o isolamento como um exercício de liberdade radical. Não exatamente do voluntário como uma escolha, mas como uma manifestação inequívoca da liberdade”, diz ela.
“Essa resistência retrata uma espécie de fúria, uma sanha em viver, uma impossibilidade de se viver bem de outra forma”, escreve Uirá Garcia, em seu capítulo sobre os Awá. “Enfim, pessoas que negam a um preço altíssimo o encontro com o seu próprio extermínio.”
O objetivo da publicação é, por meio de um panorama detalhado sobre o tema, influenciar os três poderes para paralisar a invasão e o desmatamento no território desses povos. Outro ponto importante é fortalecer a Funai, por meio de suas Frentes de Proteção Etnoambientais, hoje um dos principais instrumentos para a proteção desses territórios.
Organização: Fany Ricardo e Majoí Gongora
1ª Edição
254 páginas
Onde comprar: https://isa.to/2JSywKU