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Senado aprova política emergencial para populações indígenas e tradicionais durante pandemia

Projeto foi aprovado sem alterações de conteúdo e agora segue à sanção presidencial. A questão agora é saber se haverá vetos de Bolsonaro
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O Senado aprovou, na noite desta terça (16/6), o projeto de lei (PL) 1.142/2020, que cria uma política emergencial para povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais na pandemia de Covid-19. A votação foi simbólica, com todos os partidos posicionando-se a favor, e não houve mudanças de conteúdo da proposta vinda da Câmara. O PL segue agora à sanção presidencial.

A aprovação do projeto é considerada uma conquista importante do movimento social, ainda mais porque o PL reúne medidas para um conjunto abrangente de populações quando a crise sanitária avança rapidamente entre elas.

Apesar disso, pelo menos um senador sinalizou que o presidente Bolsonaro pode vetar o projeto. “Quero deixar registrado que, apesar do mérito ser extremamente positivo, num momento como este, quero fazer esta ressalva no sentido de que, amanhã ou depois, não haver nenhuma crítica discriminatória injusta ao atual governo no sentido de se vetar determinadas situações que, sob ponto de vista técnico-legislativo, são inconstitucionais”, afirmou o senador Nelson Trad (PSD-MS).

Desde o fim da semana passada, o secretário especial de Saúde Indígena, Robson da Silva, disparou áudios e vídeos tentando mobilizar indígenas e servidores contra o PL. Para Silva, o atendimento de indígenas urbanos inicialmente previsto para ser realizado pela Sesai, previsto no projeto, pode inviabilizar o trabalho do órgão. “Por mais que tenha dinheiro, por mais que se duplique a capacidade de pessoal, nós não temos como executar essa ação num curto prazo”, afirmou, em vídeo distribuído por Whatsapp.

Desde o início da pandemia, o secretário defende que que os índios que vivem nas cidades devem ser atendidos pelos serviços convencionais do Sistema Único de Saúde (SUS). A Sesai também só contabiliza casos e mortes por Covid-19 ocorridos na zona rural. A posição é criticada pelo movimento indígena e o Ministério Público Federal (MPF). A situação de indígenas que vivem em Manaus, por exemplo, é extremamente grave. Eles sempre estiveram no fim da fila da assistência médica, em função das distâncias das principais unidades de saúde e do preconceito. Com a pandemia, a situação piorou.

O projeto agora aprovado no Senado foi idealizado e desenvolvido com apoio do movimento indígena. Durante toda sua carreira política, antes e depois de eleito, Jair Bolsonaro colocou-se frontalmente contra os direitos de indígenas e populações tradicionais. Daí serem esperados alguns vetos.

Mudanças

O relator do projeto no Senado, Randolfe Rodrigue (Rede-AP), lembrou que acatou sugestões de outros parlamentares para retirar pequenos problemas da proposta, inclusive do líder do governo, Fernando Bezerra (MDB-RN). Como as emendas são consideradas de “redação” o projeto não volta à Câmara.

Saíram do texto as indicações dos órgãos que deveriam executar as ações, entre eles justamente a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Com a nova redação, a União é apontada como a responsável de forma genérica pelas iniciativas e deverá regulamentar quais órgãos deverão executá-las. A manutenção da redação anterior poderia ser considerada um “vício de origem”, o que abria caminho ao veto do presidente da República, porque esse tipo de definição é considerada de competência exclusiva do Poder Executivo.

Também foi retirado o dispositivo que informava que os custos previstos no projeto não deveriam ser incluídos no teto de gastos públicos. O dispositivo foi considerado “inócuo” pelo relator porque todos os gastos realizados pelo governo com a pandemia estão automaticamente fora do teto por medidas já aprovadas pelo Congresso nos últimos meses.

O projeto aprovado pelos senadores prevê a criação de um “Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19” para territórios indígenas, quilombolas e tradicionais, com garantia de acesso à água potável, distribuição de cestas básicas, materiais de higiene e limpeza, além de ações de prevenção e assistência específicas. Entre elas, lista a oferta de leitos hospitalares, compra de respiradores, contratação de profissionais de saúde, transporte de doentes e a construção de hospitais de campanha em regiões críticas.

A proposta também determina que essas comunidades sejam consideradas como grupos de "alto risco" para iniciativas contra a doença. O PL indica ainda que o governo deve facilitar o acesso ao auxílio emergencial instituído na pandemia, a benefícios sociais e previdenciários para possibilitar o isolamento dessas comunidades em seus territórios (saiba mais).

Missionários

A oposição e os parlamentares defensores dos direitos indígenas não conseguiram convencer a mesa do Senado a impugnar, com a justificativa de tratar-se de “matéria estranha” à proposta, o parágrafo I do Art. 13 do projeto. O dispositivo foi aprovado de última hora na Câmara, por pressão do governo e do Centrão, e abre brecha para a manutenção de missões religiosas em terras de índios isolados, desde que “avaliadas pela equipe de saúde responsável”.

“O que tem a ver missão de cunho religioso com o objeto desse projeto de lei?”, questionou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES). “Os povos indígenas eram mais de 2,5 milhões, em 1.500, e hoje são apenas 1 milhão. E eles vão sofrer mais neste momento de pandemia”, criticou. Para ele, o dispositivo vai contra a Constituição, recomendações do Ministério Público Federal (MPF) e normas internacionais que protegem a cultura indígena, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O tema é altamente sensível. Além do histórico de genocídio dos povos indígenas provocado por epidemias, os isolados em especial são ainda mais vulneráveis por estarem, em geral, em áreas remotas e de difícil acesso, o que torna o atendimento médico emergencial ainda mais difícil. O contágio mesmo por doenças comuns entre não índios, como gripe e sarampo, pode dizimar grupos inteiros em curto espaço de tempo.

Há mais de 30 anos, a política oficial da Fundação Nacional do Índio (Funai) é de respeitar a escolha dessas populações de fazer ou não o contato e no momento que preferirem. A exceção fica por conta de situações de risco à integridade dos índios. Daí as ações de proteção de seus territórios, inclusive de expulsão de invasores, como madeireiros ilegais, garimpeiros e missionários.

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