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O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acaba de divulgar a taxa de desmatamento na Amazônia entre agosto de 2018 e julho de 2019, detectando 29,9% de aumento relativo, o maior entre um ano e outro neste século. É o reflexo do “efeito Bolsonaro”, que começou ainda na campanha eleitoral, com seguidas incitações do então candidato presidencial à invasão de áreas protegidas, e prosseguiu após a sua eleição e posse, com as medidas de desmonte do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e dos demais órgãos federais responsáveis pela proteção das florestas e do meio ambiente em geral.
Passados onze meses desde o início do governo Bolsonaro, não dá mais para responsabilizar os governos anteriores, ou a tendência observada desde 2012. O desmatamento atual é fruto desse governo e confirma a tendência de alta apontada pelo sistema Deter-B, de detecção de alertas, durante o primeiro semestre de 2019. O Deter-B era o principal instrumento de apoio às operações de fiscalização na Amazônia, e foi atacado pela atual gestão, com críticas diretas ao trabalho do Inpe, que é referência internacional na área. Ao mesmo tempo, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), principal política pública para a conservação da Amazônia, teve sua coordenação esvaziada, enquanto o Cadastro Ambiental Rural (CAR) foi transferido do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, o que só criou mais obstáculos ao combate aos crimes ambientais.
Jair Bolsonaro, desde que assumiu a presidência do Brasil em 1º de janeiro de 2019, tem apresentado um discurso e tomado medidas que ameaçam o meio ambiente, a floresta amazônica e os povos indígenas e tradicionais. Dentre elas, podemos citar: a paralisação na demarcação de terras indígenas, o corte de R$ 24,8 milhões no orçamento da fiscalização do Ibama e outros R$ 5,4 milhões do ICMBio, a defesa das atividades minerárias e da agropecuária em terras indígenas, as desautorizações sobre as operações do Ibama contra madeira ilegal, a insistência na revisão das unidades de conservação, o estímulo à grilagem de terras, a retirada de postos de fiscalização do Ibama, a pior performance em autuações e os avisos antecipados da localização das operações de fiscalização.
Outro recibo que não dá para colocar na conta dos governos anteriores é a paralisação no único instrumento de financiamento voltado à redução do desmatamento, o Fundo Amazônia. A sua paralisação não se dá, segundo o relato do ministro, apenas para a revisão do modelo de gestão, mas sim pelo descrédito que o atual governo mostra aos principais doadores do Fundo.
Neste cenário de destruição, as terras indígenas (TIs) e unidades de conservação (UCs) encontram-se mais ameaçadas do que nunca. Durante o primeiro semestre de 2019, as terras indígenas registraram um aumento de 38% nos alertas de desmatamento do Deter-B, em comparação com o primeiro semestre de 2018. Para as UCs federais, os alertas de desmatamento foram 85% maiores em comparação com o primeiro semestre de 2018. Processo parecido foi observado com os alertas de degradação por mineração: aumento de 85% nas terras indígenas em comparação com o primeiro semestre de 2018. Durante o mês de julho, início do segundo semestre, os alertas do Deter-B de desmatamento e mineração também dispararam. Foram 1.864,2 km2 em alertas, e representam um aumento de 278% em comparação com o mês de julho de 2018.
A estimativa divulgada pelo Inpe não captura a devastação ocasionada pelo desmatamento e incêndios florestais amplamente divulgada nos meses de agosto e setembro de 2019, o que deve elevar facilmente o desmatamento ao final de 2019 para patamares acima dos 10 mil km2. Os dados do Deter-B apontam que entre agosto e a primeira semana de novembro foram registrados alertas de desmatamento que cobrem 3.929 km2, que representa 40% do desmatamento registrado nos últimos doze meses.
No início de 2019, o governo federal estava em processo de negociação de pelo menos US$ 1 bilhão de dólares de investimentos internacionais para o combate ao desmatamento e às mudanças climáticas. Cerca de US$ 500 milhões com o Fundo Verde de Clima da ONU e outros US$ 500 milhões em empréstimos do banco de desenvolvimento dos BRICS. Com a redução significativa dos esforços da União no combate ao desmatamento e a dúvida sobre o compromisso do país com essas agendas, tais recursos ficam ameaçados.
O governo Bolsonaro vem conseguindo o seu intento de promover o esbulho do meio ambiente e dos direitos das populações tradicionais, mas a síntese numérica que resulta, expressa nos números agora divulgados, joga por terra a retórica evasiva do ministro Ricardo Salles e promete distanciar o Brasil do cumprimento das metas de redução nas emissões de gases estufa assumidas no Acordo de Paris, além de esquentar o tempo nas negociações comerciais em curso e fragilizar ainda mais a imagem do país. Com suas políticas desastrosas, é o próprio governo quem expõe – gravemente - a soberania nacional sobre a Amazônia.