Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Os registros de contaminação pela Covid-19 na Terra Indígena Yanomami podem ser bem diferentes aos divulgados até o momento pelas autoridades sanitárias. Isso porque, segundo a Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, coletivo de pesquisadores e apoiadores, o teste que vem sendo utilizado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) no território é o “One Step Covid-19”, da empresa chinesa Guangzhou Wondfo Biotech, cuja sensibilidade é considerada baixa por cientistas.
Nesta quinta-feira (02/07), de acordo com a rede, havia 188 casos confirmados e cinco mortos pela pandemia do novo coronavírus. Há ainda três óbitos suspeitos.
“A principal restrição encontra-se no fato que realizar diagnósticos de Covid-19 com base em testes sorológicos (testes rápidos) tem utilidade reduzida”, escreveu a rede em comunicado. Os testes rápidos, dizem, “são úteis para documentar e contabilizar, de forma retrospectiva, os casos de Covid-19 que ocorreram, num determinado período de tempo, em uma população específica, apresentando desta forma uma evidente limitação para controlar a propagação da epidemia”.
Conforme indicam pesquisas recentes, com o teste rápido, os anticorpos para a Covid-19 são detectados geralmente a partir do 10º dia após os primeiros sintomas, “quando a carga viral diminuiu e os pacientes têm o potencial de transmissão reduzido”. Com isso, se extrai somente um registro do passado, não do quadro atual. Para se ter um panorama mais confiável das contaminações, o indicado é o teste RT-PCR, exame considerado “padrão-ouro” para diagnóstico, pois utiliza técnicas de biologia molecular para detectar se o vírus está presente no corpo.
“A Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana vê como urgente e imprescindível que as autoridades sanitárias brasileiras (Sesai e Ministério da Saúde) disponibilizem testes moleculares (RT-PCR) para diagnóstico e monitoramento da Covid-19 entre os povos da TI Yanomami e criem condições para que os mesmos sejam analisados em laboratórios qualificados, único procedimento adequado para evitar hoje uma propagação descontrolada da doença no território indígena”, conclui o comunicado.
Nesta semana uma missão interministerial levou insumos como máscaras cirúrgicas, álcool 70%, luvas e medicamentos como a cloroquina, além de testes rápidos, para atendimentos nas aldeias de Auaris, Surucucu e Waikás, na Terra Indígena Yanomami. Essa última ganhou destaque após indígenas da comunidade -- uma das mais afetadas pelo garimpo ilegal -- denunciarem focos de contaminação pela Covid-19, levada por garimpeiros. Segundo informações vindas da aldeia, após a denúncia, em uma primeira testagem com testes rápidos, pelo menos quatro pessoas testaram positivo. Essas mesmas pessoas, em uma segunda rodada de testes rápidos, tiveram o resultado negativo.
A Covid-19 também chegou à região do Kayanaú, fortemente afetada pela presença de garimpeiros. Junto com a região de Waikás, são as que apresentam a maior atividade garimpeira na TI Yanomami. No último dia 20, uma mãe e seus dois filhos (de cinco e 12 anos) foram removidos de avião para Boa Vista por estarem com malária falciparum. A menina menor testou positivo no dia 22 e está entubada na UTI do Hospital da Criança Santo Antônio.
No dia 23, foram removidos de Kayanaú para Boa Vista outras duas mulheres e mais duas crianças, todos com malária falciparum. Uma das mulheres também testou positivo para o novo coronavírus. As mulheres relatam que em Kayanaú muitos Yanomami apresentam sintomas de gripe e que garimpeiros acessam diariamente o posto de saúde da Sesai em busca de medicamentos. Monitoramento por sensoriamento remoto realizado pela Hutukara Associação Yanomami e o Instituto Socioambiental (ISA) apontam 359 hectares de floresta degradados pelo garimpo no Kayanaú. Na região de Waikás foram 682 hectares.
