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O vale-tudo de Bolsonaro contra as Terras Indígenas

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A pretexto de regulamentar a Constituição, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei que pretende viabilizar a exploração indiscriminada dos recursos naturais das Terras Indígenas.

A Constituição prevê, de forma excepcional, a pesquisa e a lavra de minérios nessas terras. Esse caráter excepcional traduz-se na inclusão da autorização a essas atividades entre as competências exclusivas do Congresso. Em outras áreas, é o Executivo que promove a concessão de direitos minerários. A Carta Magna prevê, ainda, que uma lei deverá regulamentar as “condições específicas” em que essas mesmas atividades poderão ocorrer, além das já referidas no próprio texto constitucional, como o cumprimento do “interesse nacional”, a oitiva às comunidades afetadas e, ocorrendo a lavra, a garantia da sua participação nos resultados econômicos.

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Porém, o projeto enviado ao Congresso não estabelece tais condições específicas e limita-se a repetir as que já estão dadas pela Constituição. O projeto também prevê a exploração de petróleo e de gás natural, a implantação de hidrelétricas e de obras de infraestrutura que afetam o solo, os lagos e os rios existentes nessas terras, atributos destinados ao usufruto exclusivo dos índios, que só poderiam ser disciplinados por meio de lei complementar. Além disso, o projeto também pretende viabilizar a garimpagem, inclusive por não indígenas, o que é vedado pelo texto constitucional. Em resumo: escancara as Terras Indígenas a todo e qualquer interesse privado.

A oitiva às comunidades afetadas transforma-se em mero rito burocrático nos termos do projeto, que autoriza a continuidade dos processos de concessão e de exploração dos recursos naturais mesmo quando os índios não os autorizarem. Nesse ponto, o PL vai além do próprio interesse das empresas, que não teriam como suportar o risco fático, jurídico e de imagem que uma autorização forçada lhes acarretaria.

A obrigatoriedade da consulta prévia e informada aos povos indígenas sobre medidas administrativas ou legislativas que os afetem, garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sequer é mencionada. A proposta ignora o direito ao veto dos indígenas previsto taxativamente nas Declarações Americana e das Nações Unidas sobre Direitos dos Povos Indígenas, documentos que vinculam todos os países que fazem parte dos sistemas da ONU e da OEA. Nesses documentos, veto é traduzido pela palavra “consentimento”, que deve ser livre e fundamentado, obtido antes de aprovar qualquer projeto que afete as Terras Indígenas e seus recursos, especialmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. Seria bom o governo levar a sério garantias que dão algum verniz de civilidade ao país, principalmente se pretende demonstrar alguma credibilidade para fazer parte do seleto grupo que compõe a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e se pretende efetivamente concluir o tratado de livre comércio com a União Europeia.

Projeto defende interesses de não índios

Ao anunciar o envio do projeto ao Congresso, Bolsonaro falou em desenvolvimento econômico para os índios, mas o projeto trata, na verdade, dos interesses econômicos dos não índios aos recursos naturais das Terras Indígenas. Em todo o país, as comunidades indígenas desenvolvem atividades econômicas próprias, geram excedentes e os comercializam, das formas que querem e podem. O governo não tem, sequer, um levantamento dessas atividades, da produção realizada e das demandas das comunidades que deveriam ensejar políticas públicas apropriadas. Por exemplo, os índios não podem dar suas terras, que pertencem à União, como garantia para acessar linhas de crédito público ou privado. Mas o projeto nem se refere a essas demandas, não apoia a verdadeira produção dos índios, relegando-os à condição de receptadores de royalties.

O envio do projeto acontece num contexto também marcado pela devolução de processos de demarcação de terras indígenas do Ministério da Justiça para a Fundação Nacional do Índio (Funai); pela caracterização pela própria Funai das comunidades que vivem em terras ainda não demarcadas como invasoras, excluindo-as, inclusive, de ações assistenciais; pela designação de um missionário fundamentalista para a Coordenação de Índios Isolados do órgão indigenista; e pela declaração do próprio Bolsonaro sobre índios que “estão evoluindo” para “humanos iguais a nós”.

Expropriação de bens e direitos indígenas

Que ninguém se engane: o que o governo propõe é a expropriação total dos bens e direitos dos índios assegurados pela Constituição e pelo avanço civilizatório. Com isso, não afeta apenas os índios, mas todos os brasileiros que têm apreço pela diversidade étnica e cultural, o grande diferencial que marca a nossa trajetória como povo e como país, e que também dependem das terras indígenas para a manutenção de serviços ecossistêmicos fundamentais, como a regulação climática, a manutenção e qualidade dos mananciais de água, a continuidade da produtividade agropecuária, entre outros.

De nada adianta os diplomatas e os ministros da área econômica usarem a retórica de que o Brasil tem compromisso com o desenvolvimento sustentável e o enfrentamento às mudanças climáticas. É o próprio presidente que confessa preconceito, discriminação, ódio pelos índios e sanha predatória por suas terras.

Bola está com Rodrigo Maia

A batata quente está agora nas mãos do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. No ano passado, ele havia prometido aos índios, em audiência, não votar uma proposta que fosse atentatória aos direitos indígenas mas, assim que recebeu a mensagem do Executivo, providenciou a instalação de uma comissão provisória sem consulta à Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Indígenas. Não se sabe por que. A extensão do impacto sobre terras e povos indígenas que o projeto promete, potencializando a escalada do desmatamento, a destruição dos rios e o aumento de conflitos na Amazônia e em outras regiões, recomenda ao Rodrigo Maia a cautela que o Executivo não tem.

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