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Angelina da Silva Gervásio, guardiã da memória das roças para o futuro

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Por Laure Emperaire, do programa de pesquisa Populações, Agrobiodiversidade e Conhecimento Tradicional Associado - PACTA




Angelina da Silva Gervásio (1938), da etnia Tukano, faleceu no sábado (20/06), em Manaus, após ter contraído Covid-19.

Inicialmente morou em Tapereira (comunidade localizada às margens do Rio Negro, no município de Santa Isabel do Rio Negro) e no início dos anos 2000 se mudou para a sede do município de Santa Isabel, com seu esposo Sr. Moisés, onde já moravam vários dos seus filhos.

Dona Angelina teve um papel importante no reconhecimento do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro como patrimônio cultural do Brasil contribuindo muito com a riqueza de seus saberes.

Dona Angelina é um encontro que remonta a 30 anos atrás, exatamente no dia 19 de junho de 1990 em Tapereira. E a alegria e a generosidade dela e de sua família, em Tapereira ou em Santa Isabel do Rio Negro, permanecem intactas, ainda ressoando nas nossas almas. Uns meses mais tarde, voltamos para trabalhar sobre os ”produtos”.

Os conhecimentos do Sr Moisés e outros moradores de Tapereira foram imprescindíveis para entender como funcionava o extrativismo da piaçava, da castanheira, da sorva e outros produtos. Mas também para entender o papel da farinha na vida no piaçaval, e depois para entender um pouco das manivas na origem dessa farinha, e ainda depois para entender de todas as plantas cuidadas por ela e a família, das cestarias e dos alimentos.

Sempre com a mesma generosidade, alegria e atenção, respondia às perguntas. Seus conhecimentos abarcavam os nomes, as histórias das plantas, as origens de cada planta cultivada, o gosto delas por um tipo de terra ou outro, as plantas companheiras, o repasse, as manivas sem pai, o quintal, os tipos de farinhas, de beijús, os cuidados com a tapioca no forno e muitos outros temas. Passar um dia com Dona Angelina e Sr. Moisés era um aprendizado único.

Esses aprendizados vieram também de todas as outras donas de roça que colaboraram e colaboram com as reflexões da ACIMRN (Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro, filiada à Foirn) e do PACTA para construir um instrumento que reconheça a importância desses saberes, que valorize os aportes dos povos indígenas para viver no mundo.

O livro Manivas, aturás e beijus, co-editado com a ACIMRN, retrata apenas uma parte desse conhecimento; dar conta desse saber na sua totalidade não cabe por escrito. É na convivência com a roça que ele se constrói e que sua vitalidade, suas dinâmicas, seu poder de adaptação poderão ser transmitidos para as novas gerações.

Uma forma de honrar a memória de Dona Angelina, grande especialista das roças e das plantas, e a do Sr Moisés, é então participar da transmissão desses saberes para as novas gerações. E, como não associar à memória dela, a diversidade das plantas por ela cuidadas, as manivas arraia, bacaba, baixotinha, barcelos, buia, cabeça vermelha, comandante, cor de rosa, cucura, dabiru, do pará, esteio, esteio branco, fino, jaboti, jamúrube, maniva japurá, maniva juruna, maniva lito, malave, mamaroca, maraquiri, manipeba, mucura branca, mucura roxa, ourinho, paca, pacú, pindaíba, quebradinha, samaúma, seis meses, surubim, taboca, tapa, trovão, tukano, uapixuna e outras plantas como os cará preto, cará cuia, cará jacuruarú, cará tapirapé, batata branca, batata roxa, araruta, ovo de jacaré, macoari doce, macoari, cana pintada, cana verde, abacaxi serra, abacaxi pirapucu, ananas, ariá, banana comprida, banana guariba, banana inajá, banana maçã, banana são tomé, carajiru, pimenta murupi, pimenta xurimã, pimenta curabia, açaí do pará, açaí do pará verde, jaca da Bahia, carambola, pupunha amarela, acerola, manga manguita, manga, pitanga, graviola, bacabinha, maracuja peroba, andiroba, mamão, pequiá, limão, laranja, limão tangerina, coqueiro, coqueiro anão, coqueiro ouro, ingá curto /miudo/cunifa, ingá cipó, abacate, abacate de quilo, umari preto, cucura, abiu, abiu, goiabeira, goiabeira, jambo, cupuaçu, baraturi, rabo de arara, capim santo, comigo ninguém pode, mão de crianca, marupá, pinhão macumba, pampula, escama de pirarucu, hortelãzinho, japana, escama de pirarucu, babosa, mangarataia, remédio de cobra, canela de jacamim, tajá jurupari, tajá sol, dente de porco, pobre velhinho, puraqué, piraçú, para cacar paca, cebolinha, chicórea, carurú, cominho, alfavaca, milho e certamente muitas outras.

Por Suli Gervásio:

"Vou lembrar da vovó Angelina com muito carinho e amor, fica conosco seus ensinamentos que aprendemos desde criança, eu cresci junto da vovó. Ela era conhecedora de várias espécies de maniva lembro que ela me ensinava a diferença olhando nas folhas, no caule e nas raízes também, o pouco que falo e entendo do nheengatu aprendi com ela. Além disso, conhecia várias ervas medicinais para curar uma simples gripe à uma diarreia de sangue.

Essa doença (covid-19) está levando nossas bibliotecas humanas, vovó foi mais uma vítima! Ao mesmo tempo que estamos com o coração partido, encontramos forças para seguirmos juntos com o ensinamento que a vovó nos deixou. O que acalenta nossos corações é saber que vovó viveu muito bem os seus 82 anos juntamente com vovô Moisés que nos deixou ano passado. Agora os dois velhinhos estão juntos novamente. Que descanse em paz, nós a amamos muito!".