Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Não foi por falta de aviso. Antes do primeiro caso da Covid-19 entre indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), médicos sanitaristas e o próprio Instituto Socioambiental (ISA) já haviam alertado para o que poderia acontecer caso o novo coronavírus alcançasse os povos originários do Brasil.
O Acampamento Terra Livre (ATL), marcado para abril, foi prontamente cancelado. A intenção era uma só: manter os indígenas nas suas aldeias o máximo possível. Outra ação fundamental era a expulsão dos invasores que estão ilegalmente em Terras Indígenas e que devem ser retirados por risco de contaminação. Não foi o que aconteceu. Ao longo desses quatro meses de pandemia, foram 13.801 casos e 490 mortes de indígenas pelos dados da APIB. Isso em um cenário de enorme subnotificação. Na realidade, o número deve ser maior.
O que se desenrola é uma tragédia, uma história que se repete há 520 anos. As epidemias trazidas pelos europeus vêm dizimando povos indígenas há séculos, como foi recuperado aqui.
No caso da Covid-19, a tragédia tem um autor: o Estado brasileiro, ou melhor, o seu descaso. Nesses meses, mostramos como o governo não apresentou uma estratégia clara para esses povos, incentivou as invasões às terras indígenas em plena pandemia, desestruturou mais ainda os órgãos de de fiscalização e não implementou políticas para que os indígenas permanecessem nas aldeias com segurança alimentar.
A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), subsistema do SUS de atenção aos povos indígenas, não criou nenhum protocolo dos profissionais de saúde para entrar em área. Muitos postos de saúde não tiveram adequações em sua estrutura física para atendimento. Em muitos casos, foram os próprios profissionais de saúde que levaram a doença para a aldeia. Há casos que a única estratégia foi a promessa de cumprimento de quarentena por parte dos profissionais.
A inação se soma ao preconceito: a Sesai não está contabilizando indígenas urbanos ou que vivem em terras indígenas não homologadas. Esses indígenas ficam a mercê de atendimento no SUS, muitas vezes sofrendo preconceito e não sendo considerados em suas particularidades, como previsto na Constituição. E aumenta ainda mais a subnotificação.
Outro ponto foi o auxílio emergencial. O governo lançou o benefício sem considerar as particularidades dos povos indígenas e as dificuldades de acesso à internet nas aldeias. Isso contraria a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê ações especiais considerando a particularidades dos povos indígenas ao lançar medidas universais.
O resultado, mais uma vez, foi trágico. Indígenas se deslocaram até as cidades para buscar o auxílio de R$ 600 e comprar alimentos. Voltaram para suas aldeias com o vírus, contaminaram os mais velhos e, por isso, muitos morreram. Enquanto isso, a Fundação Nacional do Índio (Funai) executou apenas 40% do orçamento para ações emergenciais, que poderiam ter levado alimento e outros materiais para manter os indígenas nas aldeias.
E, para piorar, o presidente, Jair Bolsonaro, vetou 22 dispositivos da lei que institui medidas para prevenir a disseminação da Covid-19 junto aos povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e outras comunidades tradicionais. Entre os trechos vetados estão a garantia ao acesso à água potável e distribuição gratuita de materiais de higiene, de limpeza e de desinfecção para as comunidades indígenas, a oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva (UTI) aos indígenas e aquisição de ventiladores e de máquinas de oxigenação sanguínea. Também foi vetada a elaboração de materiais informativos com tradução e instalação de pontos de internet nas aldeias.
A omissão se deu em dezenas de casos. Selecionamos alguns emblemáticos, que dão uma visão geral do desastre. Saiba mais no covid19.socioambiental.org.
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