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A Comissão de Relações Exteriores (CRE) e, logo depois, o plenário do Senado aprovaram, hoje (12), o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) da base de lançamento de foguetes de Alcântara (MA). Praticamente não houve debate. A comissão aprovou a proposta e o regime de urgência, no início da tarde, e ela passou no plenário poucas horas depois. O projeto de decreto legislativo sobre o assunto (523/2019) vai à sanção presidencial.
A previsão é que quase 800 famílias ou cerca de dois mil quilombolas sejam despejados com a expansão do centro espacial, previsto no acordo fechado com os EUA pelo governo Bolsonaro, em março. O texto não faz referência ao problema, no entanto. O movimento quilombola reivindicava que a votação fosse adiada e ainda defende que a discussão sobre o assunto seja ampliada com a sociedade e, sobretudo, que as comunidades quilombolas que serão afetadas sejam consultadas.
O jornal Folha de São Paulo mostrou que já há um plano do governo, em fase avançada de elaboração, para remover pelo menos 350 famílias. O documento vai contra declarações do ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e peças de propaganda oficial que afirmam que não haverá impactos sobre essas populações.
“O ingresso de valores favorecerá o desenvolvimento de nosso programa espacial, contribuirá para o bem-estar da população maranhense e para o desenvolvimento econômico da região, despertará o interesse da comunidade científica do entorno, fortalecerá nossa indústria aeroespacial”, argumentou o relator na CRE, senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
Os mesmos argumentos vêm sendo repetidos pelo governo, mas não há um estudo, oficial ou independente, atestando qual seria o impacto social, ambiental e econômico da iniciativa. Mesmo os números sobre os recursos que poderiam ser obtidos com o aluguel da base são controversos. Estimativas do governo indicam que o faturamento poderia chegar a US$ 10 bilhões anuais, mas relatório da Global Market Insights de 2018 aponta que o mercado de lançamento de satélites movimenta US$ 5 bilhões por ano em todo mundo (as informações são da Folha de São Paulo).
Saiba mais sobre o assunto abaixo.
Qual a história, o tamanho e população dos quilombos de Alcântara?
Alcântara foi fundada em meados do século XVII e foi um importante centro agrícola e comercial, até entrar em decadência, no século XIX. A presença quilombola data de, pelo menos, dois séculos atrás. Hoje, com mais de 22 mil habitantes, o município tem a maior população quilombola do país. São mais de 200 comunidades. O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) sobre o território quilombola, publicado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2008, prevê uma área de 78 mil hectares - cerca de 78 mil campos de futebol - para mais de 3,3 mil famílias.
Quando a base foi implantada e qual o seu impacto?
O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) foi inaugurado em 1983, ainda durante a Ditadura Militar. Inicialmente, contando instalações e zona de segurança, tinha 52 mil hectares. Em 1993, a área total de segurança do CLA foi ampliada em mais 10 mil hectares. Mais tarde, a área efetivamente usada foi reduzida. Com a construção da base, mais de 300 famílias quilombolas foram removidas e reassentadas, sem qualquer indenização. Elas ainda sofrem com restrições de acesso ao mar, manguezais, igarapés e roças, locais que dependem para sobreviver. O problema aumentou a demanda por alimentação e trabalho. Essas famílias também são proibidas de fazer reformas em moradias e outras edificações. Até hoje, não foi feito o licenciamento ambiental da base militar e, portanto, não foi possível precisar o conjunto dos impactos socioambientais.
Quais serão as consequências da aprovação do acordo para as populações quilombolas?
Hoje, o CLA tem aproximadamente 8 mil hectares - em torno de 8 mil campos de futebol - incluindo instalações e zona de segurança. A proposta é que a área seja ampliada em mais 12 mil hectares, chegando a 20 mil hectares. A previsão é de que 792 famílias ou 2.121 pessoas sejam removidas de suas casas. Haverá novas restrições a áreas de pesca, cultivo, coleta de alimentos e matérias-primas. O texto do acordo sequer menciona o problema, muito menos prevê o reassentamento da população e identifica os impactos socioambientais ou medidas compensatórias, de mitigação ou prevenção a eles.
O acordo não vai trazer desenvolvimento para a região e favorecer os quilombolas?
O governo afirma que o acordo trará investimentos, empresas, infraestrutura, renda e emprego para a região. Apesar disso, não há um estudo, oficial ou independente, atestando qual seria o impacto social, ambiental e econômico da iniciativa. Mesmo os números sobre os recursos que poderiam ser obtidos são controversos. Segundo o Ministério da Defesa, o Brasil poderá faturar até US$ 10 bilhões (cerca de R$ 37 bilhões) por ano alugando a base, mas informações do mercado dão conta de que o lançamento de satélites movimenta US$ 5 bilhões por ano em todo mundo.
Quais as reivindicações das comunidades quilombolas? Elas vão contra os interesses nacionais?
Não há oposição entre uma coisa e outra. Os quilombolas reivindicam apenas que seu território seja definitivamente reconhecido. Para isso, o Incra precisa finalizar o processo de regularização fundiária. A outra demanda é que as comunidades sejam consultadas sobre os impactos econômicos e socioambientais da expansão da base militar, direito garantido pela Convenção 169 Organização Internacional do Trabalho (OIT). O movimento quilombola também quer que a discussão sobre o acordo seja aprofundada, com ampla participação de todos os setores da sociedade interessados. Além disso, as tratativas são questionadas por supostamente ameaçar a soberania nacional, uma vez que trazem uma série de restrições: de acesso de brasileiros a algumas áreas da base; do uso dos recursos obtidos com o aluguel das instalações; de negociações do Brasil com outras nações para utilização do CLA; entre outros.