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O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas oficializou despacho determinando que a Secretaria Executiva Adjunta de Atenção Especializada do Interior da SUSAM (Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas) responda em um prazo de três dias úteis (a contar do dia 26 de março) sobre as medidas previstas no plano de contingência da pandemia de Covid-19 para atendimento dos municípios do interior do estado.
O MPF agiu em resposta ao ofício enviado pelo Comitê de Prevenção e Enfrentamento ao Novo Coronavírus criado por decreto municipal em São Gabriel da Cachoeira (AM), no qual as instituições alertaram para a falta de infraestrutura de saúde no Noroeste Amazônico em caso de proliferação e atentam para a vulnerabilidade dos 23 povos indígenas, alguns de contato mais recente, a esse tipo de infecção respiratória.
Diversos especialistas da área de saúde alertaram para o risco de extermínio desses povos caso entrem em contato com a doença. "Há um risco incrível de o vírus se alastrar pelas comunidades e provocar um genocídio", disse a médica sanitarista Sofia Mendonça, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em reportagem da BBC Brasil.
“Não podemos esperar a doença chegar no Alto Rio Negro para agir. Precisamos que os órgãos de saúde responsáveis e as instituições possam estar trabalhando juntas, com fluxo de informações e transparência na ação, para evitar que haja uma situação descontrolada no caso de proliferação do coronavírus pelo interior e nas fronteiras do Amazonas”, pediu Marivelton Barroso, do povo Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), que integra o Comitê.
Até esta sexta-feira (27/03), São Gabriel da Cachoeira e os municípios de Barcelos e de Santa Isabel do Rio Negro não apresentavam nenhum registro da doença. Porém, em São Gabriel, devido à chegada de embarcações com passageiros vindos de Manaus, 319 pessoas foram colocadas em monitoramento e há um caso suspeito em análise.
Os profissionais de saúde estão preocupados com a capacidade de acompanhamento dessas quarentenas. Por isso, existe um esforço oficial para impedir a chegada de novos barcos a São Gabriel e para que se apliquem os decretos municipais e estadual que cancelam viagens fluviais ao interior pelo período inicial de 15 dias. O transporte aéreo também está suspenso, com exceção de voos dos órgãos de saúde, militares e para serviços essenciais de abastecimento.
O isolamento da região da Cabeça do Cachorro durante esse período crítico da pandemia é visto como prioritário pelo comitê. No entanto, alguns empresários de transporte insistem em manter suas atividades ancorados em medida da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), favorável a que a navegação nos rios brasileiros permaneça em operação, mesmo contrariando os decretos municipais, estadual e as recomendações da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM). Até ontem, o Amazonas já apresentava 80 casos confirmados da doença, uma morte e 11 pacientes internados.
Em 13 de março, foi confirmado o primeiro caso da doença no estado e, desde então, os números só aumentam. O governador Wilson Lima decretou seis dias depois (decreto 42.087) a suspensão das aulas na rede pública em todo o Amazonas, os serviços de transporte fluvial de passageiros e as atividades de todas as academias, centros de ginástica e similares. Na sequência, na segunda-feira (23/03), também decretou o fechamento do comércio, com exceção dos supermercados, padarias, farmácias e clínicas médicas.
A população manauara vem seguindo a recomendação de quarentena passada pelo governo estadual e pela FVS-AM, deixando as ruas vazias, trânsito liberado e comércio fechado. No entanto, movimentos de pequenos empresários da extrema-direita, comerciantes e profissionais liberais, motivados pelo pronunciamento em rede nacional do presidente Jair Bolsonaro dia 24, estão convocando uma carreata para a próxima segunda (30/03).
Eles pretendem pressionar as autoridades a liberarem a reabertura do comércio na capital. Com a hashtag #VoltaBrasil, os empresários dizem na convocatória que irão “isolar nossos idosos e tratar os enfermos”, mas que “o resto precisa voltar para a guerra”. Para os profissionais de saúde do Amazonas, esse movimento vai na contramão de todas as recomendações e representa uma ameaça a ordem e à saúde das pessoas.
Os principais pontos cobrados pelo MPF a partir das recomendações do comitê foram sobre:
- O envio de testes de diagnóstico da Covid-19 para os hospitais regionais e unidades geridas pela rede estadual de saúde do interior do AM.
