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Quilombolas e caiçaras ajudam a alimentar a periferia de SP. E pode ser só o começo

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Em dois meses, comunidades do Vale do Ribeira (SP) organizaram com parceiros a distribuição de cerca de 14 toneladas de produtos da roça e da pesca na capital paulista
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A roça quilombola e a pesca artesanal caiçara aproximaram mundos que pareciam distantes antes da pandemia da Covid-19.

Moradores das periferias de São Paulo, duramente atingidas pelo vírus, encontraram um traço de união e apoio, de comunidade para quilombo, de comunidade para comunidade, no alimento produzido com resistência e afeto.

Roça é resistência

Pesquisas da Universidade de São Paulo já comprovaram que as roças dos quilombolas do Vale do Ribeira ajudam a manter a Mata Atlântica preservada (assista aqui ao documentário). Não por acaso, a região abriga o maior trecho desse tipo de floresta em todo o país.

Os produtos da roça fazem parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, registrado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio imaterial do Brasil.

Em dois meses, com diversas articulações e parcerias, a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), com sede em Eldorado (SP), e a comunidade caiçara da Enseada da Baleia, na Ilha do Cardoso, conseguiram distribuir um total de cerca de 14 toneladas de comida de verdade para famílias da região do Capão Redondo, na zona sul, e da Vila Brasilândia, na zona norte da capital paulista.

Os carregamentos com até 26 variedades de produtos como peixe seco, cará, inhame, laranja, banana, limão, mamão, rapadura, taiada, entre outros, chegaram em maio e junho aos bairros, que lideram o triste ranking com mais mortes por Covid-19, segundo levantamento da Prefeitura de São Paulo com dados atualizados até o dia 5 de junho.

A articulação envolveu organizações da sociedade civil como o Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto Linha D’Água, a ONG Bloco do Beco e o Instituto Brasil a Gosto, que formatou uma campanha de arrecadação de recursos com o apoio do Magazine Luiza, bem como organizações internacionais como a União Europeia e a Good Energies.

Acesse o site da campanha e doe: kickante.com.br/brasilagosto/



O trabalho em equipe promoveu encontros emocionantes. Como o que aconteceu em maio, quando cará, inhame, abóbora, palmito e muitos outros alimentos fruto do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola chegaram à casa de Terezinha de Jesus Freitas, 64 anos, que mora com outras cinco pessoas no Jardim Amália, região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

“Fui criada nesse mundo de roça, meu pai plantava mandioca, milho, abóbora. É lembrar do tempo que a gente era criança”, contou. “Eu nunca mais comi palmito assim, fresquinho.”

Ou ainda no dia 17 de junho, de celular para celular, quando Rosana de Almeida, do Quilombo Nhunguara, coordenadora financeira da Cooperquivale, e Rodrigo Olegário, líder comunitário da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, encontraram-se pela primeira vez em uma chamada em vídeo.

“Um dia, quando tudo isso passar, quero poder visitar vocês aí”, disse Olegário, direto da Brasilândia. “Quando você vier vamos pra roça das comunidades pra você participar de um mutirão com a gente”, respondeu Rosana, da sede da Cooperquivale em Eldorado.

“Senti como se fosse um parente bem próximo. Senti uma questão dos ancestrais e da necessidade de manter a cultura, rica. Quero fazer uma visita, quero dar um abraço”, relatou Olegário.

Três dias depois, em 20 de junho, o caminhão da Cooperquivale chegou à Brasilândia com 10 toneladas de alimentos que foram distribuídos, com apoio de Olegário, do Instituto Brasil a Gosto e voluntários, a 915 famílias da região e uma creche.



“O melhor adjetivo para a ação é ‘surreal’. A qualidade dos alimentos era grandiosa e as pessoas estão pedindo mais”, contou Olegário. “Elas me param na rua pra avisar que estão cozinhando aquele inhame, aquele cará, aquela mandioca, falam do mel, da qualidade da rapadura.”

“É uma relação afetiva”, continuou. O distrito da Brasilândia é de maioria negra e de migrantes nordestinos. “Tem muita gente com saudades de seus parentes. E acabam matando a saudade através do alimento.”

Para ele, a ação pode ser o começo de uma relação mais próxima entre as comunidades quilombolas e caiçaras e a Brasilândia, e o alimento deve ser tratado como conteúdo nas escolas. “É preciso propor, e tem professores que topariam”, disse.


Segunda entrega para famílias vulneráveis de Eldorado e Iporanga

A Cooperquivale também organizou uma nova entrega emergencial de produtos da pesca caiçara e da roça dos quilombos para famílias dos municípios de Eldorado e Iporanga, no Vale do Ribeira, em São Paulo.

Foram, ao todo, 5,2 toneladas de alimentos como frutas, legumes, mel e peixe seco para atender 251 famílias.

Eldorado recebeu no dia 19 de junho 1,2 toneladas dos produtos que devem atender 40 famílias e Iporanga um total de quatro toneladas para 211 famílias. Somados, os dois municípios têm cerca de 20 mil habitantes.

A distribuição de alimentos também foi viabilizada pela campanha de arrecadação de recursos promovida pelo Instituto Brasil a Gosto em parceria com a Cooperquivale, o ISA, o Instituto Linha D’Água e a comunidade caiçara da Enseada da Baleia, com o apoio da Good Energies, do Magazine Luiza e da União Europeia.

Esta é a segunda distribuição de alimentos realizada pela Cooperquivale na região durante a pandemia. Na primeira, realizada em maio, foram beneficiadas 18 aldeias Guarani, dois quilombos e moradores dos municípios de Eldorado e Iporanga (SP) atendidos por organizações, como a Ação Social e a Associação Mulheres Unidas por uma Vida Melhor (Amuvim).

A limitação de renda e acesso à alimentação de diversas comunidades e povos tradicionais da região do Vale do Ribeira e grupos sociais de diversos municípios tornou-se dramática durante a pandemia da Covid-19.

Ao todo, 39 grupos sociais, entre aldeias indígenas, comunidades quilombolas e caiçaras, trabalhadores rurais e urbanos de nove municípios pediram alimentos. E os pedidos de mais famílias e mais grupos sociais continuam a chegar. A demanda atual mapeada é de cerca de mil cestas de alimentos por mês.


Roberto Almeida
ISA
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