Alertas sobre o garimpo ilegal ser o principal vetor do novo coronavírus na TIY vêm sendo feitos desde o início da pandemia. Segundo estudo do Instituto Socioambiental (ISA) e da UFMG, 40% dos indígenas que vivem próximos à áreas de garimpo podem ser contaminados. O cenário dramático deu origem à campanha “Fora Garimpo, Fora Covid”, que reúne diversas organizações brasileiras e internacionais e já acumula mais de 300 mil assinaturas.
A missão do governo brasileiro aconteceu dias após a forte repercussão do tema Yanomami na imprensa. Além da denúncia de contaminação em Waikás e também do desaparecimento de bebês Yanomami em Boa Vista, Roraima, dois Yanomami foram assassinados por garimpeiros na região do Parima, comunidade Xaruna, na Terra Indígena Yanomami. "Tememos que os familiares dos Yanomami assassinados decidam retaliar contra garimpeiros, seguindo o sistema de Justiça da cultura Yanomami, podendo levar a um ciclo de violência que resultará numa tragédia", afirmou a Hutukara Associação Yanomami em comunicado.
O desespero das mães Sanöma, um subgrupo Yanomami, ganhou viralizou nas redes sociais com a hashtag #criançasyanomami. Reportagem da Amazônia Real constatou que três crianças haviam sido enterradas e uma permanecia no IML local. Os Yanomami têm rituais fúnebres específicos, com a cremação do corpo, sendo o enterro o pior procedimento possível para o falecido, sua família e a comunidade. Lideranças Yanomami exigem que as autoridades dialoguem para se estabelecer alternativas, já que em Boa Vista não existe crematório.
Após a missão interministerial à TIY, que contou com a participação de mais de 10 jornalistas brasileiros e estrangeiros, o ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo Silva, afirmou à Folha BV que a pandemia do novo coronavírus está “controlada nas Terras Indígenas”. A declaração foi em resposta aos apelos pela retirada dos garimpeiros do território Yanomami. O general também minimizou o assassinato de dois Yanomami ao dizer que os conflitos entre garimpeiros e Yanomami “não são corriqueiros”, e informou que a Polícia Federal está no comando das investigações sobre o caso.
“Os Yanomami, representados pela Hutukara, vêm denunciando há 10 anos o garimpo e os seus impactos negativos nas comunidades. O assassinato de duas pessoas é o extremo de uma situação de diversos crimes perpetrados pelo garimpo", afirmou Moreno Saraiva, assessor do ISA. Segundo ele, a prática ilegal gera dano ambiental pela degradação da floresta e dos rios, poluição do meio ambiente, que por sua vez leva à contaminação das comunidades por mercúrio, invasão de terras públicas e roubo do patrimônio da União, além da violência física direta. "Ao minimizar o assassinato dos dois Yanomami o ministro além de minimizar a própria vida, minimiza uma série de crimes que estão ocorrendo na Terra Indígena que ele visitou”, disse o antropólogo.
É esperada para esta sexta-feira (03/06), às 10h, uma reunião do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, com a deputada federal (Rede-RR) Joenia Wapichana e o líder Yanomami Dario Kopenawa, representando a Hutukara. Dario deve reforçar a urgência da retirada imediata dos mais de 20 mil garimpeiros que atuam ilegalmente na TIY.
Na quarta-feira (01/07), ação movida por povos indígenas em conjunto com partidos da oposição pediu a retirada de invasores das Terras Indígenas Yanomami e outras seis que estão entre as mais afetadas da Amazônia brasileira. Relatório do ISA mostrou o avanço das ameaças em cada um desses territórios. Hoje, o relator sorteado, ministro Luís Roberto Barroso, deu 48 horas para o governo Bolsonaro dar uma resposta.
Em 16 de junho, a Hutukara e o Conselho Nacional dos Direitos Humanos(CNDH) entraram com um pedido de medida cautelar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão que faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA). A medida tem o intuito de pressionar o governo brasileiro a tomar medidas concretas para proteger os Yanomami.
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