- Disponibilidade e previsão de envio de kits de máscaras, aventais, luvas e álcool 70% para as equipes de saúde trabalharem de acordo com o Protocolo de Manejo Clínico do Ministério da Saúde.
- Leitos de UTI e aparelhos respiradores nas unidades de saúde do interior.
- Plano de logística de remoção de pacientes para as unidades de referência em Manaus.
- Plano de fluxo de informações dos pacientes entre os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) do Amazonas e das unidades de referência no interior.
- Apresentação da relação das unidades de referência para atendimento de casos de contaminação pela Covid-19 no interior do estado, com os contatos dos responsáveis para otimizar o fluxo de informações.
O MPF também cobra que as coordenações regionais da Funai no Amazonas apresentem dados quanto às medidas adotadas para evitar a disseminação do vírus entre os povos indígenas, esclarecendo se foi estabelecido canal de informações com o respectivo DSEI da região. Ainda foi solicitado que o Hospital de Guarnição de São Gabriel, que é o único hospital do município, forneça informações sobre sua estrutura de atendimento também no prazo de três dias.
O documento foi encaminhado ao Núcleo para o Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira do Estado do Amazonas (Niffam), que tem
por finalidade coordenar ações e propor medidas que visem o desenvolvimento de iniciativas e a implementação de políticas públicas prioritárias à atuação do Governo Estadual na região fronteiriça, sob a coordenação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação – SEDECTI.
A intenção é que o Núcleo também possa apoiar na articulação e operacionalização das medidas emergenciais, uma vez que o município de São Gabriel da Cachoeira faz fronteira com a Venezuela e a Colômbia. “O coronavírus não respeita fronteira e precisamos ter ações articuladas nessa região levando em consideração a extensa área de fronteira no Noroeste amazônico”, sublinhou o antropólogo Beto Ricardo, sócio-fundador do ISA.
Até o momento, a região Panamazônica apresentou 320 casos de coronavírus e três óbitos, segundo o monitoramento diário feito pela Repam (Rede Eclesial da Panamazônia), ligada à Igreja Católica. O acompanhamento é feito nos oito países que integram a região e é fundamental monitorar às regiões de fronteira onde há circulação de povos indígenas, agentes públicos dos estados, sobretudo, militares, além de se manter as ações de vigilância de ilícitos, como narcotráfico e garimpo ilegal, que preocupa também os povos indígenas, uma vez que contraventores podem se aproveitar da situação da pandemia para promover invasões e outras ações criminosas.
Para combater as notícias falsas e levar informações aos povos indígenas, a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas está produzindo uma série de materiais para apoiar nas ações de informação e educação da população sobre a pandemia.
Carros de som, informes nas rádios comunitárias e nas estações de radiofonia têm sido fundamentais para conscientizar a população para a necessidade de quarentena. Os comunicadores também produzem o podcast Wayuri e distribuem pelas redes sociais, WhatsAPP e compartilhamento via Bluetooth.
Para organizar a produção de materiais, que também contará com cartilhas e cartazes nas línguas indígenas, foi criado uma equipe interinstitucional de comunicação para o combate à Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira composta por comunicadores da Rede Wayuri, da Foirn e do ISA junto com os profissionais da saúde do DSEI-ARN e da Secretaria municipal de Saúde (Semsa). Com isso, o grupo consegue diariamente produzir vídeos, informativos, áudios e monitorar as redes sociais para combater fake news.
O médico Drauzio Varella, que recente esteve no Alto Rio Negro, contribuiu com o trabalho da equipe enviando um vídeo para a população de São Gabriel explicando a gravidade da pandemia e a necessidade do resguardo, após episódio do presidente Bolsonaro usar seu nome para enfraquecer as medidas de quarentena.
Um vídeo gravado pelo Drauzio sobre o Coronavírus em janeiro, quando a epidemia não tinha chegado ao Brasil, foi espalhado pelas redes sociais como se fosse atual, visando desmobilizar as iniciativas de controle dos estados e municípios. Portanto, o combate às fake news e a produção de informações corretas baseadas em dados científicos e de profissionais da saúde têm sido tão importantes quanto as medidas de isolamento social para que o Brasil possa diminuir os impactos da pandemia na vida da população.
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