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A Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone) acionou órgãos do sistema de Justiça na tentativa de levar o governo do estado de São Paulo a prestar assistência contra a Covid-19 nos quilombos do Vale do Ribeira. O ofício da entidade, com denúncias e propostas de encaminhamentos, foi enviado à Defensoria Pública de São Paulo (DPESP) e da União (DPU) e aos Ministérios Públicos do Estado de São Paulo (MPSP) e Federal (MPF). Quilombolas ouvidos pelo ISA relatam precariedade na assistência de saúde e dificuldade de obter apoio do estado.
“Espera-se que estas instituições possam pressionar e atuar na defesa dos direitos das comunidades, tomando as providências necessárias para garantir a proteção dos direitos à saúde, à vida e à integridade pessoal dos membros dos povos quilombolas”, explicou Rafaela Miranda, advogada da Eaacone e quilombola da comunidade de Porto Velho.
Os pedidos incluem a elaboração e implementação de um plano estadual de combate à Covid-19 nos quilombos do estado, feito juntamente com os quilombolas, além da disponibilização de kits de higiene e de medidas que garantam a segurança alimentar nas comunidades, como distribuição de cestas básicas e fortalecimento da assistência técnica rural.
A Conaq protocolou na semana passada no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF) com o objetivo de obrigar o governo federal a adotar medidas de urgência no combate à pandemia nos quilombos de todo o país. A ADPF foi distribuída ao ministro Marco Aurélio Mello e recebeu o número 742. Esse tipo de ação busca evitar ou reparar dano a algum princípio básico da Constituição resultante de ato ou omissão do Poder Público.
A Eaacone ressalta que as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira sofrem historicamente com a falta de acesso a políticas públicas e infraestrutura. A ausência não é restrita à saúde, e inclui educação diferenciada, direito à terra, segurança e mobilidade. Há casos em que moradores das comunidades quilombolas precisam se deslocar por até quatro horas para chegar a um centro de saúde estruturado com assistência básica especializada e serviços de emergência.
A pandemia de Covid-19 evidenciou tais dificuldades, segundo Heloisa França, coordenadora estadual da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) no Vale do Ribeira. “Os recursos dos governos federal e estadual, dentro das comunidades você não vê a aplicação. O atendimento, que já era precarizado, está cada vez mais precário. O acesso está cada vez mais difícil”, relatou.
“Existem problemas de falta de infraestrutura, como ambulâncias, UTIs [unidades de tratamento intensivo] e de falta de transporte adequado com isolamento para os contaminados e suspeitos”, complementou Raquel Pasinato, coordenadora do Programa Vale do Ribeira do ISA. O ofício, de acordo com Pasinato, pode pressionar o governo a criar “um plano mais integrado e emergencial de atendimento aos quilombolas, minimizando riscos de contaminação e mortes ao atender as medidas”.
Em julho, foi aprovada a lei 14.021/2020, que obriga o Estado brasileiro a prestar assistência a povos e comunidades tradicionais. De acordo com a lei, são deveres do Estado a proteção territorial e sanitária das comunidades, a ampliação do atendimento emergencial de saúde, a garantia da testagem rápida de Covid-19 quando surgem casos suspeitos e a notificação compulsória dos casos confirmados entre quilombolas, além da inclusão do quesito raça/cor nas notificações da doença. Mesmo assim, foram poucas as ações na prática e, mesmo elas, muito pontuais.
A ausência de dados oficiais sobre a contaminação dos quilombolas no estado torna difícil monitorar a situação e planejar políticas públicas. A Eaacone, com o ISA, começou um monitoramento próprio junto às comunidades e, com base neste levantamento, lançou um boletim epidemiológico no dia 6 de agosto de 2020: 31 casos notificados nos quilombos do Vale do Ribeira.
As dificuldades de realizar esse trabalho de forma autônoma fizeram com que o levantamento ficasse desatualizado, de acordo com Rafaela Miranda. “É de suma importância a notificação e publicização desses casos. A ausência de dados quanto às populações quilombolas é um fator que dificulta ainda mais a efetivação e a promoção de políticas específicas para essa população”, defendeu a advogada.
Os dados da plataforma Quilombo Sem Covid-19 indicam que, até o fechamento da reportagem, mais de 4.500 quilombolas já haviam sido contaminados e 160 haviam morrido por causa da Covid-19 em todo o país. Os números são fruto de monitoramento independente da Conaq, com apoio do ISA. A plataforma está disponível em: https://quilombosemcovid19.org/
Comunidades do Vale do Ribeira também tentaram impor o auto isolamento, mas algumas enfrentaram dificuldades. Na Comunidade de Maria Rosa, por exemplo, foi relatada a presença de turistas, à revelia dos quilombolas. Já na comunidade Pedro Cubas de Cima, a cerca e a guarita utilizadas para fazer o isolamento do território foram depredadas.